30.7.10

The pale handmaid's tale

Notas do primeiro mês de trabalho:

- Fiz um vídeo do caminho a pé - da subida junto ao cemitério na passarela carcomida sobre seis pistas expressas. Ao contrário do que está no vídeo, sempre olho para a frente.
- Uma fruta por dia no bandejão - tangerina, banana, maçã - descascada e comida com dentes, unhas e faca cega.
- A cadeira, e a postura, são importantíssimas. Disso eu já sabia, mas por tantas horas seguidas isso se torna bem mais evidente. Tive que caçar uma cadeira. E nada de cruzar as pernas, baixar a cabeça ou curvar os ombros.
- Ambiente 99,9% feminino. Nesse mundo o estoicismo é diferente. Torna-se imperativo resistir a comer por ansiedade, por exemplo. Ou saber bloquear a estridência com a mente quando se precisa trabalhar - ou ser multitarefa, trabalhar E estridular alternando miudinho (life skill).
- Peço os trabalhos mais pesados. Quero esvaziar a estante, deixa eu revisar a tradução, me dá o índice onomástico. Levanto para ir pegar dicionário (eu uso muito dicionário). Compro a comida dos outros lá embaixo. Raramente tomo o elevador e quando estou sozinha corro pelas escadas.
- Material de escritório à vontade e em grandes quantidades.
- Ambiente 99,9% nerd (de vários subgêneros).
- A pele atinge o equilíbrio ideal com o ar-condicionado. Quase. É preciso passar hidratante sob os olhos e nas mãos.
- Bebo mais água. Passo mais batom.

Isso não é bem um item. O ambiente ao redor me interessa. Passo por uma porção de estabelecimentos oblíquos. Hoje vi um Diplomata (carro, não chocolate) preto, todo elongado, estacionado na porta duma oficina. E ontem na esquina da empresa identifiquei uma escura papelaria, identifiquei estantes de metal com cara de 1978 e também um cliente: um menininho. Na tentativa de ver o que ele comprava, apertei a vista e descobri que, além de pastas, borrachas e canetas, metade das tais prateleiras continha dezenas de pingas diferentes. Papelaria-bar. Ganhei o dia.

- As baias vão chegar na semana que vem.

25.7.10

female trouble, ou: faz todo o sentido

Meu problema, em suma, é que leio Jane Austen e não acho o sentido. Sério. Leio diálogos e mais diálogos de conluio sentimental sem extrair qualquer prazer, sem detectar qualquer padrão coerente. Não entendi. Qual é a graça? Falho no teste de Turing bonito. Porque Philip K. Dick - ah, esse sim - faz todo o sentido. Leio "Valis" entendendo tudo. Os sinais, as coincidências altamente improváveis, a paranoia, a perseguição, a detecção de padrões. Sim.
Eu estaria perdida como mulher se eu não fosse um androide do tipo que aprende. Sei detectar padrões conhecidos, mas fico presa aos resultados averiguáveis. Por exemplo, SE você devaneia no trabalho e sonha de noite com alguém, SE mal consegue olhar no olho, SE gente a mais disparatada diz que você parece mais bonita do que costume; e SE, ao pensar, ei, isso não quer dizer que estou..., todos começam a acusar olhinhos brilhantes, LOGO você está apaixonada.
Foi bom começar a trabalhar, ainda mais num ambiente 99,9% feminino, porque aprendo mais rápido essas coisas de humano. Já demorei anos para perceber coisas semelhantes. Dessa vez demorei apenas três ou quatro semanas (tarde demais?).
Eu devia vir com manual de instrução. Depois de um tempo, claro, ele teria que ser jogado fora. Androides com defeito indeed.

Ontem estive num casamento e também não entendi nada. Mas what the hell.

19.7.10

one of these things is not like the other

Um amigo me fez narrar toda minha spring break de inverno (que terminou 1 semana após minha entrada no Emprego Estável) e percebi que isso - narrar, eu digo - me fez bem. Ele logo apontou: one of these things is not like the other. E eu concordei. Percebi também, conversando com ele, que jamais, jamais posso relaxar meu autocontrole, e, sabendo disso desde pequena, nunca devia ter caído nessa de "dar só uma espiada" (no abismo) e sim ter continuado com meus exorcismos de sempre.
É tudo muito fácil para uma esquizoide - alguém cuja empatia não vem de fábrica -, até que você percebe que deixou escapar um detalhe por demais importante, correndo o risco de parecer que pensa que é tudo a mesma coisa, quando não pensa, e se ferra bonito, levantando estilhaços que não dá nem para chamar de dano colateral.
Quero esse poder não, obrigada.
Vou ficar bem quietinha e assalariada, e nas folgas vou me submeter aos mesmos exorcismos de sempre. Porque lembrei que decidi ser uma pessoa boa a despeito de qualquer oligarquismo atávico - desde os cinco anos de idade.
Ontem fui a uma festa da minha família e perguntei do meu avô caçador para os meus tios; joguei videogame contra meu padrinho, e perdi; prometi à mulher dele ajudá-la a arrumar adoção para uns gatos. E eu estava gostando. Fiquei com pena de ir para casa. É mesmo uma decisão, questão de empenho, de foco.
Como diz o Ismar: tá tudo bem.
Mas que era uma boa hora para ser poeta, era.

12.7.10

Darel

Estava eu indo pro dentista quando vejo passar um 326 com busdoor anunciando exposição do Darel (Valença Lins). Na verdade, vi primeiro a ilustração, reconheci como sendo dele, e só aí, já empolgada, é que fui ler os dizeres do cartaz. Não é pra qualquer um, vai - digo, ter um estilo tão único que é reconhecível mesmo estampado num busdoor furtivo às duas da tarde na Perimetral.
Darel está no Caixa Cultural - exatamente em frente ao meu dentista. Tive goosebumps com a coincidência.
Aí cheguei lá e nenhum museu abre segunda. Fuén. Depois vou.

Descobri o Darel Valença Lins enquanto paginava jornais atrás de jornais dos anos 80 na Biblioteca Nacional para a editora Azougue. Os cadernos de cultura eram mais recheados naquela época, e bastou uma ou duas reproduções em preto e branco para eu cair de amores pela obra dele e procurar mais na internet. Fiz um post dizendo que ele tinha desenhado uma Maria Luiza (de A feia noite) muito melhor que eu. Depois ele descobriu meu post e me escreveu. Aí eu dei o nome dele pro protagonista do conto Herói, escrito para uma antologia erótica da Azougue que nunca saiu, mas que acabou entrando no Amostragem complexa (ei, eu preciso tirar nomes legais de algum lugar).
Só não entendi a onda BBB de identificá-lo apenas pelo primeiro nome. Mas ok, o que importa é o conteúdo.

E tome reprise da faixa-bônus do Amostragem, caso alguém não conheça.

P.S.: aproveitando a onda de dizer de onde tiro o nome dos meus protagonistas masculinos, revelo que o Miguel do Conto japonês (Mousmé) é inspirado no Miguel dos Karas (do Pedro Bandeira), e o menino gordinho que aparece no Segundo andar é minha versão carioca e classe média do Bolachão da Turma do Gordo (do João Carlos Marinho). Pronto, danei-me para sempre; posso ir dormir.

11.7.10

Apresentação do conto "Deitado eternamente em berço esplêndido", de Simone Campos, a sair na antologia "Escritores escritos" da editora Flâneur. O autor homenageado no conto é H. P. Lovecraft.
Vídeo feito no dia da final da Copa do Mundo, em homenagem ao polvo Paul.