29.4.04

maria-vai-com-o-google e possíveis utilidades literárias

Fui convidada pro Orkut meses atrás e recusei. Fui convidada pro G-Mail e aceitei na hora. Quem quiser me escrever pra ajudar a experimentar, é simonecampos(coloquem a arroba)gmail.com.
O Orkut é uma panelinha virtual. Você conhece os amigos dos amigos e... vira aquele negócio das seis pessoas (de que para uma pessoa contatar outra, no mundo, existem apenas seis intermediários em média). E não gosto daquela coisinha de pôr estrelinha em quem você é fã, gelinho em quem você acha "cool" e "smilies" no cu de não sei quem. Parece hierarquia do exército... general de cinco estrelas, de seis estrelas. A única vantagem que eu vejo, se é que é vantagem, é fazer um "grupo literário" lá dentro. Trazer aquela coisa velha de café literário para a modernidade, com a vantagem de cada um poder bebericar seu Três Corações em casa, e trocando idéias enquanto escreve. Mas só pensei nisso depois. E só conheço um ou dois escritores que são legais de falar.
O G-Mail acaba com aquele problema das cartas virtuais. É que a cada formatação e reinstalação do Windows, se o backup não for cuidadoso, as mensagens de e-mail antigas somem. Uma matéria recente no JB dizia que isso ia extinguir o gênero "coletânea da correspondência entre escritores". Bom, no G-Mail as cartas virtuais não somem. E eu já li com muito, muito cuidado e o Google (ao contrário da Globo.com) não reclama direitos autorais sobre o que você escrever. Só um computador fica tentando adivinhar do que você gosta pra exibir anúncios lá em cima. Parece bom, então já sabem, vamos experimentar...

27.4.04

Kit Kat e Twix. Foi na Inglaterra que viciei nesses doces de nomes engraçados. Comia desbragadamente os dois, ainda mais depois que descobri uma loja de conveniência que tinha o Twix King Size por 1,27 libras. Aí, voltei pro Brasil, onde eles (ainda) não existiam. Comprei o "último Twix em muitos anos" no freeshop, solene e pungentemente triste. Comi-o bem devagar, in memoriam. Dali a um mês eu o vejo nas Lojas Americanas. Uma versão cara e pequena. Não quis nem saber, agarrei os bichinhos e passei no caixa. Só outro dia é que fui ver Twix no tamanho normal e na embalagem original, que vem com dois (Twix, Twin, Gêmeo, entendeu?). Neste mesmo dia encontrei o lançamento da Nestlé: Kit Kat. Tentei ignorá-lo, mas ele continuava me olhando fixamente, como um ex chato. "Tá bom, vou levar só pra saber se o gosto é o mesmo". (He he). E era o mesmo gosto - de Bis muito melhorado. As multinacionais conspiram contra minha forma física.

26.4.04

"A verdade é que o Brasil sempre teve a “cultura do desrespeito” à lei. Nossa sociedade foi montada na transgressão à ordem, no horror à coisa pública, aos direitos da maioria; somos uma sociedade de contraventores, de sonegadores, de pequenos psicopatas light , uma sociedade de malandros cariocas. Agora é tarde. Isso que está acontecendo é a realidade previsível, não é uma anomalia." - Arnaldo Jabor (vocês têm até hoje às 00:00 para ver essa coluna. Terça ela troca.).
Teve uma época que eu lia esse cara antes da aula. Meu café da manhã era Arnaldo Jabor, puro. Ele fazia citações que eu conhecia, de prestar atenção nas aulas de Geografia (Rousseau, por exemplo), e outras que eu não conhecia, mas ia aprendendo por inferência. Também achava legal ele malhar tanto a esquerda quanto a direita; nesta época eu já estava me desiludindo com a visão preto-e-branca da esquerda, num processo que foi culminar só no 3o ano do Ensino Médio, quando rompi de vez não só com a esquerda mas também com a religião.
Acho que nunca disse isso, mas quando eu tinha 14 anos eu tinha tesão no Arnaldo Jabor. As outras meninas fantasiavam, sei lá, com o Leonardo DiCaprio ou o Brad Pitt, e eu, com o Arnaldo Jabor. É, eu sei que é estranho. Super estranho. Mas eu só sinto tesão por pessoas estranhas e, à primeira vista, díspares. Exemplo 2: Macaulay Culkin, imediatamente antes do Arnaldo Jabor, na época de "My Girl" e "O anjo Malvado". Mas não se preocupem, já passou. Hoje eu tenho meu próprio psicopata.

25.4.04

Spread the EasyWord

Tudo porque sumiu a porra da licença pirata do Word numa dessas atualizações insidiosas do XP. Aí, eu comecei a ficar com abstinência de escrever, assim, porque sou a sick_girl: paro, mas é pra depois voltar pros tóchicos sem sobredosis, el mamút con sobredosis... E estava bem no finzinho de um período de "limpeza".
Meu pai nem se importou. Para ele, é uma excelente desculpa para não trabalhar. Para mim, uma tortura. Comecei a rabiscar sinais utilizando mini tubos plásticos recheados de tinta, como fazíamos no século passado. Depois, nem eu entendia o que estava escrito, quando... quando... céus... me rendi ao BLOCO DE NOTAS.
Sim. O que é o vício. Cheguei ao fundo do poço.
Aí, eu acabei pegando o EasyWord, que faz tudo o que o Word faz, só que é freeware. O EasyWord é a Salvação. EasyWord salva! A fissura dissipou-se num alívio refrescante as I write these words. E o melhor, o EasyWord não demanda nada de você: nem licenças caras, nem procuras por cracks, nem novas aprendizagens. Venha como estiver (ou come as you are, o EasyWord tem ferramentas de correção em Português, mas o programa em si é em inglês).
(A partir de uma conversa que tive com um amigo meu sobre como Jesus salvou minha adolescência, impedindo-me de perder o gosto pela vida numa casa lotada de neuróticas. Mas para cada mal, um remédio.).
-texto escrito no EasyWord-
Mas Simone, porque cores tão esdrúxulas?
Não são esdrúxulas. Apenas a primeira regra do meu manual de webdesign é: escolha as cores pelo seu nome. Quanto mais literário, melhor. Numbers are for sissies.
Agora, switching to cinema mode. Eu li o roteiro de Beleza Americana. É o melhor modo de aprender roteiro. Não gosto de salas de aula. Curto muito mais aprender sozinha.
Mas o que muita gente não sabe é que o início e o final do filme eram diferentes. Descobri isso assistindo os extras do DVD e lendo o tal roteiro. Jane e Ricky eram condenados (injustamente) pelo assassinato do Lester. O filme começava com Ricky cantando, na prisão, I'm fixing a hole. Seria legal também a cena do tribunal onde o júri, escandalizado, assiste a fita de Jane pedindo a Ricky pra matar seu pai.
Aliás, na cena original, Jane era bem mais desenvolta. E devia estar sem blusa, mas no filme não estava. Por quê? Porque era desnecessário: tinham cortado, também, uma cena em que a fita passa num programa de TV (The Real Dirt), com a gracinha dos seios digitally blurred (a hipocrisia da televisão) passando a nítidos logo depois, na cena do júri.
E desenvolvendo um pouco mais o tema gay do Coronel Fitts e a doença de sua mulher.
E Jane, na prisão, assistindo Angela num Baywatch-clone (Angela Hayes as Julie...).
Ficava um filme bem mais fechado. Você não sente uma sensação de coito interrompido ao ver American Beauty? É que os adolescentes escaparam, foram pra NY, após uma pequena retenção (matou seu pai? não? então está bem.). Faltou os adolescentes se foderem. Os adolescentes sempre se fodem.
Se eu fosse uma crítica literária, faria exatamente aquilo que o Paulo Pires diz, pelo menos no que se refere a não ficar embasbacado por receber tantos lançamentos digrátis no-conforto-de-seu-lar mas sim, passear pelas livrarias em busca dos lançamentos pobres, pequenos, anônimos e mal marketeados. E nem precisa ser uma livraria alternativa, não. Serve uma megastore da vida, especialmente se a crítica for anti-social: nenhum atendente chegará perto, com medo de saber menos que o cliente.
Na Siciliano do Shopping:
"A filosofia dos Simpsons", espécie de "A filosofia da Matrix" clone. Mas parece interessante, apesar de superficialzinho, não-acadêmico.
"Cantiga de ninar". Também conhecido como "livro novo do Chuck Palahniuk", também conhecido como "o cara que escreveu Clube da Luta, não o filme, o livro". Gosto dos personagens dele. Nesse tem uma feiticeira adolescente, que tem um namorado hacker chamado Ostra.
"Aritmética", o novo da Fernanda Young, que tira fotos cada vez mais escrotas para quartas-capas. Pelo menos na sinopse, parece que ela finalmente saiu do esqueminha "casal neurótica-controlado". Agora são várias neuróticas e vários controlados. De repente é até bom. E ficou melhor o esquema de capítulos curtos. Possível best-seller, por envolver tema universal (matemática) e "forças maiores que controlam o destino das pessoas" (uma equação, no caso). Isto sempre funciona. Pelo menos para o Paulo Coelho. E é possível escrever bons livros a partir disso (mas não EM CIMA disto; é diferente, é diferente!).
Sinceridade. Espontaneidade. Eu gostaria de ler análises como estas em cadernos literários, mas não é o que acontece. O "Prosa e Verso" está cada vez mais chato, exceto por duas vezes mais ou menos recente em que o Antoun e o Ximenes fizeram matéria, e olhe lá. As colunas fixas são irregulares, às vezes têm muita punhetice. Enquanto isso, vou escrevendo o meu próprio caderno literário. Não dependo de anunciante, mesmo.

21.4.04

Comprei sete livros daquela promoção Globo/Folha:
Quase memória
Trópico de Câncer
O senhor das moscas
O amante
A consciência de Zeno
O grande Gatsby
O caso Morel
Estes dois últimos eu já li. Tirei a capinha escrota, sentei e li. Escolhi os dois porque senti que ajudariam a escrever meu livro.
O caso Morel não é meu tipo de livro. É bom, mas não combina comigo.

"Estes acontecimentos duraram algum tempo até que terminaram, como sempre, em cansaço e desinteresse."

Achei essa a melhor frase do livro. Penso nela a toda hora.
Mas O Grande Gatsby me deixou sem fôlego. A ambigüidade dos personagens; a habilidade de ter tecido uma história com aparência de real e qualidades de ficção; as imagens (e uma boa tradução). Aos trechos:

"Jordan Baker evitava, instintivamente, os homens inteligentes e perspicazes - e eu, agora, percebia que ela assim agia porque se sentia mais segura num plano em que qualquer divergência de um código de conduta teria sido considerada impossível. Ela era incuravelmente desonesta. Não lhe era possível suportar uma situação de desvantagem e, devido a isso, começara muito cedo, creio eu, a lançar mão de subterfúgios, a fim de conservar o seu sorriso frio, insolente, com que encarava o mundo, e satisfazer, ao mesmo tempo, as exigências de seu corpo rijo, elegante."

"- A voz de Daisy é indiscreta - observei. - É uma voz cheia de...
Hesitei.
- Uma voz cheia de dinheiro - disse ele, súbito.
Exatamente! Eu jamais o percebera antes. Uma voz cheia de dinheiro... que constituía o encanto inexaurível que ondulava nela, que nela tilintava... a canção de címbalos que havia em sua voz... Num alto palácio, a filha do rei, a jovem dourada..."

"Benny McClenahan chegava sempre acompanhado de quatro garotas. Nem sempre eram as mesmas, mas se pareciam tanto umas com as outras, que davam, inevitavelmente, a impressão de que já tinham estado lá antes. Esqueci seus nomes... Jaqueline, creio eu, ou, então, Consuelo, ou Gloria, ou Judy ou June e seus sobrenomes consistiam de nomes de flores ou meses, ou de nomes mais severos de grandes capitalistas americanos, dos quais, se a gente insistisse, diriam que eram primas."

"O grande salão estava cheio de gente. Uma das moças de amarelo estava ao piano e, ao seu lado, encontrava-se uma jovem senhora alta, ruiva, pertencente a um coro famoso, a cantar. Tomara grande quantidade de champanha e, enquanto cantava, decidira, ineptamente, que tudo era muito, muito triste - não estava cantando, mas, também, chorando. Sempre que havia uma pausa em seu canto, ela a enchia de soluços arfantes, entrecortados, reiniciando, depois, a parte lírica em trêmulo soprano. Lágrimas deslizavam-lhes pelas faces - mas não o faziam livremente, pois, ao entrar em contato com os cílios exageradamente pintados, adquiriam uma cor de tinta de escrever, e continuavam o resto de seu caminho convertidas em lentos e negros arroios."

"- Dominar-me! - exclamou Tom. - Só o que faltava, agora, era eu permitirque um joão-ninguém, vindo de não se sabe de onde, fizese a corte à minha esposa, enquanto eu permanecese de braços cruzados! Se é essa a sua idéia, pode tirá-la da cabeça... Hoje em dia, começa-se por zombar do lar e das instituições da família; dentro em pouco, não se respeitará mais nada, e teremos casamentos entre brancos e pretos.
Animado pelo seu palavrório, via-se a si próprio como se estivesse de pé, sozinho, sobre o último baluarte da civilização.
- Aqui somos todos brancos - murmurou Jordan.
- Sei que não sou muito popular. Não dou grandes festas. Creio que é preciso transformar a casa da gente num chiqueiro, para que se tenha amigos... no mundo moderno.
Embora furioso como estava, como todos estávamos, eu sentia-me tentado a rir toda vez que ele abria a boca, tão completa era a sua transição de libertino a pedante."

19.4.04

As caipiras de hoje são sexy. E não são sexy como a Rosinha (a namorada do Chico Bento, não a do Garotinho, por favor). São sexy como Gisele Bündchen no comercial da C&A, como Dominique Swain em "Lolita". Magrelas e desenvolvidas, porque o "progresso" capitalista não chegou até lá com açúcar, mas com quadras de esporte. Não se entopem de perfume da Avon e havaianas usadas da patroa como as suburbanas cariocas. Não. Saem da escola estadual, recém-reformada, com perfume de jasmim, cabelos estilosos e acessórios gangsta-rappers. No meio do caminho, tiram discretamente a blusa uniforme para revelar frentes-únicas e blusas de uma só alça. Comentam a feiúra ou a beleza dos uniformes da escola. Emprestam CDs até a quinta-feira para as amigas copiarem em fitas, desde que não voltem arranhados nem com o encarte rasgado. Têm fichários das Meninas Superpoderosas. Carregam skates por aí e praticam na beira da União-Indústria. Falam mal dos pleiboizinhos. Sim, dizem gírias e palavrões, os mesmos que os nossos, mas há uma falta de vontade de parecer blasé, malvado, malicioso.
Estão certas em xingar. A suburbanização orquestrada pela violência empurrou pleiboizinhos para as cidades médias, mães de um loiro desmaiado preocupadas com seus rebentos, cercados de u-tererês e metralhadoras, pressionando seus maridos ricos por exatamente esta "qualidade de vida". Estes pleiboizinhos vão para as particulares e depois, Universidade Católica de Petrópolis ou Estácio (até lá tem, eu vi). E poluem o ambiente cantando funks e anti-hinos botafoguenses na parte de trás do ônibus, e desejando as caipiras.

16.4.04

Queria me dar a liberdade de escrever livros poliglotas. Por que certas frases têm que parecer tão melhor em línguas que não a nossa? Por que traduzir tem que ser tão difícil?
"Algo mancava em algum lugar." Eu pensei nessa frase, em puro e lindo francês, para o livro. No original, "quelque chose manquait à quelque place." Aliteração com QU. E essa porcaria de frase foi o melhor que pude fazer. "Alguma coisa faltava em algum lugar" é execrável. Não tem as marcas de revisão? Pois vou deixar as marcas de tradução. Vou deixar a folha de caderno toda suja de pêlos de borracha e traços fundos de lápis, só de birra.
Ou talvez seja mais simples deixar a frase em francês, e quem não entender "va-t'en". Das merdas sempre nos lembramos.
Sou uma pitonisa. Sentada numa trípode, inalo os vapores da pós-modernidade e sopro profecias sem sentido. Isso não é interessante. Uma pessoa sentada, respirando e falando lunatiquices malcosturadas não pode ser interessante. O que os sacerdotes vão interpretar a partir do que eu disser, isso é interessante. E depois a gente divide o dinheiro.
maya_sibylla, a feiticeira da aldeia.

13.4.04

Eu leio TUDO. Se não tem nada para ler, eu leio rótulo do xampu, etiqueta de colchão. Na Disney, cheguei a ler a Bíblia do hotel, descobrindo que o Apocalipse em inglês era "Revelations". Na Inglaterra, comprei um livro horrível por 6 libras e arranjei tempo pra ler, apesar de dormir 4 horas por noite, acordar às nove para a aula, andar o dia todo, dançar até a madrugada. Passei 3 semanas. Quando voltei, tinha perdido 4 quilos.
Mas, podendo escolher, leio especialmente tudo o que é BOM. Não importa o que os outros achem. Li até Sidney Sheldon uma época. Enjoei no segundo, mas li o primeiro, sim, com entusiasmo. Estou lendo "Neuromancer", acabei de ler "O caso Morel" (as pessoas vão achar que copiei esse livro, quando "A feia noite" sair). O penúltimo foi "O papel do jornal", do Alberto Dines (descobrindo que alguns livros da bibliografia opcional são legais). O antepenúltimo foi da bibliografia também ("Notícia, um produto à venda").
Eu odiava quem lia Harry Potter. Geralmente, patties deslumbradas que levavam o livrinho pra aula e nenhum caderno. Um dia, peguei e... achei bom. Do nível do Roald Dahl. Os ingleses são ótimos.
O problema é que vicia. Te inspira comparações horríveis. Desculpem. Se não quiserem saber, ignorem a próxima passagem.

A lista de discussão da faculdade que está pegando fogo: detratores e defensores do Saboga, o Snape do pedaço. Pega os calouros, 1o período. Não importa o ano, reprova 80% de uma turma e 50% da outra (aquela com a qual ele simpatiza mais).
E Olho-Tonto Moody, com suas histórias mirabolantes: Argolo. "Senta que lá vem história". Várias cicatrizes. Alguns dizem que ele é maluco.
E a Trelawney, a vidente picareta, cabeça-nas-nuvens: Guaraciaba. Ela se referia à mim como "menina de short".
E o Dumbledore, Zé Henrique. Ele raspou a barba que o deixava tão parecido com ele, mas continua de óculos redondinhos. E sabe que a faculdade é uma merda, mas se esforça para ajudar os alunos a lidar com os furos (rombos!) acadêmicos.
Temos um gato que entra nas salas de aula e um porteiro-Filch que já trancou "acidentalmente" a Umbridge, quer dizer, a professora Fátima, na faculdade à noite.

Não lembro muito da cara dela. Um dia, depois de um passeio na Leicester Square, onde tem vários cinemas, o grupo de latinos com quem eu andava viu uma aglomeração de repórteres e fotógrafos perseguindo uma pessoa. Pensamos que devia ser alguma estrela de cinema. Fomos ver quem era. Com pouca coisa para carregar, ultrapassamos eles e chegamos a um beco, onde caras de paletó guardavam uma dirty blonde balzaquiana, cabelos no ombro, sem saber onde pôr as mãos. Nenhum de nós sabia quem era ela, e ficou aquele vácuo de constrangimento, mínimos "quién es?" "who is she?" "quem é?" voando pelo ar e todos parados com cara de bobos. Ela ficou meio decepcionada também. Achei que era alguma atriz local da Inglaterra. Mas ela parecia tímida demais para ser atriz. Acho que estive bem em frente à J.K.Rowling sem saber.
Tentei guardar a cara dela, porque podia ser alguma starlet que futuramente eu poderia vir a ouvir falar de, mas sou péssima fisionomista. Assim como entrei em várias (várias!) livrarias e não me lembro de ter visto um livro do Harry Potter (talvez tivessem comprado tudo - estive lá em julho de 1999, quando lançaram o terceiro livro). Fico só no achismo.

12.4.04

Entrevista com o antropólogo Otávio Velho na Folha de SP de hoje, grifo meu:

"Velho - (...)Há diferenças também entre o governo Lula e o de Fernando Henrique.

Folha - Por exemplo?
Velho - A política externa. Para mim, o ponto alto do governo Lula. Houve realmente uma ousadia, uma capacidade, que faz diferença. Agora, voltando à questão da desilusão, há uma certa dificuldade hoje de se saber qual é de fato a natureza da atividade política, uma tendência de avaliar a política com parâmetros que não são dela.

Folha - O sr. pode explicar melhor?
Velho - Nesses momentos de escândalo e de corrupção, por exemplo. A idéia de que saiu alguma coisa errada permite que surja uma espécie de moralismo pelo qual tudo é julgado a partir da moral e da ética. Não é assim que as coisas acontecem. Você não julga um bom artista pelo seu aspecto moral, mas por ele ser bom naquilo que faz. Um bom político não é necessariamente o mais moral ou o mais ético."

Sad but true. E o negócio do artista, bem, eu disse ontem.

"Folha - O sr. não acha que esse realismo não é desmobilizante, uma ameaça à democracia?
Velho - Pelo contrário, acho que ameaça à democracia são justamente essas ilusões da elite e, portanto, a outra face que são as desilusões."

Vale muito a pena ler, mesmo se for para discordar.

11.4.04

Tinha 15 anos e meio quando achei, na livraria do Espaço Unibanco, quando ainda era livraria e não sebo, "A sombra das vossas asas", da Fernanda Young quando era apenas uma maluquinha desconhecida. Eu quis aquele livro. Com 17 anos achei que já tinha maturidade para lê-lo e pedi de aniversário. Meu pai pediu pela internet (o primeiro livro que pedi pela internet) e interceptou-o. O livro era dividido em partes e uma das partes se chamava "Todo cu é preto".
Mesma coisa quando tinha nove anos, achei "Boitempo III", do Drummond, na estante, e fui mostrar pra ele, olha só, que tinha palavrão na poesia, e ele me tomou o livro. Os pais acham que a gente não cresce.
Mas não é disso que eu queria falar. O problema era a Fernanda Young. Eu não gostava dela, e quanto mais ouço e leio sobre ela, menos gosto. Não gosto dos temas dela também. Mas ela escreve de um jeito que, em alguns livros, encaixa com os temas num clic de perfeição. O universo da obra em si é completo, uno. Fala-se com propriedade sobre o assunto, e isso é tão raro... ver alguém realmente pensando. Tenho dois, o "A sombra..." (para mim, o melhor) e o "As pessoas dos livros", que achei um pouco mais chato.
Ontem vi um filme do Walter Hugo Khouri, Forever. Punhetice pura também. Mas os diálogos são bem feitos, as motivações são claras... e o final, tenho que dizer, coerente. O que eu posso fazer senão assistir? Ah, no meio do filme, me surge a Ana Paula Arósio cabeçuda, com 16 anos. Mas isto também é outra história.
Estou querendo dizer é que mesmo sendo um canal de expressão do autor, a obra não está vinculada a ele. Você pode abominar um autor como pessoa ou arrolá-lo como alguém com que jamais travaria uma amizade, saber que ele se inspira nas próprias fantasias ou experiências pessoais para realizar uma obra, e ainda assim gostar da obra. Se o estilo em que o sujeito expõe suas idiossincrasias lhe agrada, até a discordância é um prazer. Então compro livros de pessoas que acho ridículas. Mas bom mesmo é comprar daquelas pessoas com as quais você se sente em sintonia, como a Indigo. Ainda vou comprar o "Caixinha de Madeira".

9.4.04

Não acredito que achei isso. É que Arnaldo, o amigo de Francisco, "alisa gislaines oxigenadas em boates duvidosas" e Jucilene é o nome verdadeiro da "trabalhadora" July Petite. Agora, sem nenhuma implicação ou comparação, acho que estas senhoras captaram a essência dos nomes muito melhor que eu jamais poderia fazer.
"Caralho", "muito foda" esse texto!

8.4.04

Se a alguém interessar, depois de dois anos sem atualizações, reformulei minha página pessoal. Ela já estava me incomodando, coisas antigas demais (como falar sobre mim). Não tem nada de tão diferente assim, exceto o look e a parte de legendas. De qualquer forma, cliquem ali do lado e testem os links por mim.

7.4.04

Acho que estou virando direitista.
Já aconteceu 2 vezes: estou passando por aquela calçada do campus, vem o carinha, livro na mão, tendo terminado de falar com uma polite girl de Serviço Social e:
- VOCÊ GOSTA DE POESIA?
- Não.
Vamos esperar para ver quanto tempo ele demora até me reconhecer.

1.4.04

Ou isto ou aquilo
Cecília Meireles

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


Eu odiava esse poema. Ele me afrontava. Me dava culpa. Meus operadores booleanos eram diferentes. Sempre pedia jujuba E delicado, um presente da mamãe E outro da vovó. Nem era tão mimada, a culpa não era tanto deles. Eu é que queria demais.
Já usei luva e anel ao mesmo tempo, já vi sol e chuva resultarem num arco-íris. A vida é mais complexa que isso, Cecília.
Doce Doxa

- Ficou pronto o exame de sangue?
- Doutor, ela está com 20 mg/l de Análise de Discurso.
- Puta merda!
- Tão jovem e tão perdida.

"A invenção, na Retórica, é a primeira parte de preparação de um discurso. Os lugares de argumentação do discurso eram divididos em 3 provas: ética (despertar o ethos), patética (despertar o pathos) e lógica. O ethos consiste em criar uma imagem moral do orador perante o público; o próprio orador tem que criá-la e sustentá-la. Não se trata de auto-elogio: não é dito expressamente (“eu sou legal”), mas o público intui isso pela forma como ele discursa. O pathos consiste em provocar “paixões” no público, inflamá-lo a favor da posição do orador, logo, exige conhecimento psicossocial sobre as paixões. Juntos, se bem trabalhados, ethos e pathos criam uma doxa, senso comum, uma espécie de ambiente virtual comum a público e orador e, portanto, faz com que concordem entre si. Estas duas provas destinam-se a capturar o público pelo lado emocional."
Blogs sem comentários são tiranias (igual na origem da retórica). Blogs com comentários são democracias. A questão é: você confia no povo? O povo vai tacar ovo podre em você - às vezes, sem motivo nenhum. Internet, terra sem lei, cheia de covardes à solta. Mas democracias não-virtuais, assim como as tiranias, têm leis e polícia para conter eventuais flamers. Algumas "democracias" abusam do poder e prendem mesmo os críticos cobertos de razão.
Fica a questão: blogs, especialmente os sem comentários e pertencentes a narcisistas, são doxas? Ora, vocês podem me mandar um e-mail...

O Cocadaboa fez um texto no mínimo interessante sobre (de)formadores de opinião. Extratos do texto do Cocadaboa:
"Mas a grande novidade é que muita gente lê, mas quase ninguém se importa com o que dizem os formadores de opinião. As únicas pessoas que perdem tempo lendo e acompanhando suas séries de complexos raciocínios são os outros formadores de opinião, que precisam fazer isso diariamente para mapearem onde está o senso comum e descobrirem o que vão poder escrever em suas próprias colunas."
Ooh.
“O exército de formadores de opinião são como uma fila de cupins andando em círculo, onde um come a merda que o da frente fez, a digere e a caga para o de trás comer”.
Não seria isso a polifonia de Mikhail Bakhtin em pleno funcionamento?
"O povão é na verdade quem impõe a ordem e forma as opiniões dos formadores de opinião, dizendo se naquela semana o círculo vai girar no sentido horário ou anti-horário".
Receptor-marionete? Acho que não.