28.2.05

never said i wouldn't

É agora a hora de segurar a barriga e dar risada, porque toda aquela gente que matraqueava que trabalhar num escritório, com chefe e horário, parecia insuportável, e que para tanto jogava na megasena, acabou num concurso público, o que me parece bem mais insuportável. Pior aqueles que cumpriram a tal promessa, vivendo às custas dos pais, que estouram seus ouvidos com ameaças se não arranjar um emprego em (o prazo varia...) - o que também parece muito mais extremamente insuportável.
Eu nunca jurei nada porque percebi o óbvio: que o tempo passa. Os dias se emendam um nos outros, e logo você estará posto na iminência absurda de ter que ter dinheiro imediatamente e arranjará qualquer merda que te faça infeliz com um salário horrível. Então me organizei para ficar com um trabalho menos horrível para quando chegasse a hora, mas antes, muito antes disso, comecei uma espécie de Projeto Megasena pessoal - um talento que, se bem explorado, poderia render a minha aposentadoria do sistema nove-às-cinco. E que, consistia, é claro, em trabalho. Sim, vocês adivinharam, é escrever - ou melhor, publicar, porque escrever é um prazer.

27.2.05

Sobre meu passado (passado?) com grandes aglomerações coletivas (ver post abaixo sobre IURD/raves), fiquei matutando porque isso não funcionou com as academias de ginástica. Eu abominava academias de ginástica de longe, e depois, de perto, detestei mais ainda.
Havia hierarquia em todos estes lugares, mas chegava uma hora em que todos eram iguais: todos louvavam, ou todos pulavam. Na ginástica também: todos sofriam. A diferença era que na ginástica havia competição, mesmo que você não estivesse lá pra competir. A neurose ficava individualizada, não coletiva: eu, magro - mais magro que você - você menos magro que eu. Ou: uso mais pesos que você... minha alimentação é menos calórica... tenho mais admiradores sarados... freqüento há mais tempo logo tenho mais "amigos" etc.
O mais próximo que havia de comunhão, e por um tempo eu freqüentei, era a aula de alongamento. O problema era a professora, que, quartaseriamente, estimulava a competição por elasticidade (o que me trazia à lembrança aquelas bonecas de má qualidade que, se forçadas em excesso, se desmembravam todas, caindo a cabeça pra cá, os braços ali, as pernas acolá).
eu chovo

Deve ser o primeiro roteiro nacional em que um personagem diz Nah - não em tom americano, mas em carioquês vitupera-palavras merrmo - e que usa mais músicas estrangeiras que nacionais. Ah, e neva.

26.2.05

a vida é cheia de opções Posted by Hello
Me deparo com a história de São Francisco de Assis e de Santa Clara (a "luz do mundo"), que eram grandes amigos. Ele falava com os animais e sua oração mais famosa era aquela em que frades e irmãs representavam um diálogo dos lados masculinos/femininos da natureza ("Irmão Sol, Irmã Lua" etc.). Inspirada por Francisco, a bem-mais-nova Clara fugiu de casa de madrugada, aos dezessete anos (idade passando da casadoira), cortou os cabelos curtos e dedicou o resto da vida ao impalpável.
Tudo isso é incrivelmente parecido com o livro novo, "A feia noite" - in a twisted way of course. Ele é todo construído em termos de oposições e espelhos. Tanto que, muito depois de ter chamado a moça que vive de noite de Maria Luiza, me ocorre ser óbvia e mudar o nome dela para Luzia ou até Clara, como uma espécie de ambigüidade: ironia ou verdade, ela ser a luz do mundo? Mas deixo Maria Luiza.
O Francisco do livro era Francisco por corresponder à idéia que eu fazia do personagem ao começar - essencialmente, um santo. No fim é que googlei a história do santo para saber mais e descubro estes pontos de contato que me deixam passée composée.
Um pouco antes também tinha escrito:

"Fossem outros os tempos, poderiam rezar juntos, escrever juntos, se drogar juntos, se matar juntos ou matar juntos. Esta última ainda era uma opção, mas teriam que se importar bem mais com os outros para decidir sabiamente a respeito de quem e como. E a sabedoria estava em jogo."
Me senti tão triste na hora em que vi o curta mudo do Lynch, o quê, dois semestres atrás? E fiquei martelando: parece um pressentimento. Não seja paranóica. Parece um pressentimento... Não seja paranóica! Será que...? Não seja paranóica.
Não adianta avisar. A gente não sabe ler. A gente não quer acreditar. A gente somos inútil.

25.2.05

I never knew Portuguese could be so beautiful

Aos que não acreditam (ou aos que acreditam) no poder do vernáculo, recomendo a leitura de Vale Abraão, da escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís.
O que são os achados lingüísticos desta mulher (diria insights, porém estou a louvar o português
no momento)?
Posso dizer que é um livro extremamente sincero ou muito do mentiroso. E muito poderoso.Esse trecho fez-me dar risada no meio do metrô:

"Só confiava em Pedro Lumiares, e pedia-lhe humildemente que se ocupasse de Ema. Vagamente, deixava perceber que era meio frígida e não era ameaça para os casais bem ligados. Pedro ouvia-o com alguma reserva; os princípios incoerentes que Carlos manifestava não deixavam de o preocupar.
- Que quer dizer com os casais bem ligados? Por acaso o casamento é uma maionese? Deve ser. O dele destalhou e não sabe o que há-de fazer."

Pior é que a estória é também completamente absorvente. Oh, não - nada acontece. Stay away se queres "acção". Uns poucos factos que podem ser chamados por esse nome. Um casamento, umas traições, um punhado de mortes, um defloramento. De resto é tramóia, aconselhamento, distracção, abstracção, small talk. Deliciosa small talk. (Fora a heavy-talk, que parece a dos meus personagens. "oh, até parece que alguém diria isso na vida real" - e daí? isso é o que deveria ser dito.)
Já andava a fim de comprar algum livro de lá. Agora sou meia-portuguesa, meia-brasileira (é cobrado o preço da pizza de mais valor). Calhei de achar esta verdadeira jóia na livraria de ricos, que serve só para que eu manuseie os livros (pausa para risada maléfica) que compro pela rede.
la fontaine

Sempre abominei chantagens emocionais do tipo mas-e-a-criança-que-está-na-rua-passando-fome (o que podia ser respondido com "então vamos adotar uma pr'ela comer o que eu não quiser", pra provar que na hora H o sentimentalismo burguês desacontece). Mas a mais curiosa era a tá-pensando-que-sou-sócio-da-light. Dava vontade de esperar algum natal e adquirir ações da Light em nome dos seus pais.
Eu diria que "dar moral" é uma coisa extremamente adolescente. Só é bom para sempre quando "acontece" uma "moral" em algumas histórias reais, e assim o gosto não é saber que você estava certo, porque existem fábulas que se contradizem, mas que você tem uma baita sorte. Ridículo é aquele que "arquiteta" a "lição" do outro, freqüentemente com ajuda de outras pessoas.

23.2.05

Black diamonds in the sky,
tonight is no time to die
We will discover a new desire,
we come and set the night on fire
We fuck the fame, we break the styles,
you parents keep your kids at home
tonight´s the night of reckless riders,
tonight´s the final overcome.
Poe

"Contanto que seja pessoalmente pura a moral de um autor, nada significa a moral de seus livros. Achamos, porém, que toda obra de ficção deveria ter uma moral. E parece que os críticos já descobriram que toda ficção a tem. Cada livro, um objetivo, uma intenção, uma lição. Uma mensagem. Na verdade, repassando os livros que desafiaram o tempo ? aqueles que estão sempre atuais ?, fica provado que nenhum homem pode sentar-se para escrever sem um autentico e profundo objetivo. Um verdadeiro romancista não precisa ter cuidados com a sua moral. Ela está ali. Em alguma parte. No tempo próprio ela aparecerá. Virá à luz tudo o que ele tencionava dizer, tudo o que não tencionava, juntamente com tudo aquilo que ele devia ter tencionado. E o resto que ele claramente pretendia tencionar. Assim sendo, tudo dará certo, no fim."

Estranho mesmo foi o comportamento do computador enquanto eu fazia a orelha do livro de contos do Poe. Nunca ouvi falar de um arquivo (o do livro de contos) IMPEDIR a gravação automática de outro (o da orelha, em que eu estava mexendo). Pára com isso, Poe.
Os velhinhos são as pessoas que mais se vestem alternativo. De vez em quando alguém vai lá e rouba as idéias deles. As beatas usavam camafeu e vestido preto muito antes das clones de Amy Lee. Os velhinhos usavam gorro e cachecol muito antes dos indies. E camisa de flanela quadriculada muito antes dos grunges. Tanto que um dia, no estouro do movimento grunge, o inspetor velhusco e, needless to say, judiadíssimo pelos alunos entrou na sala da quarta série (é. no grunge eu estava na quarta série.) de camisa de flanela sob o uniforme. Praquê.
- Walter... você virou grunge?
- Não entendi.
- Walter... você é grunge agora?
- Quê, menina?
- Grunge, Walter... grunge...
- Que é isso, menina, tá me chamando de quê?
Ele ficou genuinamente puto. Não lembro de nada tão filme de high school.
one thought at a time

As pessoas questionam como pude ser evangélica praticante e raver barra clubber ao mesmo tempo.Passei a melhor parte da minha adolescência de braços no ar (rexona não te abandona), conectada a uma grande energia superior, solitária no meio de centenas de pessoas, murmurando palavras estrangeiras, saltando em transe. Se fosse outra época, eu seria uma bacante, uma bruxa na festa do sol, uma hippie em Woodstock, what does it matter. Grandes lugares abertos. O Maracanã com duzentas mil pessoas clamando. Sítios em Vargem Grande. Doutras vezes, lugares cheios, suarentos, intransitáveis, quentes e apertados. Mas a sensação é a mesma, inigualável.
Vogais. Abertas. Aaaaaaatividades estigmatizadas. O proibido.
Eu passei a adolescência acossada. Em casa, um em cada casa, minha mãe me perseguia pelo lado da religião, e meu pai, pelo clubbing. Na escola, eu ouvia perguntas do tipo "Você é metaleira? Ué, então por que esses anéis?" e "Por que você não fica com ninguém? Você é lésbica?". Logo aprendi que a melhor resposta não era nem o silêncio, mas um monossílabo, o essencial, o laconismo que confunde e não explica.
Eu poderia explicar os anéis por exemplo. Que eles me faziam sentir uma dama antiga, e o frio que eles faziam nos meus dedos me impedia de dormir durante a aula, que eu já tinha visto o que faziam às pessoas que dormiam; gostava até do azinhavre que eles deixavam, e do suor que eles provocavam, e depois provava a base dos dedos. Gosto de anel. Era um ritual interessante escolher os anéis toda manhã, morta de sono, conforme meu estado de espírito, e no final retirá-los todos de uma vez, tilintando uns nos outros.
E menos ainda explicar que J.C. queria que eu honrasse o nome dele me guardando para seu escolhido para mim. E que, na verdade, eu não acreditava muito naquilo; mas era um comportamento que eu achava preciso manter até que quisesse abandonar a minha pele antiga, até que fosse mágica o suficiente para me defender e honrar a totalidade das coisas sem precisar do meu corpo intacto. Na verdade, havia um ponto onde a integridade emocional passava a atrapalhar. Eu queria pressentir esse ponto e não ser colhida antes do tempo, nem depois: no tempo exato. Não queria virar abóbora. E que eu fizesse a tal colheita. Eu reprovava Iracema. Ela não controlou nada.
Em suma, as pessoas que tentavam me decodificar obviamente falhavam. E ficavam putas, ou pior, ressentidas. Acho que isso nunca vai deixar de acontecer.
o único cara por cuja foto na capa já comprei a revista (pensando: damn, i'm weird)

"Essa gente não entende que ser "de esquerda" no Brasil é combater o Estado gastador, destroçar a burocracia , o clientelismo, a estrutura política arcaica do país. Nada mais."

"A aliança do PT com "partidos burgueses" sofre do autoritarismo dos que acham que podem mergulhar na sacanagem sem se sujar, por serem de ?outra cepa?. Se antes eram "virgens no bordel", agora se acham "prostitutas puras"."

(smoochie, smoochie man)

22.2.05

A velox foi instalada - por um sósia do David Blaine.
Depois de ter conhecido a menina que fez cinema e que não vai a cinema, e depois de ter dito pra ela que eu entendia, que sabia que ela fez cinema sem gostar de cinema porque queria um melhor cinema, e depois de ter recebido um olhar admirado e um aperto de mão, entendi, afinal de contas, porque fiz jornalismo.

Outro dia estava almoçando e a TV estava parada na Globo, no mais abjeto telejornal, felizmente sem som. Mas é tão feijão-com-arroz, que o texto parecia estar sendo narrado na minha cabeça, à medida em que surgiam as imagens: bandeiras jamaicanas com a cara do Bob Marley, um estereótipo (de gorro tricolor de crochê, blusa - adivinhe - com a cara do Bob Marley; "você pode se produzir um pouco para a reportagem? coloca umas roupas legais...") e no final, uma fusão entre a cara do Bob Marley e uma multidão dançando reggae, se não me engano, nas areias do Rio. E eu só pensando quando é que iam falar de maconha. Até pode ser um preconceito meu (e de muitos). E se for um preconceito, por que não desmistificá-lo? Óbvio que nem tocaram no assunto. Um telejornal para donas-de-casa não pode fazê-las queimar o almoço assim.
Deviam era meter um Repórter Vesgo no meio da coisa toda: é verdade que o pessoal de reggae é a favor da legalização da maconha? E a resposta (ou "reação") do cara. Pronto. Bastava. Mas, exceto quando o vilão é explícito - bandidos, seqüestradores, corruptos -, a Globo faz um jornalismo "amigo", criança-esperança. O que é enervante e perverso.
Mas aí, as pessoas começariam a fugir, ao invés de procurar, a Tv querida - não só entrevistados como telespectadores. Daria muito trabalho caçar não só os telespectadores - ei! aqui! escute algo de útil! juro que falo um pouco do bebê coala e do noivado da Gisele Bündchen! - como os entrevistáveis. Claro que a graça (ou o "objetivo") do jornalismo não está em ser incômodo. Senão Gil Gomes seria um gênio, e Gugu, um verdadeiro mestre. A graça está em ser perspicaz, em iluminar pontos escuros da sarjeta e do poder - isso é o que incomoda, como conseqüência e não como objetivo. Alguns entrevistáveis inteligentes, hoje considerados "difíceis" ou "reclusos", se encontrariam com estes jornalistas hipotéticos pelo desafio de sair vivo, como que para jogar xadrez. Ou seja, seria uma escassez absoluta de entrevistáveis.
Mas a TV quer ser sua miguxinha, sua companheira de todas as horas, e não pode se dar ao luxo de ficar escolhendo conteúdo. Vai ao ar qualquer merda sobre o segundo excluído da terceira edição do BBB. Quando vejo o jornal da Band acho meio desengonçado, idem o da Record, mas numa hora dessas, dane-se a técnica.
Elefante

Eu tinha seis anos ou menos e estava tomando xarope pra tosse, aquele com a colherzinha medidora. De repente, no rádio do carro dos meus pais, uma música - ah, é como reproduzir um sonho, falar do seu pensamento com poucos anos - a música tinha uma batida diferente, aguda e com eco, parecia plástico batendo em fórmica, bastante linear (ou seja, eletrônica - como todas as dos anos 80). Pareceu interessante fantasiar que era uma baterista com a tal colherinha de plástico.
Acreditem. Eu lembrava vagamente da batida e do evento, mas não da música em si. Outro dia, numa rádio dessas que só tocam músicas velhas... esta música se tornou velha o suficiente para entrar na programação (e eu, velha o suficiente pra entender o que ela dizia). Reconheci pela batida.

'Cause I don't wanna go on with you like that
Don't wanna be a feather in your cap
I just wanna tell ya honey I ain't mad
But I don't wanna go on with you like that

I don't wanna go on with you like that
One more set of boots on your welcome mat
You'll just have to quit'em if you want me back
'Cause I don't wanna go on with you like that

E ainda por cima a letra é legal; lembra bem minha maneira de agir em várias situações - perdendo "partidas" por W.O.
De resto, isso só serve pra provar, definitivamente, que minha memória é prodigiosa - só para guardar bobagens. Deve ser por isso que eu só tirava dez na escola.
crafty kid

Omo Mutil-ação. Stepford wife de mim mesma. Self-diarista. Intelectual auto-limpante.
she's a maniac, maniac on the floor
I can do it.
Opero a máquina de lavar.
I can do it.
Varro. Debaixo dos móveis também.
I can do it.
Esfrego o chão.
I can do it.
Bolo mármore.
Brevidades!
Empadinhas.
I can do it.
Passo perfex com veja.
Limpo os vidros.
I can do it!
E eu fico de fora me olhando: pitoresco! Wow!
Colo as receitas da internet no caderno de receitas da vovó.
Compro louça nova no Magazine Luiza.
I can do it com o pé nas costas.

19.2.05

Sectária eletrônica

E me deparei com um dos grandes dilemas da vida moderna.
O dilema não era tentar parecer cool, mas soar minimamente não-ridícula. Acredite, tem secretárias que me causam arrepios de constrangimento.
O problema era que eu só conseguia recitar o estereótipo. Se conseguia falar, só conseguia gravar a primeira frase.
oi, você ligou para a simone...
merda.
oi!! ... ...
bleah.
você ligou para a su...
...não estou no mom...
Quando já estava com nojo de gravar recados na máquina, tive uma idéia. Recorrer à música. A letra (toda) da Spoonboy, do álbum dubnobasswithmyheadman do Underworld é talk to me; talk to my machine. E a Hand to phone do Adult (i talk to you in monotone).
Então misturei partes iguais do artificialismo e das músicas e fui feliz pra sempre.
Ah, como eu escrevi... mas vou postando aos pouquinhos pra não dar indigestão. Aí embaixo já tem coisa nova.
lovefool

Bem - estou de volta. Chega de ficar usando metade do horário de almoço para checar e-mail.
Mas esperem - não pode ser! Estou de volta com IG! Isso é um horror!
Agora diz a Telemar que terei meu velox na terça-feira. É como querer mudar um cafajeste.
Como posso viver bem num país onde a paquera é simplesmente baseada na intimidação?
Pois os olhares com a famosa cara de porteiro, o sorriso desgrenhado e os olhinhos apertados, que não são só os porteiros que fazem, e nem todos os porteiros que fazem; os murmúrios, os barulhos com a boca quando a gente se aproxima (os que simulam uma sugada, ou os ritmados); os que cantarolam pagodes; os gritadores de obscenidades e supostos elogios; os agitadores de chaves; os que te seguem na rua; os taxistas que páram o carro quando você está tentando atravessar a rua; os bolinadores de bonde (histórias de minha avó) e de ônibus barra metrô, que sentam do teu lado no ônibus vazio; os convencidos bonitões que usam a pressão de grupo das meninas para ficar com todo o tal grupo das meninas; até os pitboys que puxam o cabelo delas e chegam em grupo, sim, eles só fazem cumprir a tradição, o samba de uma nota só, onde outras notas até entram, mas a base é uma só.
(E existem, até mesmo, aqueles que compõem uma música internacionalmente famosa para uma menina que passa todo dia de biquíni pelo lugar sem dar a mínima para ele e seu grupo de bêbados.)
(Dona Florinda ecoa: BÊBADO!)

Algumas moças acham que há alguma coisa de extremamente errado com elas se passam na frente de uma construção, com um short de lycra especialmente escolhido, e não acontece nada. Outras entendem que o problema é com elas: será que se eu mudar de roupa, colocar algo mais "apropriado"... eles vão me deixar em paz?
Acredite, nem colocando burka você consegue vedar o poder da mulher. Ele não está na roupa que você usa, nem no que te dizem por causa dela. Quanto mais cobertas mais misteriosas; quanto menos cobertas, mais usáveis e descartáveis. Sempre há uma desculpa.
Duvido que alguém realmente acredite que gritar "gostosa" na cara de uma mulher na rua é elogio. Certo - algum homem pode até achar que, "se a mulher não me viu, é porque está distraída - imagina se ela ia passar incólume por um espécime de macho feito eu...!" E fazer a coisa pra chamar a atenção dela. Mas o caso não é esse. É assim: ele sabe que provavelmente está sendo ignorado, mas como o homem tem que mandar, ele se arroga o direito de chamar as stuck-up bitches à ordem, até porque a culpa é delas, por provocarem desejo nele e não satisfazê-lo. Além disso, por pior que seja a mulher, fisicamente ou no allure, o cara também tem que - precisa - provar que é macho. Especialmente se tem outros por perto, pra depois trocarem ridículos olhares de cumplicidade.
Ou seja, é vingança e reestabelecimento de papéis. Se a mulher pudesse ser mesmo uma igual... bem, o que você faz quando quer obter alguma coisa de um igual? Pede por favor, certo? Com educação? Pois é. E não, não estou me referindo a "quer, por favor, me passar a sua boceta?".
Se um homem quisesse elogiar, digamos, a gravata do outro (supondo, é claro, que se tratasse de uma criatura não machista nesse aspecto), aproximaria-se com todo o cuidado, mas todo o cuidado mesmo, e perguntaria, sei lá, onde ele arranjou aquela gravata original, com uma expressão bem humilde, pra não passar por zoação. Ele jamais soltaria um "Bonita gravata, Fernandinho", a não ser que quisesse correr o risco de apanhar.
Não é que eu queira acabar com a paquera. Queria que virasse uma paquera melhor, caramba (leia abaixo...).
Aos homens, gostaria de dizer que as mulheres caem porque querem. Elas ficam apesar disso, não por causa disso. Não porque fiquem intimidadas (as que ficam, fogem correndo ou todas duras, tensas). Não por habilidade sua. As que realmente acreditam na validade da paquera intimidatória estão entrando lentamente em extinção. Outras vêem um certo encanto nesse comportamento. Tão bobos! Tão simples - como cachorros! E desfrutam da facilidade. Outras têm peninha; se submetem à mediocridade da corte para pegar carinhas fofos, e só. Sei também de mulheres que fazem um tipo difícil, mas medem seu valor pelo tamanho do ridículo em que os homens caem nesse tipo de comportamento, ou pela freqüência com que ele ocorre, mesmo fingindo odiar.
Já passei por quase todas essas fases, e hoje me sinto constrangida por toda a humanidade cada vez que isso acontece. Puta que o pariu. Não quero me medir e muito menos ficar com um cachorro no cio, uma coisa patética e nojenta, um brinquedinho manipulável. Booooring. Os homens são lineares, claro, eu sei. Don't mean charming princes, but charming challenges. Mas foda-se. Já achei o chanel do fim-de-feira; quanto às outras... surviving.
Estive em outros lugares e descobri que os rituais são diferentes. E não vou falar só dos melhores. Os EUA por exemplo.
Estive lá com 13 anos, e na Disney, mas isso não importa, na verdade. Lá a paquera é uma fuga de Deus, uma pulada de cerca pra pecar. Você tem que pular num pé só e fazer figa enquanto paquera, e depois se confessar direitinho. Pelo menos a impressão que eu tive foi essa.
Um dia estava esperando pessoas na porta de uma lanchonete medieval dentro de um parque temático. Eu usava um short de florzinhas e uma blusa verde-limão. De repente,
- Hey.
um jovem desenhista meio ruivo ainda com algumas espinhas (enquanto eu, "já" com algumas espinhas), desses contratados para ficar desenhando as pessoas do parque.Ele pergunta: how old are you. E eu, atravessando o fonema com um sotaque latino: "sirteen."
Pergunta se pode fazer um retrato de mim, quase sussurrando. Respondo que já tenho um retrato.
Ele olha de um lado e de outro. Tio Walt não está à vista.
- You are very beautiful.- "Sanks."
Não é a toa que Lolita se passa na América, não senhores.

Em Londres, a paquera tem um toque gentleman que acho perfeito. Acho que já contei essa história mais abaixo - estou virando uma velha. Um lixeiro-gentleman se aproximou e disse que me via passar todo dia e estava apaixonado. Me deixou lisonjeada. Foi um gesto lindo. Me fez olhar pra ele e avaliar a possibilidade - por um segundo. Não, não fiquei com ele. Mas sorri o máximo que pude na minha recusa.
E o italiano que era o próprio Angel da Buffy com olhos claros e dançou o tema de Grease comigo na boate da Leicester Square. Ele conseguiu não ser rude, e isso sem falar uma palavra de inglês, nem eu de italiano.
Em compensação, o todo da paquera e do sexo em Londres é meio esquizofrênico. Há aparentes patetas que são Jacks-estripadores em potencial (outra história, terrível, que está aí embaixo em algum lugar).

Aqui:
Estou num ônibus pela cidade, olhando pela janela. Tenho, de repente, a sensação nítida de uma energia muito ruim focada na minha direção (sei que isso parece espírita ou coisa assim, mas de fato a Senhora Sensível aqui tem essa sensibilidade). Encontro um homem gordo e nojento no banco oposto me olhando as pernas, e quando eu viro, ele me olha nos olhos. Sustento o olhar, mas ele não desvia. Pergunto alto:
- O que você está olhando?
Ele esperava tudo, menos aquilo. Surpreso, no início só consegue responder:
- EU?
- Sim. Você. Perdeu alguma coisa aqui?
Todos no ônibus olham para ele. Intimidação se paga com intimidação.
- EU? Olhando para VOCÊ? Há! Eu estava mas é olhando pro meu amigo, ali do outro lado da rua, na vila.
(Acontece que a tal vila já passou faz tempo, e olha que estamos num engarrafamento. Ele devia era ter começado a encarar depois disso).
- Não. Você estava olhando para a MINHA PERNA.
- Ih, se acha a gostosa, ela! Imagina se EU ia olhar pruma perna BRANCA dessas! Vai pegar um sol, garota. Êêêê...
Renuncio a perguntar como é que ele sabe que minha perna é branquela se não estava olhando. Todos, pelo menos os minimamente inteligentes, já o olham com uma ligeira sobrancelha erguida. Ele não percebe e continua sua ladainha. Volto a olhar a paisagem.

Bah, melhor que paquera é flerte. Quem sabe, sabe. E é praticamente igual em todo o mundo.
Sanduíche de Fêmea

Livros empilhados ao acaso na prateleira em cima do meu computador após a mudança.

Porra
Niétotchka Niezvánova
Lolita
A Dama das Camélias
O chão que ela pisa
O encontro marcado

10.2.05

Mui apreciaria estar a postar com regularidade, bem como a visitar uns blogs por aí. Se você sente falta dos meus posts, ou das minhas visitas, ajude-me na minha corrente positiva para fazer a Telemerda levantar a bunda corporativa do lugar e cumprir a promessa de estar instalando minha linha até o dia 14 de fevereiro (promessa substituta, já tendo estourado a primeira de estar instalando o telefone em até 3 dias úteis. Rá.).

4.2.05

Estou na casa nova. E sem velox por enquanto. Sendo obrigada a fugir do carnaval, minha única saída será alternar entre a escreveção do livro e a piscina do play. Oh vida.
Amanhã vão instalar o telefone, que continua o mesmo. Acho que este ano se justifica uma festa de aniversário, não?