27.4.10

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Escrevi o texto abaixo tentando cavar espaço numa revista (preciso de uns cobres), mas parece que não vai sair. Então resolvi liberar aqui antes que ficasse velho. Enjoy.

A brasilianização da diplomacia
Nosso legado: relaxe, tome uma caipirinha.

A carreira diplomática recende a glamour. Muita gente a cobiça, especialmente aqueles não sabem muito bem o que querem da vida. É uma espécie de jornalismo, só que de luxo. Recepções e jantares, elegância, cosmopolitismo, passagens de avião grátis a perder de vista: quem não quer?

Itamar Franco, depois do fim da sua presidência quase acidental, quis. Fez questão de um posto diplomático - em Portugal, por ser o português o único idioma que dominava (dizem as más línguas). Vinicius de Moraes também entrou para a carreira; disse rindo em seu depoimento ao MIS que aquela lhe parecera "uma carreira para vagabundo", por meio da qual poderia viver "sem fazer coisas cacetes". Também disse, na mesma chave, lutar para não ser promovido, porque nos escalões menores ninguém lhe prestava atenção*.

Pelo visto, ele estava errado. Em 1969, dois anos depois desse depoimento, Vinícius foi expurgado do cargo pela ditadura. Morreu em 80, sem fazer coisas cacetes mas também sem ver seu caso resolvido. O arremate veio em 2010, quando foi reintegrado aos quadros diplomáticos brasileiros com promoção a embaixador, o que acarretou um aumento na pensão de seus herdeiros.

Apesar deste final ser um tanto irônico para um homem que disse não suportar a ideia de chegar ao alto escalão, não há dúvidas de que Vinícius ajudou a espalhar um certo estilo musical que nasceu aqui por todo o globo (notadamente, elevadores) à sua maneira: cantando, brindando e paquerando. Dá a impressão de que funcionou melhor.

A diplomacia brasileira tem um histórico de tentar extirpar a brasilidade de seus modos de agir. É como se dissessem: Não pode isso, essa malandragem toda. Esconde essa ginga, larga essa birita. Aqui nós somos sérios, eficazes.

Tudo isso me vem à mente quando leio notícias recentes sobre nossos esforços diplomáticos. O Itamaraty vem admitindo pessoas de diferentes cores e classes sociais, que tenham formações e falem idiomas diferentes da palheta tradicional. Mas o que me intriga mesmo são declarações como essa:

"Vocês aqui na Europa não deveriam isolar o Irã. Muito pelo contrário. Vocês não podem deixar um louco solto. Tem que ir lá, segurar o homem, pelo menos uma vez a cada quatro meses. É o que eu faço com o Chávez. De vez em quando, vou lá na Venezuela segurar as pontas" disse Lula em março a um dirigente europeu.

Há pouco tempo saiu uma foto do ministro Miguel Jorge presenteando a camisa da seleção brasileira a Ahmadinejad, que, pela cara, adorou o suvenir. Foi aí que comecei a vislumbrar as intenções dessa nova diplomacia à brasileira.

Ele só quer um amigo

"So ronery" ("Tão sozinho"), canta o ditador norte-coreano Kim Jong-il na animação de marionetes Team America, criação da dupla de South Park (Trey Parker e Matt Stone). O poder é mesmo solitário. E o tratamento de gelo (e, falhando isto, fogo) aplicado por países como os EUA como panaceia para os males do mundo parece ser feito para deixar governantes antidemocráticos ainda mais isolados.

Segundo A arte da guerra de Sun Tzu, ao se cercar um exército sempre é preciso deixar uma saída livre, pois um inimigo desesperado é capaz de tudo. Privar "pessoas difíceis" de todo e qualquer poder pode levá-las ao desespero. Isolá-las "até que mudem" pode levar a guerras frias ou ao terrorismo. Isso também vale para escalas menores – a de jovens isolados que saíram metralhando os colegas, por exemplo. Desequilibrados? Sem dúvida. Mas, quem sabe, se tivessem alguém com quem conversar, a tragédia poderia ter sido evitada.

Começo a desconfiar que o plano brasileiro, se é que há um plano, consiste em corromper a integridade fanática de pessoas como Ahmadinejad com amizade, futebol e, quem sabe, mulatas, caipirinha e um pouco de música e sol. Maquiavelismo moreno! Se for isso, meus parabéns. A sedução ocidental nunca foi tão perniciosa. Nosso tanto faz malemolente tem o condão de induzir à procrastinação e à permissividade – sei disso melhor que ninguém. Se tanto faz, porque não viver mais um dia? Por que explodir o mundo hoje? Por que não deixar a revolução para amanhã? Hein, hein?

Todos querem deixar sua marca no mundo e valsar no grande baile de formatura da humanidade. Ninguém quer uma Carrie no seu baile, mas se acaso ela vier, é favor não jogar um balde de sangue de porco em cima dela.

* Do livro Vinicius de Moraes, coleção Encontros, Ed. Azougue. Organizado por Sérgio Cohn e por mim.