31.1.05

No dia da minha formatura - oh sim, minha formatura! grande merda, apesar de muito bem feitíssima, gente esforçada - e de colegas que acham legal definir alguém pela música de Jota Quest (na moral na moral) ou Capital Inicial (o acaso vai me proteger) ou Barão Vermelho ou Legião Urbana, fora outros que escolheram Chaves ou qualquer palhaçada do gênero, ou outros ainda, que pegaram Secos e Molhados, Mutantes ou Raul Seixas, um pouco mais passáveis, sendo a minha preferida, depois do meu Orbital, justamente a do meu amigo que assumiu a vilania do comunicador e pôs a trilha daquele James Bond em que o homem mau é um magnata das telecomunicações... e o professor que dizia não baixem a cabeça! enquanto ninguém além de mim tinha coragem pra dispensar o fotógrafo que impingia poses e sorrisos, enfiando um canudo na mão das pessoas para depois extorqui-las, já com a foto pronta - bem, no dia de minha formatura, passo a noite empilhando caixas e mais caixas. Com pausas estratégicas para Alan Moore e sua Prometéia (é a estória em quadrinhos mais übermegafoda que já li... e tem escaneada no emule, e no google... procurem) e uns beijos, tenho me dedicado não ao mero encaixotamento, mas à catação de lixo. Sim, porque vou de uma casa de 3 quartos para uma de 1, sendo estes três quartos um pouco maior ainda do que se imagina - 240m2. Dentro da casa de 3 quartos tem muitos armários, dentro dos quais tem sacolas, pastas, caixinhas e malas, dentro das quais se encontram coisas que devo decidir se me servem ainda ou já não mais.
Se isso fosse até uns 12 anos de idade, a primeira vez que me mudei, eu diria: não quero deixar nada! E carregaria cada pedacinho de giz de cera quebrado e manchado como um troféu. Com medo de perder a minha história, a minha identidade. Mas como disse, já enfrentei o medo - hoje tenho medo de me deixar prender pela minha história. Jogo fora as figurinhas repetidas, fica a amostragem do que eu fui - ou seja, uma dentre quatro agendas obsessivamente organizadas (que eu tinha pavor daquela presepada de agendas cheias de fotos, clipes, versos rosas, tão gordas que o velcro não fechava, precisava de elástico); uma dentre quatro filipetas da festa Bunker de 2 anos; duas dentre oito matérias da 7a série. Logo, apenas uma folha de lembrança será necessária; a história mais comprida tem que ser mais resumida, que o HD não aumenta de tamanho.
Eureka

Mas era CamilaCamila! Baixava a minha cabeça pra tudo - e sem perceber.
O problema, na verdade, era que eu nasci a filha perfeita - ou quase, porque apesar de não chorar, não espernear, não gostar de brinquedos caros, ser fofinha, educada, boa aluna, não gostar muito de bala nem de coca-cola, não fazer xixi na cama, não falar palavrão e ainda ser evangélica, tinha idéias muito perigosas, como planos para o crime perfeito, ou, textualmente, vovó, porque homem não fica com homem e mulher não fica com mulher? e devaneios muito sérios, que me faziam me perder no supermercado, e também perder dinheiro e objetos em todo lugar. Mas eles não nasceram os pais perfeitos, o olho cresceu, ficaram mal-acostumados, entende? É daí que vem a expressão, muito sábia, como educar seus pais - nisso eu fui péssima!
Não são as pessoas desobedientes, nem sempre. As pessoas que não sabem o que mandar, ou para onde direcionar aqueles que querem obedecer, são outro grande, mas muito grande, problema.
E de repente surgiu alguém - não metaforicamente - que todo mundo considerava chato, pelo menos foi o que ele disse, e começou a me fazer pensar sobre o que eu nunca pensava. Começou a chamar a minha atenção para alguns dos meus atos infundados.
Por que você tem que dizer sim a isso? Por que você tem que ir junto? Por que você...?
É, realmente...
Claro. Claro que ele é chato. Ele mostra tudo o que as pessoas se esforçam tanto pra não ver...
que hoje em dia todo mundo quer pegar leve
Ele me fez ver opção. Tanto que vi um montão de opções escondidas, descobri todos os easter eggs, hidden rooms, bonus stages da minha vida. Parte de fazer opção é optar, portanto optei por ele, como posso des-optar a qualquer momento - e enquanto me sentir livre assim, hei, não quero saber de outra coisa.

25.1.05

Are u still counting

É incrível como algumas mulheres sempre dão um jeito sutil de lembrar, como uma esposa dos anos 50, do "nosso aniversário".
Especialmente se ele passou completamente em branco no ano passado - quando a mulher, avant-garde feito Dionne Warwick, consultou o Jornal das Moças e chegou à conclusão de que esconderia seu ressentimento - sim, guardaria suas lágrimas até o ano seguinte, pensando: tudo o que ele precisa é de um empurrãozinho num local estratégico da lembrança... mas o marido somente revira os olhos e amaldiçoa o Papa Gregório XIII e a pessoa que inventou de comemorar datas redondas.
Desde o terceiro ano, quem lembra dos nossos é João Paulo. Depois de completados, é claro.
Oolaa Ju-On

24.1.05

As you like it

Visualize as pessoas para quem você manda email, ou, vá lá, carta, com certa freqüência. Você se imagina dando, pessoalmente, os abs ou os bjs que vc promete no final, ao se despedir? Será mesmo Atenciosamente ou Cordialmente que você se despede deles? E todos eles são realmente Prezados? Caros?
Acho que a única sinceridade que rola nestas despedidas é a do tipo Aguardando Ansiosamente pela sua Resposta. Mesmo assim, é um eufemismo para Responde rápido, porra! Se as pessoas sempre se despedissem Sinceramente, as relações, pelo menos as de negócios, entrariam em colapso.
E quando você quiser mesmo dizer aquilo? A pessoa do outro lado fica sabendo o que você quis dizer se você for criativo e inventar novas maneiras de se expressar, se despedindo, sei lá, com abração, ou mil beijinhos, ou um verso de Shakespeare, conforme a sua patologia. Mas a maioria das pessoas tem meeedo e escreve exatamente a mesma coisa, só que suspirando enquanto digita.

Existe uma certa semelhança estrutural com o ficar, ou melhor, com esse emaranhado de saliva em que boa parte da minha geração se encontra. Odeio essas psicólogas compreensivas que dizem às mães aflitas que ficar é normal (no sentido ficar com 15 numa festa é normal). Ah, sim! E sempre haverá pobres no mundo, e os seres humanos curtem drogas alucinógenas e apostar na bolsa, freqüentemente os dois ao mesmo tempo - mas jamais me peça para considerar normal uma tragédia que eu desejo erradicar (punhos no ar...).
Se você beija qualquer um que se lhe apresente, a chance de acabar beijando Aquela Pessoa é supostamente maior. E o aparentemente melhor, você não precisa se declarar. É pôquer. Ficar é um superblefe. Você nunca sabe se Aquela Pessoa está apaixonada por você também, ou se você é Aquela Pessoa de outro. Nem ela sabe o que você está escondendo, portanto não pode fazer de você gato e sapato. Yep. Mas depois de ficar com Aquela Pessoa você continua escondendo as cartas, temeroso - ela não falou nada das delas - e dá de cara com Aquela Pessoa ficando com outro, e pior, sem poder dizer nada.
Nada muda no final. É um artifício covarde. Ficam enfiando o pezinho em vez de mergulhar logo de cabeça. É mais fácil que encarar o próprio medo e se foder logo de cara, bem bonito.
Poderiam me perguntar se eu já quebrei a minha cara, que gato escaldado tem medo de água fria. Já me ferrei lindamente pelo menos umas duas vezes. Agora, não ofenda os gatos apelando para provérbios conformistas; force a evolução, desafie o behaviorismo, cresça, porra!
Além disso, para chegar até Aquela Pessoa, você atravessa um oceano de gente com bafo, chata, bêbada, pretensiosa, que não te merece, e ainda outro, os dos beijados por maus motivos: pela pressão, para fazer ciúme, porque é um troféu, por pena, porque está lá, porque-é-linda-embora-não-te-dê-o-menor-tesão, ou por pura e simples falta do que fazer.
Claro que é possível começar alguma coisa com um mau motivo e achando que vai encontrar um terrível bafo de onça, e sai daquela boca um hálito de Hortelã Garoto, e/ou o mais difícil, idéias altamente instigantes. A maioria é otimista, aposta nessa possibilidade, aposta, aliás, loucamente, em todas as direções, assim há mais chances de ganhar, até porque há uma hierarquia que supostamente deve ser escalada e - sim, é um pouco como a Bolsa de Valores também.

23.1.05

Need a planet without cars and wars. No wars, no cars. No wars, no cars. I wish it could be true.
a_a_aa_aaa_aaaa_aa_...

22.1.05

Réquiem para avó

Eu a conheci aos 57 anos. Eu, filha única filha de filha única. De vez em quando eu perguntava pelos meus tios. Quer dizer, tios havia às dúzias, mas tios-avós, tios-primos. Todos tinham irmãos naquela família, eu perguntava o porquê justamente porque parecia atípico. Da primeira vez que perguntei minha avó fez uma cara estranhíssima, também a minha mãe - eu não sabia, mas eu deveria ter tido tios.
Depois soube, me contaram que minha avó foi miss (a sua avó foi miss!) , e eu fui logo perguntando: Miss Mundo ou Miss Universo? Me responderam com uma gargalhada - Miss Gato, em 1948, e depois outro que ela nem lembrava o título, de tão comprido. Ainda me contaram que ela só não continuou a "carreira" porque a bisavó não deixou.
Também me lembro daquela vez em que eu estava lendo jornal (ou seria um livro do Drummond?) e vim até a sala perguntar o que era prostituta. Meus pais estavam brigando de novo, eu não me importava tanto assim, para mim só significava que eles estavam "ocupados", então fui direto à avó. Ela respondeu, rápido, que era uma vedete, dessas de teatro, e sim, eu sabia o que era vedete - uma dançarina de cancan, que fazia shows com roupas antigas. Isso se encaixava perfeitamente no contexto, de forma que me dei por satisfeita. E olhamos para eles, ela pensando que aquilo faria danos irreparáveis à minha cabecinha, eu pensando que não queria repetir os erros deles, imagine, já brigando de novo.
Claro, a essa altura, quando a conheci, ela já tinha passado pro outro lado, como deve ser - de constrangida a constrangedora. Quando meus amigos me visitavam, ela aproveitava para contar tudo o que eu fazia de errado ou impróprio na opinião dela, como não arrumar a cama - eles apenas sorriam. Eu me perguntava como elas não tinham vergonha de outras coisas que faziam, se tudo o que eu fazia tanta vergonha dava. Obrigada à viagem à Disney, por exemplo, tivemos um guia, para variar, muito engraçadinho, animador de velório, que promovia gincanas no ônibus. Minha mãe e minha avó empolgavam-se com a idéia, e pior, tinham um número de itens de gincana constrangedoramente grande. O animador pedia: uma calculadora! E minha mãe tinha. Depois: uma lapiseira roxa! E minha mãe: peraí, acho que eu tenho! acho que eu tenho! E não tinha. Certo. Atenção... eu querooo... (e elas presas no suspense) um pente vermelho! E minha avó: eu tenho! peraí... achei! E sacava um pente vermelho. Disso, céus, elas não tinham vergonha? Não consigo olhar para o bom pente vermelho sem lembrar disso.
Minha avó defendia minha mãe com unhas e dentes, isso não é só uma força de expressão, certa vez quando me recusei terminantemente a falar pelo telefone com a filha dela, aquela (insira o palavrão adequado), ela me agarrou pelo cabelo e sacudiu, meus óculos foram parar no chão, lascados.
Minha avó, quando me via pronta para sair em trajes do que se chamava, na época, clubber, perguntava, com os olhos flamejantes: Tá virando hippie?
Eu sabia que algumas pessoas perdem o bonde da história, ainda mais quando ela já anda num trem-bala. Para mim, ela era a querida avó que precisava de ajuda e compreensão. E não só dela. Pai, não compre isso agora, você não pode. Mãe, não deixe ele te tratar assim. Eu estou virando a mãe de minha família.

20.1.05

Eu sou um homem sem fins lucrativos
Doente porém vivo
Eu quero é que se foda

É bom para uma pessoa saber que, quando ela toma um caminho na vida ou faz um juízo ou chega a uma conclusão, desdenhar os caminhos que os outros tomaram na vida, ou seus juízos, ou suas conclusões não pode ser justificado pela burrice ou pelo erro dos outros (ainda não aprenderam, como eu).
É bom saber que o juízo alheio é burro porque não é o nosso. Nós, é claro, somos inteligentes. Simples assim.
Quem não concordar ou é burro ou está errado.

Meu signo preferido
Eu já disse, é o feijão
Toda vez que somo ele
Dá sempre o mesmo total
1. Quase memória é Peixe Grande num livro (ou Peixe Grande é Quase memória em filme...)
2. O hino garage Spin Spin Sugar, do Sneaker Pimps, tem uma versão rock estonteante (denominada "radio version") que eu procurava desde que ouvi na Cidade há séculos atrás (tanto que a Cidade ainda tocava mais do que as trinta músicas que alterna em sua programação atual...).

18.1.05

17.1.05

O que me chamou a atenção foi a boa seleção de imagens, não a idéia, em si muito batida. Mostrar o trecho de Amor Estranho Amor intercalado a Xou da Xuxa, convenhamos, que lugar-comum. Mas mostrar junto com uma edição do Xou em que a Xuxa estava de colã e saiote, fazendo espacate com as paquitas em meio a exageradas caretas de dor, bem, é no mínimo parabéns pela pesquisa de arquivo.
Chega a ser... você sabe, fooofo.
Níveis Warwickianos de Susceptibilidade.

I just can't get over losing you/And so if I seem broken and blue/Walk on by, walk on by
Foolish pride/Is all that I have left/So let me hide/The tears and the sadness you gave me/When you said goodbye/Walk on by and walk on by and walk by (don't stop)

Cara. Isso é tão mulherzinha.

15.1.05

Olhando para cima

- Hoje o céu está azul. Sem uma nuvem.
- É.
- Que horror.
- Maldito.

13.1.05

Hoje eu vi um Palm (Palma) ao vivo e descobri que ele tem uma função de reconhecimento de caracteres, ou seja, você pode escrever na tela usando a canetinha que ele transforma seus garranchos num belo arquivo de Pocket Word (Palavra de Bolso). É atraente, mas tira a graça de você ter que passar para o computador e, com isso, a chance de uma revisão que leva a modificações pertinentes. Se bem que escrever direto também tem suas vantagens. O problema é que se não lembro de carregar nem o celular, imagine se tiver outra coisa pra carregar periodicamente. "Não dá pra escrever agora, meu bloco de notas está descarregado." Prefiro um bolígrafo e a palma da mão. Deus fez nossas palmas planas, brancas e escrevíveis por algum motivo.
E o que disse pulando um post o de abaixo era um prelúdio para explicar aos que não me conhecem (ou não conhecem tão bem) que eu fui mimada. Tanto que um dos meus apelidos foi Anta Mimada. O outro foi Canibal, pronunciado, conforme o humor, como nibal ou Cabal. D'après Hannibal Lector. É sério. Depois eu conto isso direito. O que interessa é que a minha metade antropofágica odiava a criancinha estragada - spoiled, me estragaram, fui estragada de verdade. A criancinha, sabendo-se estragada e não suportando atender as próprias vontades insaciáveis, também se odiava. É por isso que vamos dar um jeito nela. É por isso que estou tão animada com a possibilidade de ter que ralar, fazer a comida, lavar a louça e a roupa, fazer as compras e a limpeza num apartamento só meu. Vamos desestragar essa criança. Mas com algum amor, é claro: designo as pernas para me carregarem por cinco quilômetros para buscar alguns treats para a criancinha: luz negra e copos clássicos de milk-shake. E copos grandes, de boca larga, que ela terá que segurar com as duas mãos. E pratos que não tenham motivos de louça pseudo-inglesa. Ai-ai. Pareço uma patriçoca, uma bichinha de anedota, nervosérrima, mordendo as unhinhas: como? não pode ser! não há copos de 750ml em V nesta cidade? Estão em falta, madame. (A escassez de copos decentes ocorre do Rio Sul à Teófilo Otoni. Investiguei. Acabei descobrindo que a fábrica de copos decentes deu férias coletivas e volta dia 15.) Mesmo assim caminhei pela cidade toda e não comprei quase nada. Maldito Natal. (Dezembro agora tem mais casamentos que maio, o mês das noivas. Você sabia disso? Eu nem sei como eu sei isso). Daqui a pouco prendo a respiração até ficar vermelha.
Estou apaixonada. A linguagem dos contratos é como a do funk. Escrota. Direta. Incisiva. Vou passar cerol na mão, de lado, de quatro, por trás, inclusive, entre outros, comprar, vender, penhorar, adquirir, hipotecar. Nenhuma insinuação. Apenas a planura de uma coisa que quer dizer o que disse sem deixar margens para dúvidas e/ou questionamentos, se você excluir a impenetrabilidade (ui!) do jargão.
Há certas coisas sobre as quais penso em escrever, penso e penso, e nunca sai nada a respeito. Deve ser porque no fundo não me importa.
Este blog, para quem me conhece, serve como complemento interessante, porque eu não consigo falar tudo - até porque nem tudo é falável. Depois que comecei ele, tenho sido compreendida às mil maravilhas, sou um mistério mais interessante para os meus amigos. Agora, quem não me conhece - sinceramente, vocês deviam achar isso aqui maçante. Epa - de repente acham mesmo, e vêm por quê? Ganha um doce quem souber dar uma resposta coerente.
- Para se entediar no mesmo lugar de sempre (costume).
- Pra saber se estão falando mal de você (paranóia).
- Pra saber se isso vai a algum lugar (não vai).
Sei que há blogs que contam vidas emocionantemente, outros publicam coisas que escreveram, geralmente pequenas (post-sized), outros são miguxinhos i fofinhuuux (imagino que esta gente escreva assim para simular a própria pronúncia tatibitati). Esse aqui é uma espécie de exercício diário de escrita. Nem sempre posso canalizar a minha energia para o livro, porque não tenho uma idéia de como resolver o enredo (o mais complicado para mim, diálogos acho fácil e divertido). Aí fico aqui exercitando as palavras em torno do nada. Então, como já deu para perceber, o livro, sim, é levado tão a sério-seriíssimo que chego às lágrimas e/ou ao riso, às vezes ambos, caminhando pela casa com os braços esticados de pêlos arrepiados (um contador Geiger humano); desvio os olhos da tela do computador porque os olhos doem, subitamente; faces escarlates de pudor, que eu não tenho coragem de ver que escrevi; mil coisas.

10.1.05

Bem, não foi um daqueles fins de semanas de ininterruptas emoções explosivas e incandescentes. Foi um good-feeling geral, constante, desde a variedade 'aqui, agora, está tudo perfeito' até a 'looks wrong but feels right', como no final de Donnie Darko. Palavra, se eu sempre me sentisse assim, eu sempre me sentiria assim.
Fora que aquilo que eu queria quando era tola e desajeitada - ter, pelamordedeus, algum timing! um pouco de tato! uma bússola! (enfim: sabedoria) - aconteceu. Tem acontecido. Ou melhor, acontece. Exatamente como eu esperava, ou seja, agora que tenho isso, não dou a mínima, ou por ter conseguido não dar a mínima é que tenho isso, e tenho que lembrar que eu não tinha isso para ser grata ao meu eu do passado por ter se preocupado, e com o ânimo adquirido fazer novos projetos para o futuro.

5.1.05

É, isso é um exercício diário de enxugamento e reciclagem das minhocas que tenho dentro da minha cabeça, senão elas começam a sair pelos ouvidos e pela boca e assustar os passantes. Mas não escrevo só aqui, assim como tenho que explicar às pessoas dali, de lá e de acolá que não escrevo só ali, lá e acolá.
Fui a uma papelaria e comprei um caderno pautado, de capa dura, sem espiral. A idéia surgiu quando li numa dessas seções de revista (chamada Consumo ou Presentes ou Novidades com retratinhos recortados de produtos coloridos diagramados de forma calculadamente desorganizada, e o precinho embaixo, em negrito) que a última coqueluche era pagar uma fortuna por um bloquinho de notas preto, fabricado por uma companhia francesa, onde tradicionalmente "grandes escritores" tomavam suas notas. Obviamente os grandes escritores, quando não eram grandes e não tinham grana, foram até a papelaria mais próxima e pediram um caderno, e esse era o que tinha. Se quisessem mesmo fazer o que um escritor com a grana e o ego de vocês faria (no quesito superfície pra escrever e pra que vejam que estou escrevendo), compravam a porra de um palm e digitariam nele com a canetinha especial comendo carpaccio no Espaço Unibanco. Mas não, a onda é tirar ondinha de cult.
Pois fui comprar uma superfície encadernada não tanto por este, que seria um mau motivo, mas por outro. Enquanto eu comia um brotinho com coca-cola no Mister Pizza, tive uma idéia que parecia importante. Como outras, que tive no metrô, andando na rua, enquanto almoçava no Centro. Minha memória funciona como uma esteira rolante, preciso anotar tudo, e rápido, senão esqueço. Eu anotava tudo em pequenos papeizinhos, post-its subtraídos do bloco do trabalho, versos de notas fiscais - e desta vez foi na metade do guardanapo que o homem tinha me dado. A idéia era maior, mas o que escrevi foi:

ônibus de ligas frouxas em alta velocidade
- Eu estava pensando em suicídio
- Eu sei

E deixei do lado do computador. Dois dias depois, não estava mais lá. Provavelmente minha mãe o achou numa das surtadas arrumações para receber prospective acquirers da casa, e aparentemente Carolyn Burnham achou uma boa idéia picotá-lo em pedacinhos e comê-lo para não pensarem que comprariam a casa de uma suicida em potencial.
O computador também anda com a placa-mãe meio torta das idéias, e quando ela desencaixa da placa de vídeo, o monitor simplesmente apaga e não há santo que recupere os arquivos do Word. Deixei minha CPU de entranhas à mostra, assim é só cutucar a placa de vídeo com um lápis que ela volta. Tudo isso aconteceu várias vezes, de forma que resolvi comprar o caderninho e manter minha sanidade mental.
Pois a Solução Final (do livro, A Feia Noite) ficou uma verdadeira salada, quatro páginas riscadas, rabiscadas, asteriscos e setinhas, três cores de caneta diferentes durante quatro dias, durante os quais faltou luz, tive insônia (ou melhor, tive sono e inspiração ao mesmo tempo), fez um calor infernal e levei a mão à boca algumas vezes, tanto por sono quanto por espanto. Mas é isso mesmo? Será?

Escrevo até lendo, e passei a ler o Retrato de Dorian Gray. Relendo, que li mal aos 13 anos, mas aos 13 anos aquilo não tem graça nenhuma. Mas era a inspiração de uma das frases mais antigas escritas no meu livro, e eu precisava reler pra ter certeza que é isso mesmo? Será?
Ah, o livro é cheio de frases muito citáveis em blog, tanto que já vi uma porção por aí. Fiquei com vontade de citar, mas na verdade acabaria abrindo aspas, digitando o texto integral, fecha aspas. Não o texto integral, minto. Certo capítulo consiste de páginas e páginas descrevendo um fausto absoluto que não quer dizer mais nada. Atenção, escritores de hoje, é aí que as referências a Simpsons e Strokes vão parar (o que não quer dizer que sejam interditas, como o fato de eu odiar a van de cachorro-quente parada em frente à garagem do vizinho não me qualifica necessariamente como elitista enojada da ralé, etc.).
E agora, tendo revisto também O último tango em Paris, percebo qual seria a verdadeira utilidade desta casa antiga de duzentos e quarenta metros quadrados, mármore italiano extinto, quartos para dois criados, parquê paulista de cinco cores, móveis de mogno escuro e jacarandá, espelhos de cristal bisotado, afrescos, lustres, frisos florais nas portas e nas paredes róseas, pratarias, bibelôs, obras de arte, boudoirs, abat-jours, armários camuflados (armários camuflados são muito importantes!) e para uma pessoa morar totalmente sozinha, que os criados não contam. Ah, eu ia falar, mas vocês já entenderam.
Preferi morar num apartamento pequeno, escrotamente funcional e clean, armários embutidos, estantes do Shopping da Matriz. Mas percebo que o novo é a versão contemporânea do significado do meu atual. Os jovens aristocratas sem filhos se mudam para apartamentos escrotamente funcionais. Seja por motivos funcionais (como "viver fora do Rio"), motivos intelectuais, "qualidade de vida" ou putarias mesmo. Quase não há velhos nem crianças. Encontrei no elevador um amigo do meu padrasto com a amante. Encontrei outro elevador entupido por um jovem casal cheio de malas, saíram para o táxi que os levaria ao aeroporto. Plus ça change, plus c'est la même chôse.

1.1.05

Senhora Sensível

Às 17:59 estava sentada na mulher covarde e a luz diminuía. Depois de ter ligado o Word em branco e pensado exatamente aí: preciso resolver este livro agora. Não espero bater 18:00, deito na cama para me dedicar exclusivamente a pensar, e um telefone ao longe toca até parar, começa de novo, pára, recomeça, pára, - agora ele desiste - recomeça, - ela não está em casa, porra! - pára, recomeça. Mudo de lugar. Vou para o extremo oposto de onde não se ouve o grito do telefone. No exato momento em que deito na coisa desajeitada e feia, mãos cruzadas no colo, o rádio do porteiro é ligado num volume razoavelmente incômodo. Volto para a cama - parou o telefone, embora o barulho de motor de geladeira da bomba d'água e o do compactador de lixo continuem. Planto uma bananeira. Destrincho ele todo, o livro, a feia noite, desde a parte em que falta luz, as ações de Maria Luiza, o final que podia ser mudado, o final que não podia ser mudado. Começa a brotar uma idéia. Os ruídos começam a desaparecer, penso que é o mundo ficando longe. E um insight. E outro. (Ao longe uma mulher solta um muxoxo de decepção). É, vou escrever.
Aperto o botão da luz e a luz não acende. Aperto de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo e de novo e a luz não acende. Então me dou conta do preço daquele silêncio. Daquela inspiração. O bairro está sem luz. Enquanto me dirijo para as velas e o fósforo. Descubro que não sei colar vela em vidro. Escrevo sob uma luz bamba. Num caderno verde da Imprimo. E lembro de ligar a campainha do telefone com-fio. Senão ninguém pode me participar nada. Pensando bem, é melhor ligar para alguém. Aí na Tijuca está sem luz? Sim. Volto e escrevo mais. Faço uma página sob a vela. O telefone toca. Até São Gonçalo está sem luz. Volto. Reajeito a mesa de estudo. A vela desmaia e pinga na mesa e na borda do caderno. Problemas antigos demais pra eu saber resolver. Pingo (uma, duas, três vezes) e reencaixo a vela - nada. Pingo quatro vezes, nada - de novo. Mas a terceira é que conta, olho satisfeita para a vela em pé. Um estalo do motor da geladeira. Uma mulher ao longe diz: êêêêê. Sopro a vela. São 19:10. E até o Espírito Santo, ô deus, esteve sem luz.
Quando chegou 2004 eu disse que este ia ser um ano horrível, que 2005 é que ia ser o bom. E eu que achava que estava falando de política. Na minha cabeça, Lula cortaria um dobrado. Cesar Maia e Bush reeleitos já foi demais pra minha imaginação.
Pois 2004, cegueta, sádico, sem noção, além de levar embora minha avó, meu avô e o Fernando Sabino, reservou de surpresa de última hora o querido e singular Daniel Brilhante de Brito, professor de tradução e inspirador da minha estapafúrdia idéia de aprender russo (já sei falar "dóbraye útra" e ler caracteres cirílicos). E alemão - estava pensando em aprender com o próprio Daniel, num curso que ele dava todos os janeiros, alemão a partir do inglês. Todos os janeiros me prometia ir lá e não ia. Sigh. Não consegui sequer ir a missa dele, dormi feito uma parva.
Espero que eu acerte tão na mosca sobre 2005 como acertei sobre 2004.