25.5.11

Filha de portugueses, ela cresceu no Morro da Conceição, no centro do Rio, e foi tirada da escola na sétima série, a contragosto, para começar a trabalhar. Ela gostava de estudar e sua escola, pública, tinha qualidade.
Esse post lista várias palavras usadas pela minha avó, que praticamente me criou (e não era nada educadinha). Ela morreu em 2004, e esses termos, difíceis de se ouvir hoje em dia (de pessoas jovens, especialmente), ainda ressoam na minha cabeça. Quer dizer, minha avó não estava sendo conscientemente política ou tenaz em insistir em seu uso na linguagem, mas admiro-a por ter sabido manter uma expressão verbal própria mesmo assistindo novelas, fazendo palavras cruzadas, conversando com gente de toda idade e procedência.
Ela usava muito substantivo, pouco advérbio, verbos originalíssimos, bastante xingamentos. Eu uso muito advérbio falando, respondo "sim" em vez de "é", uso futuro do presente ("eu irei") e, quando criança, esganava quem usasse diminutivos para se referir a mim. Eu fingia que não estava entendendo as palavras novas para que ela me explicasse, embora a maioria desse pra deduzir do contexto. A informalidade dela não me ofendia, porém; eu gostava dela. Hoje em dia, que estou mais emocionalmente ampla (hahaha), já sinto a dona Albertina em mim aflorar.

Apaixonada - Usado quando se está contando uma história. "Fiquei apaixonada" = "Fiquei tristíssima, magoada, hipersensível".
Cacófato - o horror da minha avó a cacófatos só era comparável ao meu por diminutivos. "Boca dela" era invariavelmente recebido com "Cacófato!" Acho que isso é porque meu avô costumava cumprimentar um certo amigo pelo nome completo, "Adolfo Dias", quando o via na rua, e fazer outras gozações do gênero.
Complicado - adjetivo para produtos culturais que estivessem fora do meu alcance intelectual. O gibi do Tio Patinhas era mais "complicado" do que o da Turma da Mônica. As palavras cruzadas que ela fazia eram mais "complicadas" que as que ela comprava pra mim. E assim por diante.
Debochada - insulto, quando ela desconfiava que eu estava sendo secretamente irônica por trás da minha carinha de anjo. Mas podia ser dito com camaradagem, num espírito de comadreria, quando o "deboche" era dirigido a outra pessoa.
Desmazelada - geralmente aplicado a mim. "Desleixada" não seria insulto suficiente. (Talvez um indício - etimológico, além das fotos de familiares e do meu nariz - de que nós descendemos de cristãos-novos.)
Esganado - guloso, que come demais
Escangalhar - quebrar alguma coisa
Engranzado - algo que foi entremeado ou metido de forma indevida e ficou preso (um livro na estante, por exemplo)
Enviesado - a palavra dela para "fisicamente inclinado" ou "torto" ou "de lado".
Grossinha - insulto.
Gulodices - nome genérico dos doces que ela se oferecia para trazer do supermercado: "umas gulodices".
Insolente - insulto.
Malcriada - insulto.
Marginal - qualquer bandido ou pivete
Miserável! - insulto.
Perra - insulto. Ver "Teimosa feito uma mula".
Petulante - insulto.
Rente - ela usava bastante esse advérbio
Ruim! - insulto geralmente dirigido a mim. Não era pronunciado "ru-ím", mas sim "rrrúim!"
Se mostrar - fazer alguma gracinha com o intuito de "aparecer".
Sextavado - palavra dela para "hexágono" ou "hexagonal".
"Tá virando hippie?" - insulto geralmente dirigido a mim. Aquele que se veste fora da norma.
"Teimosa feito uma mula" - insulto geralmente dirigido a mim
Vedete - Consideração em que tinha Carla Perez

* Se lembrar de outras, editarei o post ou farei outro