26.12.08

add puppets!

True Blood não é o melhor seriado já feito, e implico com a Anna Paquin (especialmente loura), mas me fez passar um bom feriado chuvoso.

Então me veio a luz: True Blood é um Ó paí ó que deu certo. Quer dizer: locação exótica com sotaque divertido, fauna e clima diferentes da "norma", sincretismo religioso, elenco multi-racial, o elenco jovem com um ar levemente (ou fortemente) periguete... pode ver, a própria abertura de True Blood explora esses aspectos.

A grande diferença para Ó paí ó é que True blood tem vampiros. Teorizo que se Ó paí ó tivesse vampiros teria bombado também. O Lázaro Ramos deles também é mais bonito e menos alto-astral:
(Menos alto-astral é eufemismo. Eu expliquei essa personagem para alguém como um Dr. House mulher e black.)

De qualquer forma, sinto falta da conjunção astral maravilhosa que permitiu o surgimento de Vamp na minha infância. Vamp e Que rei sou eu? (capa-e-espada é legal). Não sei o que impede a TV brasileira de investir mais nesse tipo de... ah é, já lembrei.
corte de custos

JP: do globo online: Crie você um final para Flora em 'A favorita'. Brinque de novelista e escreva um fim para a grande megera. Os melhores textos serão publicados na Revista da TV do GLOBO. Clique e participe.
eu: tão cada vez mais preguiçosos!
JP: sim!
eu: não querem nem escrever o final da novela
nem fazer a retrospectiva 2008
nem fazer a mensagem de fim de ano
nem apurar matéria...
jornalismo escravo
viva a era google!
JP: e olha a "notícia" de cultura: Lindsay Lohan diz que o pai traiu a mãe
eu: uauuu
super cultural
cara, cria uma editoria "famosos"
mas não chama isso de cultura, por favor
JP: pois é
mas tá lá, "Cultura"
dá impressão q nao tem nada cultural acontecendo no mundo e tiveram q apelar pra isso

Se bem que postar pedaço de conversa online no blog também é uma baita picaretagem. Mas já já vou fazer um post melhor. Pelo menos não mando vocês participarem... ops, não é que mandei faz só uns dias? É, geral pro fogo e enxofre, que coisa.

23.12.08

Fiquem com os trechos de cada um dos contos do Amostragem complexa. A propósito, tenho que liberar uns quatro desses para se ler de graça na internet (além do Elidu, que pode ser lido grátis na Coleção MOJO). Quem quiser, pode me ajudar a fazer a escolha. Basta enviar um e-mail dizendo quais os contos que, pelos trechos abaixo, mais despertaram a sua curiosidade.
E feliz Natal, Ano Novo e essas coisas.

Mousmé (conto japonês)

Você lê história e alguns livros e já sabe como fazer tudo certo. Não cair na lábia de canalhas com Anna Karenina, não emprestar nem tomar emprestado com Shakespeare, não ser totalitário com Orwell e assim por diante. Só que iluminismo não adianta se todos correm de volta pro escuro.
Você sabe as coisas sem ter, ao menos uma vez, pensado que sabia. Você não consegue nem começar a pensar em se entregar à doce burrice. Lucidez férrea é puro horror.

Herói

Então. Vou fazer 30 anos. A idade das festas passou. Cansado do apogeu dos egos após a oitava tulipa, de pegar casal recém-formado transando no banheiro, do mal-estar na hora de fechar a conta porque ninguém lembrou de deixar os 10%, esse ano só quero me enfurnar em algum canto bem distante da civilização com todo o conforto que a civilização pode oferecer. E Raquel.

Senhora, Senhorita

Nem tinha lhe passado pela cabeça a possibilidade de não usar porta-seios, mas agora via que podia. Todas estavam à l'aise e seus próprios seios estavam se portando sozinhos. De novo.
Desceu a escadaria do metrô sorrindo. Passinhos que só lépidos; água descendo a cachoeira. As mãozinhas, em suspenso. As pessoas se viravam para olhá-la, uma mulher sorriu como quem acata a piada. E a nova moça sorria por dentro ao pensar que as pessoas pensavam que ela se vestia retrô.

Composição

Perlac era uma loja direcionada para clientes impossíveis. Zee, consciente da missão, afofava perucas escuras sobre a cabeça gessal das manecas – uma mel, uma café, outra preto-graúna, um quase-ruivo acolá – mas imaginando e sabendo que as verdadeiras clientes da Perlac estariam mais para quarentonas de 1,62m com cortes médios desidratados do que para andróides chanéis magras e frias.

Ao cubo

Sozinhos um com o outro, impressionava sua intimidade impessoal. Um para cada lado do sofá, olhos na TV, no meio as mãos, uma sobre a outra. Um no computador outro na lavanderia, um na biblioteca outro jantando.
O nome da doença era esquizoidia. Odiavam socializar. Iam em festas por causa da música. Melhor se fossem festas propensas ao fracasso, com menor probabilidade de cotovelos cutucantes.

Segundo andar

Quando saía com Olívia, tinha que explicar sua mágica. Como vivia sem emprego e sem bolsa? Como comprava seus discos e livros com salário mínimo? Como pedia comida em casa?
– Quem disse que não dá para viver com salário mínimo? – redarguia Susana.
(Estava certo. Susana ganhava dois salários mínimos.)
Vinte e dois reais de condomínio (desconto do síndico). Dezoito reais de gás. Celular pré-pago. 70 reais de luz. A água do prédio, 100 reais. Plano de saúde jovem, 80 reais. Transporte, 80 reais. Sobrava um estipêndio para comida, roupas e despesas acessórias. Comia até chocolate.
Eu sou uma dona-de-prédio.

Sexo em Anegue

Eu queria mesmo era poder entrar em outra pessoa e espiar o que elas estão sentindo sobre elas mesmas. Porque aqui dentro eu já sei como é; e também já consigo sair e me ver como elas me vêem. Mas queria saber como elas se vêem, de verdade, por dentro. Saber se elas também se sentem tão mal assim quando pensam em si mesmas e, se sim, como conseguem disfarçar e levantar a cada dia e ir trabalhar, ou estudar, ou pelo menos andar pela rua sem que ninguém pense: lá vai a coisa toda errada. Assim pelo menos eu não me sentiria sozinha.

Tabu

A Biblioteca Nacional nunca tinha ouvido falar daquele veículo – nem os milhares de contatos do professor Sobral. Mas conforme alvitrado por George Sable, o artigo existia. E estava nas mãos dela. Apenas Maiara não conseguia decifrar o texto – excesso de tinta, tipo pequeno, vista um pouco cansada, vai ver, ficando míope; a luz das quatro horas era pouca e caía morta sobre o carpete climatizado, bem longe das pernas congeladas de Maiara. Congeladas mesmo: nenhuma das duas parecia capaz de se mexer. Excesso de concentração. Não – câimbra. Não. A ordem para mexer a perna fora dada e ela não sentia movimento.
– O que está acontecendo, pensou sem inflexão
Olhou para baixo. É claro que sentia frio com aquela sucuri enovelada até o joelho. Sentiu-a deslizar, garantindo o nó. Quase um conforto.

Elidu

Naquela noite, com aquela disposição de despedida, até o lugar de sempre era palatável.
O corpo de Sil não descia até o chão como mandava a música. A dona dele tinha decidido poupar as costas para o dia seguinte, poltrona de avião. Ondeava o corpo de um jeito que sabia desde a puberdade e sempre impressionava as amigas.
– Cê tomou a droga errada... tá dançando igual lacraia.
Silvânia virou-se para ver quem falava.
– É verdade que você vai embora? – pergunta ele em seguida.
Frida, sua filha da puta.

O último dia

Em uma das salas, alguém pediu uma folha em branco para desenhar. A professora foi até o armário e mandou que pegassem uma e passassem adiante. E assim foi feito, até a vez da Ana Paula. Ana Paula pegou mais de uma, escondendo mas nem tanto, e esperou a professora notar; ela notou e deixou cair os braços. Olhou para o armário e olhou para Ana Paula. Olhou para o armário de novo e para Ana Paula de novo. Suspirou. As provas já tinham acabado, não?
Dos armários do fundo da classe emergiram papel crepom, massinha e cartolina. Pilhas de cartolina de todas as cores (menos da vermelha, da qual por algum motivo as professoras gostavam tanto) foram rapidamente desbaratadas. Isso as outras filiais não haveriam de herdar.

Tão bonito que dói

Estou no terceiro cigarro da noite e ainda não vi ninguém que preste. Circulo, dou uma volta pelo primeiro andar, acabo pedindo alguma coisa do bar.
Há uma menina maquiada como uma boneca e metida em uma blusa cheia de babadinhos, toda branquela e acompanhada. A biba amiga dela saltita até o DJ que resmunga ao ouvir o pedido por Kraftwerk: vou ver.
Algum rock depois, o DJ aquiesce a tocar The model modificada, com uma base de guitarra emprestada do Garbage. É o tom. Me aproximo do braço da lolita gótica com o cigarro aceso. Fsst. As células se degeneram sob a brasa. Logo se formará uma bolha. Não, esperem: ela percebeu; esfregou. Assim fica marca.
Ela olha pro braço e olha pra mim. Olha pro braço. Pra mim.
– Porra, toma cuidado!
Só isso. Os olhos assassinos demoram um pouco para desgrudarem de mim; vejo que ela captou o propósito – eu parado na frente dela, não com cara de desculpas, não submisso e bêbado, mas sóbrio, sonso e segurando o cigarro no mesmo lugar do contato incendiário – só que não quer se perder nessa. Prefere sua vidinha de simulacro. Mas está marcada.

Wifi

Lia não deveria ser anunciada em qualquer biboca. Precisava de um canal exclusivo, de um boca-a-boca sagaz. Sabia exatamente quem devia procurar, mas relutou muito em fazê-lo. Afinal, o cara era um crápula. Um crápula engenhoso e conhecido no mercado. Mexia com a fila de transplantes, repassando fígados e córneas para gente que podia pagar. Relativizou a si e a ele até se aproximarem o suficiente para uma conversa ser marcada. Foi difícil convencê-lo a vir. Teve de abdicar de algumas precauções a que se propusera antes, como a de não mencionar do que se tratava ao telefone. Mas também não entregou o ouro; disse apenas que
– É um método infalível para fazer qualquer ameba passar em concurso.
– Infalível. – replicou o interlocutor, cético.
– Como a justiça divina, Jacques.
Uma pausa de efeito. Ou talvez Jacques estivesse fazendo outra coisa ao mesmo tempo.
– Vai falando.
– Vamos grampear o concurso.
– É fácil falar.
– O grampo estará num candidato.
– Da mesma forma.
– Jacques, o grampo vai ser o candidato.
– ?
– Mas preciso de documentos para ela.
– Ela?
– Ela.

19.12.08

inveja afro-brasileirinha

Cacete, por que as invejas que as pessoas admitem sempre são brancas? Que preconceito com as invejas de cor -- amarelo bile, por exemplo.
A máxima de que o brasileiro só se sente invejado, nunca inveja, parecia ser verdade na minha vida até a quarta série, quando tirar 10 sem esforço era status. Eu não entendia as hostilidades de algumas das minhas coleguinhas. As pessoas que gostavam de mim, pequenas e grandes, me explicaram: era inveja. Mas de quê? Dessa besteira?, eu pensava.
Ao mesmo tempo, como já falei por aqui, eu queria dominar o mundo, um sonho que -- explicitamente -- só durou até os sete anos. Para isso, era necessário ser mais inteligente do que os outros, mas nem sempre eu era. Cada vez que alguém tirava uma nota maior que a minha, eu morria de ódio (inveja nem tanto) porque estava mais longe da world domination. Por fim, quando percebi que minha inteligência analítica era nula (não sei nem multiplicar por dois de cabeça, agora que estou destreinada), desisti de dominar o mundo -- pelo menos sozinha.
Mas voltando à vaca fria, inveja branca se aplica bem àqueles momentos em que você lê um trecho do sujeito e gosta tanto que deseja ter escrito aquilo. Mas quando você começa a desejar que pudesse voltar no tempo, trucidar o sujeito e roubar seu original (ou publicar antes dele, processando-o depois por plágio), essa inveja não é mais branca, certo?
De minha parte, quando leio um trecho muito bom, não sinto nada parecido com inveja. Me sinto irmã do autor. Me sinto encontrada.
Inveja sinto muita, e nada branca, de quem não precisa trabalhar. Queria demais não precisar fazer oito horas de tradução por dia para me dedicar só a escrever. Foi muito bom o ano da Petrobolsa, a coisa mais próxima que terei disso antes de virar medalhão.

8.12.08

Top 5 desafios europeus (d'après Indigo e suas listas)

5 - Peça sorvete de coco na França sem rir:
-- nuá de cocô, sivuplé.
4 - Diga que é do Brasil sem arrancar um "OH! BRAZIL???" de seu interlocutor.
3 - Tente ficar na rua em Edimburgo depois das 7 sem cachecol.
2 - Explique a favela carioca em menos de 100 palavras.
1 - Tente atravessar Dublin sem encontrar um brasileiro.

3.12.08

Escape artist

Não ando muito a fim de pontificar -- deve ser efeito da tradução que ando fazendo. Basta dizer que, na crise, as pessoas se voltam para a religião -- inclusive os tradutores.
Estou em crise também. Reavaliando uma porção de coisas. Mas é só coincidência, a crise dos mercados mundiais não me excita nem me deprime (não tenho mais 14 anos).
E aqui entra a parte onde eu diria que isso se reflete no meu livro novo, mas disso vocês já sabem. Fidelidade à mensagem e ao fato de eu querer que ela atravesse o abismo até o outro lado -- o do leitor. É o tipo de pessoa que eu sou.
Nem sei se é mensagem, porque não é ficção moral (e, se for, não é a minha moral). É só um tédio de ter sido condenada a ficar na minha pele para todo sempre -- ou melhor, até virar comidinha de minhoca. É uma forma de escapismo. Uns têm o sexo; outros, a bebida; eu tenho a imaginação.
A mágica toda reside em organizar essa imaginação como ficção, porque eu poderia perfeitamente usá-la para jogar RPG, por exemplo. Justapor não é o suficiente. No momento estou achando necessária a ilusão de um fio que amarra a história dando um sentido ou uma falta de sentido linda. Estou bem estética.
Esse fio é necessário para cercear os personagens, delineá-los, defini-los. Paradoxalmente, delimitá-los lhes dá vida. Se pudessem ser todo mundo, não seriam ninguém.
Mas paradoxalmente de novo, quando eles ganham vida, a primeira coisa que fazem é escapar desse fio!
Exatamente como eu.