30.4.05

The O Word

Macbetto.
- Espero que não seja ruim como algumas vezes.
- Mas será que eu vou saber se foi ruim?
- Claro! Você tem ouvido.
- Tenho?
Tinha, o suficiente pra saber que o Macbeth era meio magrinho para o papel (e arregalava os olhos em todas as cenas como se fosse plof, explodir), e a búlgara que fazia a Lady Macbeth era boa, muito boa, cheia de estofo, apesar de ter gritado um pouco no que li que se chamava cabaletta.
A música de Verdi é linda. Gostei de todos os coros. Gostei das bruxas, do balé, e dos demônios paramentados que andavam sobre os pés e as mãos. Gostei dos figurinos.
Crianças assustadoras não são prerrogativa de filmes japoneses.

Me apontaram a Bárbara Heliodora, a Natália Thimberg e a Ana Botafogo. Assustei com a quantidade de velhos: fui procurar a minha companhia - roupa preta e cabelos brancos - e era como procurar uma branquela de cabelos pretos num show do Evanescence. Mas encontrei. Depois, quase na hora do espetáculo, chegou um bocado de jovens; uns envolvidos com música clássica (bailarinos, cantores, instrumentistas), outros "sofisticados" (óculos quadradinhos, cabelos esquisitos).

Os aposentados pagam meia só nas galerias (dois grandes lances de escada), mas os estudantes podem escolher o lugar pagando meia. Ok, dizem que as galerias são os melhores lugares, mas a platéia também não é nada mau - podiam poupar os velhinhos da escalada. O intervalo eles passam quase todo descendo e subindo de volta.

28.4.05

Pobre menina, Leno e Lílian, fala exatamente da mesma coisa que a Geni e o zepelim, só que jovemguardizando a coisa.

Pobre menina
Não tem ninguém
Tão pobrezinha, ela mora em um barracão
e todo mundo quer magoar seu coração
a mim não interessam quem sejam seus pais
porque, pobre menina, eu te amo demais

e

Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
(...)
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir
que deus lá me perdoe

Eu sinto que acabei de fazer, não, eu cometi um troço antinatural. Eu fui contra a natureza. Tive que pegar o meu jeito de escrever, pervertê-lo, deformá-lo, colocar seus pés em sapatos de ferro tamanho 32 para que ele fosse fala-de-santo. E não minha. Sei lá porque fui me prometer de escrever o que tenho que escrever, em vez de escrever o que dava. Enfiei na cabeça que tinha uma missão e agora.estou.escrevendo.desta.maneira diário-de-Anne-Frank-em-tradução-portuguesa (quando eu comecei meu segundo ou terceiro diário, eu escrevia copiando o estilo da tradução portuguesa de Anne Frank - não me perguntem porquê).
Tenho que me controlar pra não abusar de mesóclises. Para não dizer "tenho de" em vez de "tenho que". E para não dizer "para", mas "pra".
Oh.
Se não se muda a experiência, deixa-se de ser experimental. (Deixa-se de ser, argh.)
Sinto-me com o toque de Midas... (Me sinto! Me sinto!)

Eu escrevia desse jeito, fluidamente, aos 11 anos de idade (com 11 anos eu calçava 35). Não estou brincando. Com 11 anos eu poderia ter sido um best-seller, se tivesse escrito as cenas que um Dan Brown me psicografasse - meu problema sempre foi colar o enredo. Eu tinha ótimas idéias... isoladas. Então, meu estilo foi-se deteriorando de vez ("tá crescendo e tá ficando boba", ditava vovó). Era um verdadeiro Mal de Alzheimer do estilo. Encontrar algo para ler se tornava cada vez mais difícil, pra escrever nem se fala. Só comecei a retomar o fio da meada com Fernando Sabino e Clarice Lispector.
Quando as coisas pararam de ter que fazer sentido, ficou fácil escrever. Aí - how cute - escrevi.
Ah, mas sobre o quê "importa" escrever? Aonde você vai com isso, mocinha?
É, mocinha.
É por isso que me embolo. Meus livros serão sempre tentativas de me desembaraçar deles mesmos. Já pensou?
Claro que esse não será um best-seller, a não ser que a Igreja Católica implique oficialmente com as referências a santos, ou as pessoas se empolguem com as perversões sugeridas ("sexo! sexo! sexo!", bradou o garoto ao descobrir o nome do critério de separação dos banheiros da escola), ou ainda se resolverem me acusar de anti-carioca e difamadora branca-azeda - ei, olha só, não é que tá voltando?

27.4.05

O jornal improvisado da Globo

Quem recebe o sinal da Globo via satélite não vê mais o SP TV como antes, mas um tal de Brasil TV, que parece ser uma simples coletânea das matérias de todos os telejornais locais da Globo.
Até aí tudo bem. O problema é que o Brasil TV é completamente improvisado, e caramba, na Globo! Até aquele do SBT em que as mulheres ficam com as pernas de fora é um pouco melhor. Pelo menos não mostra o chão azul do estúdio sujo (outro dia deram uma limpada, mas já está acumulando poeirinha de novo) e nem os efeitos da escalada - aquele resumo das notícias no início dos telejornais - parecem feitos em 1992.
Em vez de croma key, tem uma espécie de tela retangular atrás do apresentador (que varia, deve ser o encalhado da semana) estampada com o logotipo do telejornal. Hoje o teleprompter apareceu refletido nela.

22.4.05

Serendipity é o "dom de fazer descobertas felizes por acaso". Veja bem, eu não sabia bem o que era serendipity até começar este post. Sempre tinha ouvido falar que serendipity era "coincidência", mas que coincidência era uma palavra inexata; vendo que coincidência era uma palavra inexata para o que eu queria dizer, e "sorte" também, fui procurar o significado de serendipity e acabei aqui fazendo este parágrafo.
(O que estava me impedindo de postar era justamente a falta da palavra para dar forma ao que eu queria dizer. Muitas vezes isso exige que eu crie palavras, ou tome emprestado as de outras línguas, ou use palavras emboloradas que as pessoas espirram e se coçam todas quando ouvem - irmãs de "vergastar", vide abaixo a crítica de Duas iguais.)
Domingo eu tinha prometido almoçar com a minha mãe. Fui parar, de alguma maneira, num restaurante de frutos do mar em Niterói, com duas turistas suecas, um cara de calção de lycra cerúleo, um bêbado inconveniente, um adolescente dentro da concha devido às suecas e ela, minha mãe. Turned out que, além de ser arrolada como cicerone das suecas, descobri que o dito é dando que se recebe, engrolado justamente pelo Bêbado Inconveniente, imagine só, era de São Francisco, que inspirou parcialmente meu personagem do livro chamado Francisco (duh), cuja profissão é... consultor político. (Mais sobre isso no post do dia 26 de fevereiro).
Levanto o cartazinho oposto: EU AINDA NÃO SABIA! Estava achando que tinha inventado uma conexão maluca, que absurdo, transformar um santo em consultor político.
Mais tarde (quarta-feira) abro a edição da Nova Fronteira de As Flores do Mal, Baudelaire (dislexia maldita, confundo Baudelaire e Baudrillard) pra ver se é bom. E é! É bom! Cacete, muito bom! E meu livro usa as mesmas tintas - como um azul-cobalto na mão do Monet e um azul-cobalto na mão do pintor do Largo da Carioca. Romântico? indago eu. Não. Também, mas... grotesque.
Vísceras. Depois de me fartar, toda empastelada e tonta, viro o livro de costas e dou de cara com este-livro-mistura-grotesco-e-romântico...
Eu diria que você sabe que está acertando pelo número e grau de serendipity que começa a te acometer. E isso não só na literatura, mas vá lá, pelo menos na literatura.
Hey bulldog

if you're lonely you can talk to me.
A felicidade eterna é uma tarefa

Antigamente eu tinha vergonha de estar triste em épocas alegres pra todo mundo. Para mim, esta situação era a própria expressão do desajuste. Não é que eu tenha orgulho não, mas estar triste, emburrado, meio de mal com a vida, acontece, e quer dizer que a pessoa é normal. Percebi isso quando comecei a observar minha mãe mais de perto na tentativa de apreender como é que ela conseguia estar (ou se mostrar) sempre feliz. Afinal, foi ela quem despertou em mim essa cobrança, monitorando o ângulo dos meus lábios (convexo, mesmo que minimamente = ruim). E, pasme, descobri que esta felicidade eterna é na verdade uma tarefa hercúlea, asfixiante; que quando confrontada com uma situação em que deveria ficar triste ou aborrecida (ou até quando não acontece, mas é hora), a pessoa não sabe lidar com aquilo e começa a surtar, literalmente; e que a ansiedade provocada por este ostracismo da tristeza só é controlável por remédios tarja preta.
Prefiro saber ficar triste. Prefiro não chamar de depressão. Prefiro a ressaca moral à química.

17.4.05

Arquivos do processo

At first I was afraid
I was petrified...


A primeira vez em que "terminei" uma versão preliminar do A feia noite foi em 21 de junho de 2002. Está lá, a data do arquivo do Word. Eu tinha 19 anos.
Daquela vez, eu tinha me perdido porque me preocupei com excessivas descrições e explicações que estragavam a história.
Agosto de 2002. Eu decidi que precisava incrementar a "cena do hotel" - apart-hotel para qual Francisco iria depois de ter se separado, e onde encontraria Maria Luiza, hóspede evidentemente desejada por todos os homens recém-separados. E isso serviria para colocar Francisco contra a parede: e aí, tá comendo ou não? Ele fugiria para um apartamento emprestado - com ela - e então começaria de verdade a história.
Too dead for me.
Setembro de 2003 (20 anos). Havia uma personagem, Flora, irmã de Amanda, que funcionaria como dedo-duro de Francisco, acusando-o de maltratar a irmãzinha. Era até legal: ela era atriz de teatro, e isso era usado na história, tragédia grega et cetera. Mas Flora caiu fora, infelizmente. Outra coisa notável era que eles falavam demais sobre besteiras - o que, se no No Shopping era fundamental, adolescentes sem ter o que fazer falando besteiras, neste era ruim, sem perdão. Já estavam presentes, no entanto, vários trechos que, modificados, passaram a integrar o livro final - o de hoje. Acho que foi mais ou menos nesta época em que tive o estalo de Francisco passar a ser o filtro (a "primeira pessoa") da história, e não Maria Luiza.
Get your ass back to work.
Em 2004 (21 anos), eu tive a certeza de que este livro seria terminado. Percebi que era possível mostrar os grilos de Francisco a partir do próprio comportamento dele, já todo marcado por pequenas concessões e grandes sacrifícios, todos das coisas "erradas". Toda a cena do hotel já tinha desaparecido em fevereiro de 2004.
Em outubro de 2004, nova crise. Meu livro tinha virado uma pocilga repleta de personagens Fellinianos. Tinha me empolgado com as referências a Alice e exagerado. Pode parecer muito bom, mas não, não é.
Fui cortando personagens e reduzi ao livro ao que é: um encontro entre duas pessoas. As outras são incidentes, não regra.
Bem, agora ele está terminado. Falta só eu me desprender dele, parar de cutucar a ferida.
Tudo porque quero escrever o que tenho que escrever.

15.4.05

He just wanted us to call him "Captain Da".
He said "you can call me 'da' Da", whatever that meant.

13.4.05

Ta da

Ainda faltam alguns ajustes, mas a idéia é essa.
Mamma, son tanto felice (ainda sobre a minha vergonha)

Lembrei agora do Ruffato me dizendo pra não me render à mídia, e já na hora desconfiei de quem ele estava implicitamente falando, mas não disse nada. Nisso minha mãe se aproximou e:
- Isso mesmo, não se render à mídia... Depois, entrar para a Academia Brasileira de Letras e...
Eu e Ruffato nos contraímos as caras em uníssono. Ah, sim, sob o mesmo teto do homem que adora pôr letras expulsas do alfabeto nos títulos. Mas só eu sabia da obsessão de ambos os meus pais em me enterrar num Emprego Público, portanto o nãão indignado foi só de mim que saiu. Como se eu fosse incompetente a ponto de querer entrar num lugar de onde, teoricamente, não posso ser despedida. ("Você comeria numa lanchonete onde os funcionários não pudessem ser despedidos?").
Eu sei que no ramo privado eles costumam puxar periodicamente a descarga, mandando embora igualmente o cara bom e o relapso. Mas o cara bom, se for bom mesmo, arranja emprego de novo mais rápido. É aí que reside minha confiança (e minha vontade de aprender o máximo que puder, virando a fantástica one-woman-publishing-house: seleciona originais, escreve, traduz, revisa, faz capa e diagrama).
Duas iguais (Cíntia Moscovich) é bom. Respeitei o elogio de Luiz Ruffato na quarta capa, mas não gostei da frase final - Ao final, cobre toda a paisagem a melancolia, ferrugem do tempo. - não depois que li o livro. Me despistou, pô. Achei que fossem se desgostando, e se afastando irremediavelmente e aos poucos... e não é nada disso. Aí, lá dentro, Moacir Scliar. Pessoalmente não gosto de elogios demais impressos no livro. Desconfio, como no carteado. Gosto de um resumo bem-escrito ou um trecho. Outra coisa que me dá urticária são aquelas faixas: O LIVRO QUE INSPIROU A MINISSÉRIE TAL. Eu sei, é necessário, mas dá uma gana de reduzir o troço a pó, num frenesi. Como, aliás, qualquer tipo de coisa cobrindo a capa de um livro. A capa falsa de Estorvo é um estorvo. Imagino se é intencional. Joguei fora, possessa, todas as capas falsas da coleção de livros dO Globo, especialmente pela feiúra das fotos; me guio pela lombada.
Não tem uma palavra fora do lugar em Duas iguais, embora às vezes fique Clarice Lispector demais pro meu gosto. A propósito, o que estraga a Clarice Lispector (mesmo caso do Fernando Pessoa) é o fato de ter 24641 pessoas na comunidade dela no Orkut. Milhares de pessoas apaixonadas por ela, baseando a busca da alma gêmea no critério "gostar de Clarice", e citando frases, e recorrendo aos livros como a Minutos de Sabedoria (prefiro quem consulta Minutos de Sabedoria mesmo), declarando em festas e coquetéis Ah, eu adoro a Clarice!. Acho que é por isso que estragaram a programação visual dos livros dela. Figurinhas desenhadas com lápis de cor. Que fo-fo. Clarice Lispector virou fo-fa. Passa a gilete.
Então, o livro tem imagens lindas. As feitas de letras. Achei a capa meio espalhafatosa. Bonita em alguns aspectos, mas, sei lá. Inventona demais.
Mas... o quê estou fazendo? Eu ia elogiar este livro. Calma, calma, estou chegando lá.
A parte do casamento de uma das iguais é fantástica, principalmente porque não tenta explicar demais. Achei o final muito Hollywood. Achei que devia se ter falado menos de Paris, porque deixa o leitor achando que só se quis mostrar que se conhecia a cidade. Isso fica pros guias de turismo. E devia ter se usado um pouco menos o verbo vergastar, não sei se estou sendo muito menina-de-20-e-poucos, mas ele chamava a minha atenção toda vez que aparecia. Ei, vergastar de novo! Mas o resto todo, a morte do pai, os desesperos, os romantismos, as doencinhas-cefaléias, até o vocabulário um pouco mais rebuscado, cabem direitinho em si próprios. E o todo da história ressoa na cabeça. Ribomba. É daqueles livros que os defeitos só enriquecem.
Além disso, com a leitura descobri palavra nova. Acompanhem:
Tem desafetos que até dão gosto: você o imagina em seu QG com um robe vermelho de seda e uma longa cigarrilha. Agora, tem um gênero que caramba. Como uma garota que tentou cuspir na minha cara na terceira série e tudo o que conseguiu foi sujar um pouco da própria e o chão do pátio, não sei se por falta de força ou de coragem, a tansa. "Tansa" é perfeito pra definir gente assim. Posso ter sido muita coisa ruim (naïve, ingênua, escrota, boba-alegre) mas nunca tansa. Vade retro.
Dedos Leves

Para passar corretivo na olheira, para moldar vasos e vidros, para montar relógios e circuitos integrados, pingar gotas de baunilha e novalgina, tocar piano direito e escrever em teclado de computador leveza é fundamental. Leveza nos dedos. Jeito também, mas leveza.
Porque para assuntos pesados, sou toda a leveza de luvas de lã jogando com bolhas de sabão. Para peso, leveza, e não mais peso.
* * *
Confesso: roubo do trabalho. Eu, que nunca furtei sequer um bombom nas Lojas Americanas, práxis de toda criança dos anos 80. Nomes e sobrenomes interessantes também, mas sobretudo verbos, advérbios e adjetivos - suscitados não por aparecerem diretamente no texto, mas logo acima da palavra consultada no dicionário, num erro de grafia que sou incumbida de corrigir, ou por associação de idéias. Pois quando é assim, não consigo me segurar: furto a palavra. Jogo um post-it dentro da bolsa. Disfarça; ninguém viu.

12.4.05

Sêcas

Êsse papo de paranóia, aliás, me lembrou o TOC da dona da Baleia no Vidas Sêcas. Todo mundo já leu isso na escola, faça um esforço: ela ficava cuspindo por cima da cêrca, achando, sei lá, que tudo daria certo se ela conseguisse passar de determinado ponto (dá pra ver que minha memória não registra nada - tabula rasa do cacête). Ela acaba ficando com a boca sêca e, claro, sem água pra molhar a garganta. Eu fiquei surprêsa em encontrar a minha anormalidade num livro. Não foi a primeira nem a última vez.
Regredi uma ou duas reformas ortográficas por um motivo, não sei se um bom motivo, mas um motivo. Vidas Sêcas não parece muito mais sêco do que Vidas Secas? Não sei se é pela ingenuidade do acento circunflexo se assemelhar a um guarda-chuva, portanto, mais sêco; fato é que sêco parece mais sêco, e portanto, sêco pra mim agora tem acento circunflexo. As outras palavras foram só de curtição. Não tem gente que escreve axxim? Pelo menos eu tenho histórico e motivo.
ai que burro, dá zero pra ele

Faz muito tempo, eu tinha o quê? 14 ou 16 anos - lembro que era par, façam as contas vocês que sabem aritmética discreta - lançaram I think I'm paranoid, do Garbage, na MTV e nas rádios. Eu traduzi o pouco que eu entendia da letra mentalmente: acho que sou paranóica. Eu achava mesmo, e era. Pouco tempo depois li a seguinte, hum, notícia no RioFanzine: que no lançamento do cedê numa boate, as meninas tomaram o centro da pista gritando em português acho que estou paranóica. E aquilo me soou estranhíssimo. Pra mim só se podia ser paranóico.
Ser ou estar, eis a questão. Questão que ocupou meu cérebro por um bom tempo. Novos dados vieram esclarecer o assunto: que certas drogas deixam a pessoa paranóica, durante ou depois, e no caso da boate citada era bem possível que as pessoas estivessem paranóicas. Mas no meu caso eu era paranóica, e se me alienasse demais dali a pouco estava evitando pisar as linhas da calçada, ou andando só no preto, ou achando que estava pressentindo a minha própria morte ou coisas assim; ou seja, estaria sendo paranóica por demais.
Quer dizer, eu gostava, até aquele momento, da distinção ibérica de ser/estar para to be. E, se não passei a desgostar, percebi como ela era profunda. Eu podia continuar sendo paranóica, desde que não estivesse sempre paranóica...
Papo de paranóico.

9.4.05

Lustro

Está chegando a hora. As únicas alterações em que tenho pensado pro livro são do tipo "esmerilhando os dedos com um alicate" para "esmerilhando os dedos num alicate".
Pensamento do dia (relatado aos dois posts abaixo e a isso e isso)

"Sujeira é como preconceito: por mais que você limpe, sempre fica um pretinho."
HouseCleaning for Dummies

- Depois de arrumar a casa e desocupar o chão - ou seja, cadeiras para cima, bacias em cima do tanque etc. - é varrer, que existem sujeiras - cabelos, pêlos, flocos de poeira, farelo de biscoito - que o pano não leva. Se você tiver nojo de fio de cabelo perdido, considere comprar um aspirador: você sempre terá que desprender um novelo de cabelo da vassoura, seja comum ou de pêlos, para jogá-lo no lixo. Se você tiver um gato angorá, ou cabelos compridos, ou carpete, use a vassoura e o aspirador.
- Uma pessoa que nunca precisou realmente limpar uma casa pode lhe aconselhar a usar um rodo embrulhado com um pano molhado. Não acredite. Se você fizer isso o chão vai continuar grudento. Dilua Veja na água, molhe um pano e agache, usando os braços, ou fique de pé usando os pés em vaivém. Dependendo do tipo de sujeira daquele chão, pode ser melhor agachar ou usar os pés. Como discernir? Use the Force.
- Nas áreas pequenas e inacessíveis, você provavelmente vai ter que se agachar.
- Jungle é a melhor música para limpar a casa. Acompanhe a batida no vaivém dos braços ou dos pés. Comece com Musical Section, do Soul Slinger.
- Termine pela limpeza do banheiro e do box. No banheiro todo, principalmente, você terá que usar aqueles desinfetantes todos: Pinho Sol, água sanitária, Vim. Ah, e aquela escova que fica atrás do vaso sanitário dos Sims provavelmente existe atrás do seu também. Se não existir, compre uma.
- Termine tomando um banho. Você estará sujo, grudento e suado. Se não estiver, é porque não limpou direito.
O email do Submarino anuncia liberdade para as mulheres na forma de um telefone sem fio:
"Não é chato falar a telefones que, além de obrigar que fique parada no lugar, fazem com que você interrompa a conversa, para que os outros não ouçam?"
Ah. Nada como a verdadeira liberdade. Os outros podem até nos castrar, mas o telefone sem fio nos liberta!
E mais:
"Assim você aproveita a capacidade que as mulheres têm: conversar fazendo outras coisas ao mesmo tempo."
Nada mais despido de preconceitos que um departamento de marketing.
Quer dizer: é verdade que há algumas coisas que mulheres fazem mais que os homens e os homens mais que as mulheres; mas é chato estipular o quê, exatamente. Separar numa lista de duas colunas, rosa e azul, yin e yang... Porque vão existir mulheres que fazem coisas ditas de homem, e homens que fazem coisas ditas de mulheres, e aí vai sempre ter um simplista pra dizer que aquele(a) não é um(a) homem(mulher) de verdade.
How many y'all guys say want freestyle?
There will be no blows not freestyle.
This style is not free, the style is expensive - alright!
Hold tight youth.

Um casal entrou junto no elevador. Ambos de óculos, saídos da caixinha de correio com uma Carta Capital - assinatura - na mão. Não sei porquê, desataram a tentar mostrar como eram um casal bacana - em seis andares.
- Vamo alugar um filme?
- Alugar um filme?
- Harry e Sally.
- Você quer ver?
- Vi uns pedaços...
- E currrtiu?
- Ah, currrti...
O currrtiu os denunciou: paulistas.
Olha - se eu puder opinar -, prefiro o constrangimento do silêncio.

8.4.05

you don't love me, then hate me

Reparei, engraçado, que voltei a ignorar os caras-que-mexem-comigo-na-rua como no início. Depois de passar pelas fases cara de nojo/amarrada, gestos obscenos, respostas à altura e socos na cara, estou de volta à indiferença.
No início não era bem indiferença, eu ficava intimidada - eu tenho 12 anos, porra! - dava vontade de falar. Hoje estou enfastiada e, admito, não consegui pensar numa solução melhor.
O que melhor funcionava eram os soquinhos. Tudo começou num dia extremamente quente e um gordo mórbido que sussurrou numa voz pretensamente sensual "que calor, meu amor". A untuosidade daquela cantada, que ainda por cima, rimava, pôs uma mola no meu braço: tasquei-lhe um pequeno soco na bochechona. Precisamente, um jab de direita.
Pacifismo é legal, mas tem situações que ele não resolve. Aliás, tenho a impressão que geralmente a "paz" é implantada onde devia haver guerra e a "guerra" acontece onde devia ter paz, mas isso é outra história. Passei a usar da violência como resposta à violência de casos extremos, como os de caras que falavam obscenidades pesadas depois de cruzarem a calçada para passarem bem perto do seu ouvido. Teve um cara que apanhou não só de mim como de outros dois - baixinhos, normais, encostados num muro - que também ouviram o que ele disse. Credo, essa cidade anda muito violenta.
Se a cidade anda violenta, o negócio é ser pior. Nunca fui assaltada. Quer dizer, quase fui, mas botei pra correr; eram dois pivetes. Foi como bater no amigo do teu irmão menor que tenta te ver pelada.
Querem saber por que eu parei com os tão eficientes soquinhos? Bem, a gota d'água foi um um soco que dei num cara que começou a falar mil putarias desde que me viu vindo no sentido contrário. Soquei; ele parou e sorriu, como se estivesse esperando mais alguma coisa. Achei que talvez o soco tivesse sido fraco e caprichei mais num segundo, mas ele sorriu mais ainda, a cara vermelha. E descobri que estava sem opção: ia fazer o quê, dar mais outro soco nele? Fui embora puta da vida, pensando: porra, que nojo, não era pra você gostar.
E isso já tinha acontecido antes, mas eu não tinha acreditado. Um tinha acariciado o rosto recém-socado com uma expressão enlevada; outro me olhou como se dissesse como é que você sabia? Foi o último, o do sorriso, que me confirmou que sim, senhores: existem masoquistas andando em nossas ruas. Deveras. Eles querem atenção. Qualquer tipo de atenção. E eu é que não vou dar.

6.4.05

10

10.1 Eram dez matérias sem nota; agora só faltam duas, fora a que eu já perdi a esperança, a décima-primeira. Afinal, um dos professores ir fazer pós na França é uma coisa; mas se mudar definitivamente pro Fundão é, além de impraticável, de extremo mau cheiro.

10.2 "Décimo", digo eu todo dia ao entrar no elevador. E o cara sempre repete "Dez?". Achei que fosse por causa do "sétimo" andar, a confusão. Mas outro dia entrou alguém pedindo o "décimo primeiro" e o homem confirmou - "onze" - antes de apertar o botão. Como um ascensorista com anos de profissão ainda não entende ordinais é algo que escapa à minha compreensão.

5.4.05

Ou "redemoinho" - mas estes vêm com saci dentro...
E a de hoje é "whirlwind".
1. Papai do Céu foi legal comigo e me colocou perto de gente legal, inteligente e longânime que vai à ópera e tudo. Por isso Tia Eneida prometeu me levar pra ver tia Macbeth um dia desses.

2. Palocci no Jô: while you make pretty speeches/i'm being cut to shreds...
Brincadeira. Palocci é bom, só veio tarde demais.

3. I know kung fu: chego a sair tonta das aulas de Produção de livro, de tanta coisa nova que entra na cabeça em duas horas.

4.4.05

666 têm coragem?

Foto da Samara antes da gordura, mas já com as pernas num formato muito, muito estranho.
A palavra de hoje é "sycamore".
I get cranky if I don't get my usual ten hours of sleep

Que ciclozina com metadona, que nada. O negócio é Trainspotting com Sandman na veia. Botar pezinho na água fria, banho de imersão pra quando eu for à Inglaterra. Não sei se tô com medo de dormir ou se é falta de sono mesmo, mas ando dormindo no máximo sete horas por noite.

* * *

Ontem vi meus primos. Aniversário atrasado de um deles, fomos comer na Estrela do Sul. Depois fomos ver "algum filme", que acabou sendo O Chamado 2. Escolhido por mim, inconscientemente, por causa da primeira amiguinha que tive na vida, a Samara, que era filha do dono da churrascaria Cruzeiro do Sul. E, adivinhe: Samara era assustadora. Gorducha - parecia um leitão na roupa rosa do balé - e de olhos esbugalhados, Samara vivia me chamando de burra, ou melhor, de bura, pois era uma pequena gaúcha. Nada mais assustador de que uma pequena gaúcha, especialmente se sustentada na base do churrasco. Aqueles hormônios que eles dão às vacas, sei não. Mas eu não tinha reparado na grande coincidência. É incrível o que alguns minutinhos de livre associação pré-sono podem fazer por você.
Piper

_Ela é casada.
_Não casada não. quatro anos
_____________quatro anos namorando o mesmo cara.
Ele e ela se entreolham. As mõzinhas se aproximam. A casada olhou pra barriga, os dedinhos se mexerem acima à esquerda e acima à direita do seu umbigo, como se ela fosse um teclado. De computador. Ela olha pra frente. Depois de novo pra baixo, um pouco esperando alguma coisa. Eles desanimam. Recolhem as mõzinhas.
- Ah, sua chata.
- Ela é bem-resolvida.
Instrumento errado, folks.
(nem estava chapadaça nesse dia. nem nenhum dia.)

2.4.05

- Ah, eu li no Caderno X do Y que a editora 7Letras está lançando uma coleção só de novos autores, a Roniçante...
- O quê?
- A Roniçante.
- Rocinante.
Como uma pessoa dessas ousa tentar me dar conselhos sobre qualquer outro assunto que seja? Francamente.
- Carioca não é solidário. Isso é balela. Carioca não é nada solidário. Por isso que tem tanta campanha "finja que se importa".
- Ah, é solidário sim. Um dia eu furei um pneu no meio da chuva...
- Era paulista.
(pausa)
- Pior que era, você está certa, era paulista mesmo... Um paulista e um mineiro, da outra vez que...
- Sim, mas carioca, nenhum. Carioca não é solidário. Isso é a maior conversa. Senão, eles não furavam sinal, não jogavam lixo na rua, não matavam trabalho sabendo que alguém vai ficar na mão por causa disso. Enfim, pensariam nos outros.

A conversa acabou aí, mas... CQD.
Eu prefiro os países em que as pessoas fingem que não se importam, mas se importam (já viu uma passeata contra a perda de qualquer mínimo direito trabalhista na França?), aos países em que as pessoas fingem que se importam, mas não se importam.
Andei escrevendo e fazendo possíveis capas para o livro (e ainda vou andar bastante...).
Tinha um cara parado no meio da pista, suando, com um cigarro que não colocava na boca. Examinei-o atentamente. Confirmando que não percebia nada à sua volta, tirei o cigarro dele e dei uma baforada; ele não apresentou reação. Pus o cigarro de volta, mas, dedos hirtos, ele caiu no chão.

Dobram uma esquina e ao longe, um assaltante prospectivo, que parece, no entanto, um pouco tímido. Eles se esforçam, passeando distraidamente. Ele se aproxima, esperançoso, fazendo uma cara bastante feia. Engrola algumas instruções miseravelmente falhas de jornal metido por dentro da camisa.
Isso não é No Shopping. É bem mais linear na linguagem, embora, como a Barbie pra fazer maquiagem, vá virar sua cabeça. O pior é que alguns poderão entender o final como um final feliz, mesmo eu dizendo expressamente que não é.

E para quem só lê livros no original... ta da.

Nah, he had never looked for it. Never had a choice, born already divorced from the kind. So many who tried hard, tried so desperately, not knowing the thing was sad as hell. To be an one-man culture. There were hysterical howlings over the neighborhood and Francisco always closed the book startled, tragedies in his thoughts, before some collective appointment about a cup game popped up on his mind. Their agenda. To others always there was some soccer match to happen, some hottie over the news, some ad ou soap ou big celeb?s hoax to be peeled off when conversation?s about to die. When he?d find out about the great commotion over some of these binding shrines, he recalled, ahyes, of having seen it on TV or paper. He had not been involved, though; therefore he was left out of the whole giddy culmination. Not out, but aside. He was the last to know, the one to whom people could yet enjoy the pleasure (or exercise the patience) of telling the story.
Tem em francês também, mais pas très bon.

1.4.05

Só de ouvir falar na história de Sandman eu já sonho com escadas rolantes de Escher, Zeus e o/a Desejo; é de se imaginar porque tenho um certo receio em ler as histórias.