25.4.08

Projeto Equívoco

Tive uma idéia fenomenal esse fim-de-semana. De repente até já existe, não sei. Fazer um blog que pegasse um filme estrangeiro e o imaginasse feito, roteirizado e produzido no Brasil -- para ver a porcaria que não ia ficar.
Imagine Edward, mãos de tesoura, por exemplo. (Ana Paula estava junto comigo e me ajudou com a adaptação, tenho que creditar.) Edward ("Dudu") nasceria na favela e teria uma colher de pedreiro e uma plaina em lugar das mãos. Ele ergueria muros incomparavelmente melhores que os outros pedreiros, mas seria injustiçado ao se envolver com a mulher do patrão, uma loiraça belzebu bronzeada de brinco de argolas do tamanho de pires interpretada por Deborah Secco. Ah, e Edward seria Lázaro Ramos. Depois entrariam uns traficantes querendo incinerá-lo no microondas por algum motivo nunca bem explicado.
E um filme como Audition? Teria cenas sexualmente explícitas: veríamos a menina tirar a blusa (transparente) e a deixar cair ao chão, de pé no meio da tela; já na hora do terror haveria muita bravata e pouco sangue, porque ai, senão fica muito violento... E os flashbacks (estourados) do abuso da menina teriam alguma música de roda tosca ao fundo, como Terezinha de Jesus ou Ciranda Cirandinha. Ah, e a menina viria do subúrbio. Para dar medo, alguns vira-latas latiriam alto, de repente, no fundo do quintal. Ela provavelmente teria um ou uma amante - claro, mais cenas de sexo. E seria interpretada pela Giovana Antoneli ou pela Marjorie Estiano.
Enfim, chega de sadismo por hoje - falo desse exercício nefasto de estragar os filmes, claro. Sadismo ou masoquismo? É, eu fico bem puta com essa situação. Sei de roteiristas brasileiros que tentam colocar coisas bacanas, mas essas coisas nunca vingam, nunca passam pelo produtor ou diretor. Parece que ninguém aceita que o público espera coisas como vingança sangrenta, gente limpa e diversão não-politizada do roteiro. Sejam politizados, até, desde que pelo menos criativos. Senti falta, por exemplo, de um filme-de-avião que explorasse o caos aéreo. Ou de um filme de terror num hospital brasileiro. Por que não? A arte vem de explorar quartos escuros, não de se ficar remoendo um consenso.
O último filme brasileiro de que gostei foi Estômago. Está nos cinemas; quem for ver, verá. Tem prisão e um retirante, e ainda assim não fica levantando bandeira nenhuma.
E, de resto, estou permanentemente trabalhando no roteiro do A feia noite. O problema é encontrar alguém com estômago (ou colhões, mesmo que imaginários) para filmar.

24.4.08

“Mas não é apenas a vida, como fez o Cristo, que o bodisatva sacrifica. O sacrifício da vida? Fraco dom para a alma da compaixão búdica, bom apenas para o apetite de uma tigresa. Para a salvação do gênero humano, ou melhor, de todos os seres sensíveis (...) é a sua própria salvação, nada menos, que [o bodisatva] Kanon vai sacrificar. Sentimento sublime: imaginemos Cristo sacrificando sua divindade. (...) O bodisatva então, a ponto de adquirir a consciência e a felicidade, renuncia a elas deliberadamente, dizem os textos maaianistas. Esse nirvana que lhe cabe, ele o rejeita, não o aceitará antes que todos os seres vivos sejam também libertados, não consentirá em se evadir do sofrimento antes que o sofrimento seja apagado do universo inteiro. Alguém já terá ido mais longe na generosidade?” – (pp.160-161 do livro A morte voluntária no Japão, de Maurice Pinguet)

Quando digo na orelha de A feia noite que Maria Luiza é uma bodisatva profana, é isso que quero dizer. Apenas substitua na penúltima frase “libertados” por “castigados” e “apagado” por “distribuído” que você tem Maria Luiza in a nutshell. A princípio, ela pode parecer a típica garota entediada, fazendo merdinha por falta do que fazer; mas conforme o próprio Francisco descobre, ela é superdotada, mas pratica o auto-sacrifício em nome do ódio pela humanidade. Francisco, por sua vez, é um asceta clássico, que sente culpa por ganhar muito dinheiro e a “expia” com cooper diário e antidepressivos. É um livro oriental sobre um problema ocidental.

A morte voluntária no Japão não é um livro emo, como pode parecer. Ele explica a cultura de suicídio no Japão, o que nos ajuda a entender melhor o tao de filmes como Suicide Club; além disso, elucida até a onda de filmes orientais com espíritos vingativos – O chamado, Dark Water, Ringu, Espíritos, vocês sabem -- que hoje faz escola em Hollywood.

“Sempre se temeu o tatari dos mortos, as represálias daqueles que tinham sido mortos ou que se tinham matado por terem sido caluniados, injustamente tratados. A alma vingadora atormentava seus inimigos, atingia com seus golpes os inocentes, desencadeava calamidades. Devia-se proceder, nestes casos, a ritos de apaziguamento (chinkon) muito elaborados. [Trecho anterior:] Essa superstição contribuiu para moderar os costumes: um inimigo podia ser mais perigoso morto do que vivo! Ele podia perseguir seus perseguidores. (...) Confiava-se no equilíbrio da dissuasão recíproca: não exaspere seu adversário, ele poderia de repente morrer, nada mais o reteria e você veria então que ele não esqueceu nenhuma das suas ofensas.” (pp. 104-106)

Também se explica como a mãe japonesa educa os filhos:

“[A mãe] se empenha no espetáculo de sua paciência, de sua resignação, de sua dor. Em lugar de quebrar, de domar ou de desprezar a cólera da criança, ela procura suportá-la sacrificialmente. Esta é a estratégia educativa que lhe inspira a tradição: estratégia de não-resistência. Sabe-se que virá um momento em que a criança sentirá angústia por atacar o objeto de seu amor e por destruir laços que lhe são indispensáveis. De repente irá recuar diante dessa cólera que sente como perigosa e má, e reagindo, sua raiva se transformará em piedade – e o que sobrar de agressividade se voltará contra ele mesmo: ele se identificará à vítima de sua própria agressão, que ele ama e de quem depende. O masoquismo materno, culturalmente programado, terá atingido seu fim, provocando o surgimento do superego e do sentimento de responsabilidade.” (p. 67)

O pior é que nem tinha lido isso antes de escrever A feia noite. Nem sabia muito sobre bodisatvas. Comecei a ler por prazer e por causa do Conto japonês: Mousmé, que está por terminar.

23.4.08

Queria mostrar meu cabelo novo para uma amiga e mandei a câmera do laptop bater uma foto. Acontece que a câmera continuou fotografando sem que eu soubesse. Continuei com minha vidinha normalmente como se ninguém estivesse observando. O resultado até que foi interessante.













































Eu comendo capeleti (censurei a parte do fio-dental, que, acreditem, vocês não querem ver) e depois cortando as unhas (uma pulou no olho). Um épico.

O podcast Laboratório de Leitura número 10 é com o Galeno Amorim (do blog do Galeno) e comigo! No Firefox eu não consegui abrir direito o programa, então aqui segue o link para o MP3.

18.4.08

Risa Wataya, como eu já havia dito, é uma espécie de duplo meu. É uma escritora japonesa, nascida em 84, que estreou com apenas 17 anos. Como ainda não estou nem perto de saber japonês (ainda estou no “my name is”, ou “watashi no namae wa”), fiquei esperando os livros dela serem traduzidos para alguma língua que eu conhecesse. Descobri que foram traduzidos há pouco tempo para o francês e acabei de encomendá-los. Globalização: adoro.
Quem escreve e já tentou se infiltrar no exterior sabe o quanto é fechado o mercado de língua inglesa. Os portugueses nos ajudam muito (e nós, vice-versa). Mas os alemães são mais abertos, e os franceses podem ser classificados como escancaradíssimos: são doidos por novidades exóticas. Livros de jovens autores estrangeiros saem a rodo, e as pessoas se interessam. No caso de Risa Wataya, ajuda também o fato de ela ser mechalaureada; no Japão os grandes prêmios literários não vão só pros medalhões encanecidos, até num esforço para popularizar a literatura entre os jovens. Hélas...
Install (relevem a capa), a estréia de Wataya, conta a história de uma colegial de dezesseis anos e de um garoto de dez que abrem um site pornô e se fazem passar por adultos para tocar o negócio. Mas dizem que o melhor é o segundo, L’appel du pied (O chamado do pé) -- cujo título original foi traduzido para o inglês como The back you want to kick (As costas que você quer chutar... genial!) -- que, claro, também é ambientado num colégio.
Eu não sabia muito sobre os livros, apenas que tinham personagens dimenores e se passavam em colégios. Engraçado porque nisso eu já tinha praticamente terminado meu Conto japonês: Mousmé, que também se passa numa escola; e agora que descobri os detalhes dos enredos de Wataya, meu Conto do Clóvis (ainda sem título definitivo) já tem um rapaz de uns 20 anos com um servidor pornô dentro do quarto...
Acho que incorri em pré-plágio. De novo. Meses depois de No shopping, José Saramago lançou A caverna. Detalhes aqui.

17.4.08

Não sei se era caô da secretária, mas ela disse que tinha "um monte de gente me procurando" no lançamento de ontem - que nem era meu. Bom, não encontrei ninguém além dos meus convidados diretos, mas suponho que por eu ter chegado 1 hora atrasada, as pessoas devam ter desistido. Foi mal. Ontem tinha aula de dança do ventre, e isso me atrasou. Não calculei que as pessoas iriam para me ver, só quis dar o bizu. É que o livro tá supimpa, não? A diagramação está linda. Ontem mesmo reli boa parte das crônicas, sublinhei, marquei página, descobri que o trecho citado no post anterior entrou, sim, no Samba falado... mesmo assim eu mantenho minha opinião sobre o samba, sou uma sujeitinha dexxpreçível e doente do pé: aqui, fotinho do momento ignora a batucada. Apesar disso cumprimentei a flautista, supercompetente. Viu, tô aprendendo a ser gente... sort of.
De qualquer forma, no lançamento do Amostragem complexa vou estar lá (tenho que, né). Ano que vem. Prometo não morder. Desde que não toquem samba.

P.S.: Quem não comprou Samba falado ontem, pode comprar aqui.

14.4.08

Gente, nesta quarta, na Argumento do Leblon, às 20h, tem lançamento do livro Samba falado, com crônicas de Vinícius de Moraes. Fiquei como uma das organizadoras, junto com Sérgio Cohn e Miguel Jost. Organizadora... eu era estagiária! A estagiária mais privilegiada do mundo. Passava meus dias na Biblioteca Nacional ou na Casa de Rui Barbosa - a primeira biblioteca de que fui sócia, aos seis ou sete aninhos - coletando textos, tentando decifrar a letra do Vinicius ou adivinhar o final das palavras na folha carcomida pelo tempo com um laptop meio caixa-prego. Deu pra aprender bastante, desde coisas sobre mim até palavras "novas" (na verdade velhas), bebidas na fonte de Vinícius. Mousmé é uma delas.

A palavra mousmé:
"Acabo de descobrir uma palavra ótima: mousmé. É em francês, mas andou sendo adotada por aqui nos anos 50 e 60. Encontrei-a num texto da época, adjetivando uma moça. Pesquisei e descobri que mousmé provém do japonês musume, que quer dizer moça mesmo (mas isso eu já sabia). Tenho vontade de dar esse nome a uma das partes do meu livro novo, a um conto, ou ao livro todo." - 30/07/2007

Sobre a Casa de Rui Barbosa:

"Agora a minha pesquisa se dá num lugar que é um verdadeiro cenário de shoujo anime. Uma suave brisa desfralda folhas e pétalas ao meu redor enquanto caminho, além de balançar as roseiras em flor. Crianças fofas brincam no jardim (e no kindergarten ao lado) produzindo um suave burburinho em uníssono com os pássaros. Pessoas altas, andróginas, bem vestidas e de boa postura circulam silenciosamente pelo chão pintalgado de luz-e-sombra. Uma delas tinha cabelo azul." - 15/09/2007

Sobre o laptop e minhas habilidades profissionais:
"Sou quase impossivelmente boa em fazer trabalhos especializados e isolados, como pesquisar. Anteontem descobri que podia consertar o mau contato no cabo do laptop abrindo o fio e fechando o circuito com a chave do armário da biblioteca e vedando com os dedos de uma das luvas de látex - a esquerda. Agora, me coloque para atender o telefone." - 30/09/2007

Trechinho de Vinicius sobre o bolero (que nem vi se ficou na edição final):
“Será isso uma das muitas formas de escapismo de uma sociedade doente e entediada a essa realidade saudável e dionisíaca que é sempre a marca da boa música popular? Evidentemente. A música com saúde passou a constituir um elemento “Onézimo” no ambiente escuro e enfumaçado das boates pequenas. As estátuas de talco precisam – para serem convenientemente cantadas pelos manequins de cera – de ritmos emolientes, pervertidos e agônicos à meia-luz de pistas de dança mínimas, pois o amor das estátuas e dos manequins não pode se executar senão à vista dos demais. E como é um amor que, em geral, não resolve, que lhe resta senão exibir-se? E para exibir-se, que lhe resta senão estimular a morbidez dos ritmos que propiciam essa exibição?” - 30/09/2007

Garanto que é um bom livro. E você nem precisa gostar de samba, como eu mesma não gosto (pronto, falei). Basta gostar de ler.
Ah, e a companhia perfeita para o Samba falado, caso você goste de samba, é o blog Loronix, com gravações digitalizadas de música brasileira. Muitas das gravações mencionadas nos textos dão as caras por lá.
Ó porque eu prefiro o Rough Guide.

11.4.08

tabula rasa (II)

Minha memória é uma peça. Às vezes lembro de quem não devia nem queria lembrar, às vezes esqueço de quem eu queria lembrar, às vezes, ainda, me protejo esquecendo de alguém de que gostei demais mas penso que não gostou de mim (ontem mesmo aconteceu). Claro, tudo isso é inconsciente. Às vezes minha memória seletiva trabalha para me ajudar, às vezes para me sabotar. Peço compreensão. Tá-bom-mas-não-se-irritem se eu olhar para a vossa cara sem saber o que dizer, e olhem bem para a minha cara, porque ela sempre revela se estou pensando ah, mas quem quer saber o seu nome ou caramba, como pude esquecer o seu nome.

9.4.08

Oi - voltei.
Quem estiver em São Paulo vá ver Falstaff de Verdi. É a melhor ópera que já vi. Ópera-bufa, você ri gostosamente quase o tempo todo.
De volta ao Rio, topei com uma espécie de garoa pesada no caminho para a videolocadora. E todas as alergias que inexplicavelmente me acometeram em São Paulo começaram a passar. Eu usava uma blusa linda que comprei lá e fiquei lembrando da Morvern Callar com seu vestido comprado na Espanha.
Também fiquei passada com a música do Sir Peter Maxwell Davies. Ele é inglês, mas mora na Escócia. Mais especificamente, na ilha de Orkney, um lugar bem singular, com monumentos pré-históricos, sítios arqueológicos e tempestades. E a música dele sugere isso. Tem no Emule, para quem gosta.

6.4.08

Não se acha

Até agora em São Paulo comprei 1 blusa normal, 2 blusas de anime, 1 caleidoscópio, 1 par de botas e 1 livro do Antonio Maria com a desculpa de que coisas como aquelas não se acham no Rio (e é verdade, como eu procurei!). Vamos ver quantas mais encontro até o dia da volta. Enquanto isso, fiquem com a minha coluna no Le Monde Diplomatique, sobre como criar fama sem cama (fazendo vídeos, por exemplo).

1.4.08


Esse é só de ensaio-geral. Mais para a frente, quero fazer outros vídeos, mais divertidos e menos redundantes do que esse.
Aprendi a fazer dicção-perfeita de jornalista na faculdade, mas como acho mais assustadora do que a minha, deixei assim mesmo. Quem reparou que eu quase não falo os SS finais como os outrosh cariocashh: sim, eu falo assim sempre e sim, nasci aqui.