25.5.06

Eu mereço...

...por querer acreditar em cinema nacional. Por ter gasto preciosos cinco reais e uma hora e meia da minha vida para ver A Concepção. Eu mereço. Mea culpa mea culpa mea culpa.
É em Brasília. Tem uma orgia permanente num apartamento. Miraculosamente não tem uma cinza de cigarro no chão, uma pegada enlameada, sequer um delinqüente, um celerado, um facínora a sair do banheiro sem se enxugar; o assoalho recende a Poliflor Lavanda. Quem viu Os sonhadores sabe que apartamentos orgiásticos não ficam limpinhos e arrumados. Não, nunca se vê nenhuma empregada.
As pessoas sempre acordam completamente nuas (nunca meio-vestidas nem mesmo meio-cobertas) e numa disposição (que era pra ser) artística que já da primeira vez soa puramente forçada. Outra coisa: em Brasília, o ar seco provoca remelas monstruosas - o que não parece ser o caso de nossos higiênicos protagonistas, nem quando despertam em superclose.
Para entrar na bobice ideológica, é preciso explicar o que é a tal da concepção. É uma tentativa de "movimento artístico" cuja proposta é ser cada vez menos um indivíduo definido, assumindo a cada dia uma identidade (e cédula de identidade) nova. Que coisa... a mim me pareceu uma única identidade: a de riquinho mimado com físico de ator de Malhação. Teoricamente se podia fazer tudo, mas ninguém faz nada além de sexo e drogas. Ninguém escreve, trabalha ou se exalta a sério, é todo mundo muito polido (como o assoalho). Imagine fazer como em Clube da Luta e arrebentar aqueles rostinhos bem-hidratados, que horror? (Curioso! depois de certa altura do filme isso virou uma idéia fixa para mim.)

(Bônus para o trailer com declarações de Ziraldo e Chico Buarque - que causou giggles pré-adolescentes em todas as outras oito fêmeas do cinema (e em três machos) - ao som de Caminhando contra o vento.)
2008, Califórnia. Um ataque nuclear surpresa precipitou a América na guerra. Para responder à falta de combustível, a companhia US-ident elabora um gerador de energia inesgotável, que funciona por meio dos fluxos oceânicos mas altera imperceptivelmente a rotação da Terra.

Assim, a realidade está embaralhada, particularmente as vidas do ator de ação Boxer Santaros (The Rock), da ex-estrela pornô Krysta Now (Sarah-Michelle Gellar) e dos irmãos gêmeos Roland e Ronald Taverner (Sean William Scott), cujo destino se confunde com o da humanidade inteira...

Sinopse de Southland Tales, de Richard Kelly (diretor de Donnie Darko)

Embaixo, tem a crítica apontando inspirações de Aldous Huxley, Norman Spinrad e Philip K. Dick.
Eu só vou voltar a dormir em paz quando vir esse filme e The fountain (do diretor de Pi e Réquiem para um sonho, Darren Aronofsky).

24.5.06

geografia toda errada

O Sul é a nossa Escócia. Gostariam de se separar e não os culpo; eles são muito mais cool. Se alguém fala, novo talento literário escocês/sulista, todas as orelhas já ficam em pé, inclusive a minha. Morvern Callar, se fosse brasileira, se chamaria Samara Calado e moraria em Poa.

O melhor filme brasileiro que vi nos últimos tempos é tailandês. Se chama "Monrak Transistor" e é do diretor Pen-ek Ratanaruang, o mesmo de "A última vida no universo" (legenda aqui). Tem forró, cantores bregas, bóias-frias e plantações de cana. Às vezes parece a Amazônia, às vezes o Centro-Oeste, às vezes o Nordeste.

22.5.06

Escrever um evangelho na época de Cristo era que nem escrever fan fiction* hoje - sem as leis de copyright. Como nas séries que originam as fan fictions, os romances sugeridos e não-realizados (Mulder e Scully, Hermione e Ron) eram uma excelente inspiração. Das duas uma: ou a história sem casório era mais General Audience e a MPAA de Nicéia "limpou" a obra, como sugere O Código da Vinci; ou os fãs quiseram muito ver romance na vida do seu personagem preferido e parearam com a mulher mais próxima não-aparentada. Isso deixa qualquer um caminhando sobre a navalha da lâmina de Ockham**; as duas opções são igualmente complexas e possuem motivações cretinas (chrétiennes, get it).

*Fan fiction é o texto de ficção escrito por fãs de uma obra a partir dos acontecimentos dessa obra, se apropriando dos personagens para escrever sua versão dos fatos - coisas que geralmente não podem ser mostradas na TV ou que são sugeridas mas não desenvolvidas. Nas fan fictions, personagens secundários podem ganhar um papel maior, personagens criados pelo fã podem entrar, personagens de outras séries e universos podem se meter, a censura etária pode subir (BASTANTE) etc. Também é conhecida pela sua abreviatura, fanfic. Existem fanfics de quadrinhos, de animes, de séries televisivas, cinematográficas e literárias (Harry Potter é o grande exemplo).
**Lâmina de Ockham: se há duas explicações para o mesmo fato, a mais simples é geralmente a mais correta.
Falta um post nesse blog sobre patins.

Aeon Flux se for menina e Logan se for menino.

No Shopping foi um livro-safári: soltar e observar adolescentes em seu habitat natural. Mating habits of the budding human. A feia noite é mais sobre gente deslocada (displaced, detached).
Eu vou dar um exemplo agora de como as minhas coincidências funcionam. Entre parêntesis vão os tópicos relacionados.

Eu estou revendo Changeman - a internet é um poço de inutilidades. Não sei se vocês lembram da menininha extraterrestre que espalhava uma onda energética que revitalizava a vilã Ahamis. Bem, o nome da menininha era NANA. NANA é uma das formas de se escrever SETE em japonês, além de ser o nome de um mangá-mulherzinha muito legal (link para a tradução inglesa no Emule). Cismei de procurar o motivo de se escrever Nana nome-de-mulher com dois kanji de 7 em vez de um kanji de 7. Foi aí que topei com um blog bacana sobre o cotidiano de Tóquio. O blog mencionava o termo tsundere, donde fui parar na Wikipedia (Teilhard de Chardin; Serial Experiments Lain); daí, pulei para o termo Moe, de onde pulei para o movimento artístico Superflat. Eu ficaria desesperada tentando ver alguma arte superflat, mas reconheci os nomes dos artistas: eu já tinha um livro sobre o assunto - comprado por puro impulso numa livraria na Charing Cross Road. Abri ao acaso o livro, na página da Aya Takano, que citava como inspiração dois escritores de ficção científica: James Tiptree Jr. e Cordwainer Smith. E sabem que ando obcecada por ficção científica. Corri para o Emule para baixar coisas dos dois (em espanhol tinha mais do que em inglês). Cordwainer tinha uma obra em quatro partes (Marion Zimmer-Bradley?) chamada Instrumentality of Mankind (Evangelion?).

Puff. I'm exhausted. Mas ainda posso dar a lista de autores de ficção científica que ando perseguindo:

Philip K. Dick
Karin Boye
James Tiptree Jr.
Cordwainer Smith
Campos de Carvalho
Lewis Carroll
Nabokov
Monteiro Lobato
Baudrillard (a humanidade se tornou desnecessária - parte um e parte dois)

18.5.06

Hoje dei outra volta por sebos. Queria encontrar a Kalocaína de Karin Boye. Encontrei logo de primeira e fui passear. Tinha um romance do Paulo Francis (e eu nem sabia que ele era romancista) chamado As Filhas do Segundo Sexo. Achei gozadíssimo (entenda como quiser), me arrependo de não ter levado. O Kalocaína acabei hoje, também ótimo. Ficção em estado totalitário anterior a 1984 (o livro, não o ano; 1984 foi escrito em 1948 e Kalocaína em 1941). Mas 1984, convenhamos, é um pouco chato; Kalocaína não. Parece Clarice Lispector misturado com V de Vingança (HQ), Suicide Club (filme) e Evangelion (anime). A pergunta are you connected to yourself, a perda do medo que impede as atitudes que realmente desejamos tomar, a conexão entre indivíduos fora (além!) da organização social - tudo isso. Descobri Kalocaína lendo isso aqui, que também tem outros textos interessantes. O único senão é a capa - aquelas capas horrendas dos anos 70 que tentam imitar as da Civilização Brasileira. Parece ser uma mulher pelada na penumbra ao lado de uma barafunda indefinida que se assemelha a um rosto. Tudo isso roxo-berinjela, para combinar com o nome do sebo.
As Filhas do Segundo Sexo são duas novelas. Uma conta a história de Mimi, moça tolinha que começa a dar involuntariamente e depois passa a dar voluntariamente - phoder por poder, get it. Lá pelo meio Mimi tem um caso com uma socialite (descobri na biblioteca do Santo Inácio, onde aliás estudou Paulo Francis, que a chance de você abrir um livro usado e cair numa página com algum conteúdo sexual é muito alta, já que geralmente são as páginas que ficam mais abertas e por mais tempo). Eu achei a narrativa, pelo menos o que li, muito boa - diferente de coisas como A estrela sobe do Marques Rebelo, que é fundamentalmente a mesma coisa, e que li na biblioteca do Santo Inácio. Droga, eu devia ter comprado. Até para descobrir sobre o quê era a outra novela.

13.5.06

The D'ni of Orange County

Se você ler meu primeiro capítulo do livro novo, verá que mal uso verbos. Verbos de ligação às pampas. E tome olhar e ver, que podem não ser verbos de ligação oficialmente mas também são verbos de pintar. Eu pintei em vez de escrever.

Terminei de jogar outro Myst. Eu tentando explicar sobre o que é:
Tem vários quebra-cabeças complexos e lógicos, mas sem lutas nem inventory - não se pode carregar nada além de livros e papéis. É em primeira pessoa. Tem uma família que escreve livros que dão acesso a mundos de visual estonteante. A banda podre dessa família começa a sacanear os habitantes desses mundos (os D'ni). No primeiro episódio você cai no meio de um mundo desses e não entende nada até o final, um pouco como em "Lost". Depois você passa a ser amigo da família (da parte decente, naturalmente) e eles pedem sua ajuda a cada novo episódio.

A primeira vez em que prestei atenção em Laranjeiras na idade adulta foi em 2004, quando fui apanhar uma pilha de livros com meu orientador da monografia. Fui de bicicleta. Algum gatilho da infância foi disparado com o visual quase bucólico, como se os prédios estivessem ali meio que por acaso. Um dos raros lugares no Rio em que a arquitetura não é um crime contra a paisagem: prédios com mosaicos, casas antigas, muros transparentes. Nomes de ruas: Estelita, Leite Leal, Alegrete, generais e santos e tanta árvore em volta, mato frio, trepadeira, criança rindo.

Dá pra fazer um mundo bonito ou feio a partir de palavras. Mas, como se aprende em Myst (e em Ada de Nabokov) a diferença entre o belo e o terrível é mínima. Acho Laranjeiras às vezes um bairro nitidamente metido a besta, cheio de instituições tradicionais e pessoas importantes (e pet shops). Mas as pessoas importantes e instituições parecem relaxadas: aqui posso ficar à vontade. As pessoas andam de flanela e chinelão, as instituições nem colocam uma placa, nem um muro alto, nem uma guarita. Não é como andar por Ipanema ou Leblon, onde milhares de reizinhos percorrem a passarela com seus óculos Gucci (ou cabelo milimetricamente desarrumado ou utilitário esportivo desnecessário), parando para adquirir revistas importadas em bancas 24 horas com letreiro iluminado e desfrutar de um descafeinado colombiano com uma pitada de canela e açúcar de confeiteiro. Ou seja, embora ainda seja fã de Botafogo, moraria em Laranjeiras ou na Tijuca, mas jamais em Ipanema/Leblon. A qualidade de vida é uma coisa que depende muito dos seus vizinhos.
Protocol

Eventos culturais de blogueiros me atraem. Tenho ido nas coisas das pessoas, assistido, achado legal e não falado com elas. Antes, não, porque pode deixá-las nervosas quanto a satisfazer as expectativas da pequena stalker aqui; e depois, menos, pois parece que todos têm a mesma idéia (e por motivos talvez mais imediatos do que dizer ei, lembra de mim, eu te conheço da internet). Além disso, existem dois níveis de stalking: um descompromissado (legal, vou lá conferir qual é) e outro neurótico (preciso falar com essa pessoa de qualquer jeito). Do outro lado do véu, já tive experiências desagradáveis com esse segundo tipo. Pelo lado stalker, acompanho porque quero me divertir, e neurose não é divertido, embora fosse legal trocar umas idéias com proprietários de um cérebro, pra variar.

7.5.06

Aliás, o que foi aquela ópera de ontem? (Idomeneo de Mozart.) Para começar, teve cobogós. Eu amo cobogós. Adriana Varejão, a artista plástica que fez Azulejão, fez o cenário - adivinhe, com azulejos. O figurino também era modernoso. Electra e toda a sua gangue (não posso chamar aquilo de "corte") estavam com perucas Luís XV, anquinhas e leques. Note-se que Idomeneo se passa na Grécia Antiga. Electra também estava com os peitos translucidamente de fora, a la Madonna em desfile de moda dos anos 90, e maquiada como vilã de novela mexicana. Idomeneo e Idamante (e toda a sua corte) estavam com roupas do Japão Medieval. Apenas Ilia, a princesa prisioneira (e toda a sua corte), estava com roupas ligeiramente gregas. O sacerdote de Netuno tinha duas bengalas e estava vestido de Papa McDonald's (vermelho e dourado). Não sei dizer ainda se gostei ou não, posso chamar de desconcertante. Sei que não gostei do chafariz (desnecessário e fazia barulho) e gostei muito do tecido cor-de-esmeralda usado nas roupas nipônico-medievais.
Ouve bastante techno e depois vai assistir ópera pra ver o que te acontece. Eu tive um sonho com gosto, cheiro e vento. Eu comi apfelstrudel (mas recusei o risole de presunto) e estive no meio de uma tempestade.

4.5.06

Eu quero um carro. E então quero um adesivo de carro:

-techno music fried my brains-
-they taste delicious-
Eu penso penso e não consigo entender. Ou melhor, entender eu posso, mas me recuso.
A verdade versus a mentira na literatura de hoje. (Este é o título.)

Acompanhem aqui. Um escritor A que se denomine 100% autobiográfico terá mais sucesso do que um B que alegue escrever pura ficção. Prefere-se fofoca factual a boato bem-contado. O mundo hoje é triste. Triste e burro. Afinal, ao admitir que o que escreve é pura ficção, o escritor B está na verdade dizendo (ouçam!): "eu sou um bom mentiroso". Se B é um bom mentiroso, pode estar mentindo ao dizer que escreveu pura ficção. E, se não tiver escrito pura ficção, na verdade não é bom mentiroso. E se não é bom mentiroso, na verdade não pode ter escrito pura ficção. (É possível ir em frente e derivar mais bullshit!, vá e entre em um torneado parafuso.)
É desse vácuo, desse ilusionismo absurdo, que se tem medo. Criação a partir do nada, geração espontânea. Me ressinto que a verdade, plana e confortadora, tenha mais sucesso que a mentira. (Este é o espinho.)
Nem um pouco deste intricado e interessante paradoxo resta em pé no caso A. O que resta são bocas em Ó quando A passa e A declarando que o preconceito e a inveja não o incomodam, para em seguida desaparecer a oeste do horizonte midiático.
Remix naming conventions (esdrúxulo mix)

A primeira vez em que um remix não levou o nome de quem o fez, mas algo relacionado com o clima que o tal remix tenta passar, deve ter sido um assombro. Só posso imaginar esta época, já que quando comecei a me entender por gente, gente-gente, as convenções de batismo de remixes já estavam estabelecidas há tempos.

Artista - Música (Fulano suposto-clima remix)

Ainda alguns preferem usar "mix", e os mais pretensiosos, "rework".

Palavras preferidas na nomeação de climas de remixes:
groovy/funky
club
vocal
extended
radio
lounge
luminance/luminescence
evil
black
strobe
blackstrobe


Alguns nomes de que gosto especialmente (nomes, não músicas):
Plod - On the contrary (Au Contraire mix)
Adult. - Hand to phone (Cordless mix)
Thomas Andersson - Washing up (Tiga's Na Na Na Na Na remix)
Recente e orgulhosa adição à galeria dos nomes grandes: Audion - Just fucking (Roman Flugel's 23 positions in a one-night stand remix)