24.11.13

Opting Out (Pedindo pra sair)

POLÊMICA: inventaram um app para mulheres darem notas e comentarem os homens. Isso mesmo, fazer review de caras. Todo homem inscrito no Facebook está suscetível, mas existe um opt-out - um pedir-pra-sair. Está fazendo o maior sucesso. Muitos homens estão reclamando, se dizendo ofendidos.
A jornalista Ana Freitas fez um texto relatando um diálogo interno que ela teve ao saber da existência desse app. Leiam, pois vale a pena. Ela diz que é uma objetificação dos homens por parte da mulher - mas é uma brincadeira - mas é babaca - etc. Gostei do raciocínio dela até a pergunta final: "você quer um feminismo que quer que a mulher tenha todos os direitos do homem, tipo objetificar e assediar caras na rua (ou seja: ser babaca!), ou você quer um que acabe com qualquer objetificação e assédio?" E ela diz que quer o segundo...
Mas pera, eu não acredito em uniformização. Quer dizer: pra mim, a extinção absoluta dessas cantadas de rua, às quais chamarei "pedreiragens", é perda de variedade no ecossistema. Só podia ser menos obrigatório pros homens ter que passar cantada na rua (nem todos realmente gostam) e, por conseguinte, menos obrigatório pras mulheres ter que ouvir isso (nem todas gostam de ouvir).
E há um motivo para o sucesso desse app. Só se fala coisas potencialmente ofensivas de alguém quando a pessoa não pode ouvir ou, se ouvir, não puder reclamar. O app se parece com a criação de um espaço de mulé pra falar pedreiragem sobre homens. Pelo jeito, as mulheres curtem objetificar sim. Só não tinham espaço pra isso.
Isso sim nos diz algo sobre nossa sociedade: o cara fala pedreiragem diretamente para a mulher na rua porque ela, para ele, não conta como alguém que importa. Não tem voz, nem defesa. Não conta como ser humano. Os caras tratam o mundo como seu playground nesse aspecto: "se ela não gostar, não vai reclamar porque vai pegar mal pra ela; se reclamar, não vai me importar, e vou demonstrar isso chamando-a de alguém que não gosta de sexo ou não atraente, que é o único valor que ela pode ter". Pessoalmente, posso dizer que 90% das vezes a "tréplica" a manifestar que não gostei foi ser chamada de mal-comida e branquela azeda pra baixo. 10% dos caras se envergonha, acata o feedback, a realidade do "quem fala o que quer, escuta o que não quer".
Então, não gosto mesmo de cantada de rua, mas jamais militaria contra ela. Minha campanha é pro cara se dignar a ouvir minha opinião de volta. Realmente ouvir. Até porque vai que alguma mulher curte a cantada dele e tem a liberdade de expressar que sim?
O que chamo de flertada de rua é mais legal: a pessoa procurar o olhar da outra. É legal porque as duas partes têm a opção de participar ou desistir, ser mais ou menos ousadas, e o jogo vai se prolongando (ou não) com a anuência das duas, e não tem a menor obrigação de terminar em chopp/sexo. Eu diria até que não tem a menor condição de terminar assim e por isso a total liberdade do negócio, mas vai que.
Na flertada de rua dá pra qualquer das partes desviar o olhar no momento que quiser. Não dá pra desviar o ouvido da cantada. Aliás, note só a proliferação de fones de ouvido, especialmente entre as mulheres, especialmente entre as mais jovens, especialmente em transportes públicos. Isso não é tanto amor pela música assim.

13.9.13

Sobre a pesquisa do fiu-fiu: Entendo que os homens possam se sentir oprimidos por não poderem trepar com/assediar quem quiserem, mas boa parte deles acha que tem a opção de "desabafar" com fiu-fius e afins. Só que a mulher também deseja, e deseja positivamente; ela também é oprimida por não poder trepar com/assediar com quem quiser e ela jamais acharia que pode "desabafar" com fiu-fius na rua da mesma forma. E tem que ouvir o dos outros, quer queira, quer não (ninguém pergunta pra ela). A pesquisa do fiu-fiu é essa pergunta.
A pesquisa não diz pro homem parar de desejar. Só diz que as mulheres estão incomodadas com a desimportância do próprio feedback na transação. Sem fiu-fiu, há pleno espaço pra trocas de olhares a distância e um flerte de ida e volta, com a participação da mulher, ou até com ela começando! O fiu-fiu vem quando a mulher não começa o flerte, nem olha de volta, seja porque não curtiu o rapaz de volta, seja porque está concentrada em algum problema intelectual, pessoal ou corriqueiro (eu, na maioria dos casos). E, oras, a mulher não tem o direito de pensar em algo que não seja o macho à sua frente? Que afronta, querer ditar o propósito da mulher estar no mundo... eu estou no mundo por/para muitas coisas, pelo menos.

28.8.13

Momento lindo

Depois que ganhei vodca na boca da Sasha Grey, fiquei toda ansiosa para que saísse logo a foto. A música é ótima, mas o maior lance da festa I Hate Flash são as fotos, tiradas por um coletivo de fotógrafos profissionais, que as disponibilizam em copyleft no site depois de escolher as melhores. A festa foi num sábado, e, na terça-feira, a foto saiu:



A foto ficou muito melhor do que eu poderia imaginar. Foi uma conversão digna do que eu senti naquele momento lindo. Foi batida com arte, selecionada com carinho. Mas sabendo que devia haver mais fotos, eu as cobicei. Daí encontrei esse aviso no FAQ do site:

“Uma foto minha, que foi tirada no evento não saiu no site, é possível recuperá-la? 
Infelizmente, não. Apenas selecionamos o que consideramos as fotos mais divertidas e espontâneas de cada evento, e devido a um fluxo de trabalho que demanda velocidade e espaço em disco, estamos acostumados a deletar o que não entra pro set. Desculpa!”

Divertida minha foto. Concordo. Agora, espontânea? Minha performance informada por anos-luz de pornografia, espontânea? Fiquei quase ofendida.

Dando uma olhada nas outras fotos dos demais felizardos da festa, a afirmativa sobre “espontaneidade” se torna ainda mais incompreensível. As pessoas nitidamente estão tentando parecer bonitinhas na foto – sem arreganhar demais a boca nem espichar a língua –, ou segurando a garrafa de vodca, ou olhando para a câmera, ou segurando um celular com que estavam tentando “guardar” o momento. Amiga, você não pode ter o presente por mais de um momento. A própria definição de “presente” o proíbe. Com essa tentativa de espetar o tempo na cortiça, você deixa de ter o presente até no momento em que você tem direito a ele.

Sempre fui muito amiga do presente. O que você mais ouve nos vídeos das minhas festas de infância é uma narradora onisciente raivosa – minha mãe – ralhando comigo por eu não querer olhar, sorrir e dar tchau para a câmera. Eu preferia ficar fitando o nada, ou brincar nas esculturas de jardim do salão de festas, ou desmaiar de mentirinha nos braços das minhas amigas. Aprendi a ignorar a câmera, e a minha mãe, se quisesse viver o momento. Não era apenas a minha mãe. Eram as meninas consumistas da escola, os passadores de cantada da rua, as figuras de autoridade que se sentiam ameaçadas e tentavam me esmigalhar.

Se estão constantemente tentando te humilhar, depois de um tempo você não fica mais vermelha. E aprende a ver as causas. Por que sempre comigo? As estruturas de poder e as motivações ocultas se tornam transparentes. Você aprende a requisitar o seu poder lá dentro, e a dar uns empurrões nas vigas para as coisas mudarem.

Sábado passado, quando Sasha começou a discotecar, 90% da festa levantou os celulares e começou a filmá-la. E ela continuou trabalhando muito concentrada na mudança de faixas e equalizações. E arrasou no set. Como ela fez isso? Como ela é capaz?

Bem, não é só “concentração”. É um dom para evitar a autoconsciência que foi percebido cedo e muito bem treinado. Esse dom passa por compartimentar os circuitos da mente (como num quadro de luz) e treinar a mente para desligar os corretos em momentos de estresse. O nervosismo de falar/atuar em público (stage fright), o constrangimento, a humilhação: tudo isso traz uma resposta não-verbal (cinésica), que todo ator, desde o primeiro exercício de teatro, aprende a recondicionar. Mas as emoções estão lá, e têm que sair por algum lugar.

Você não precisa ter feito teatro para aprender isso (e que a lente da câmera distorce a imagem do corpo; e que a presença da câmera faz as pessoas se comportarem diferente; e que os critérios de edição desse material audiovisual podem fazer com que sua presença não seja “registrada”, dando vontade de levar também sua câmera particular para “mostrar que foi”). Quer dizer, as pessoas sempre adoraram julgar as outras. Só aumentou o número de olhares, e o tempo que eles armazenam a fofoca. Hoje em dia sempre tem câmeras apontadas para você, por mais que você não goste delas. Então evitar a autoconsciência se torna uma capacidade essencial.

Quando digo às pessoas que sou esquizoide, me refiro a essa capacidade de me proteger dos julgamentos da realidade por compartimentação. Não que eu seja incapaz de afeto. Às vezes, uso meus poderes do jeito errado, e perco um aspecto fundamental do presente, ou magoo as pessoas, ou, o mais comum, as deixo confusas. Nessa festa, minha estratégia (não espontânea!!!) foi dançar com o DJ, em frente à caixa de som, como uma clubber old school (é bom ter 30 anos), não procurando o olhar de ninguém, nem as câmeras, nem o do DJ, sendo apenas um corpo que dançava informado pela música. Não fiz um vídeo, não tirei uma foto. Na hora, perdi a presença de um amigo a metros de distância (tudo bem que ele emagreceu mais de dez quilos), e quase que perco Sasha distribuindo vodca. Provavelmente agi de forma bem antipática para padrões cariocas. Mas consegui evitar a porcaria da autoconsciência. E meu amigo não-reconhecido, muito solícito, estava com uma câmera e registrou a minha dança. Porém, de seu ponto de vista tampado pela mesa de DJ, ele não viu o momento da vodca dada na minha boca. Mas sei que, mesmo que não houvesse a foto acima, ele acreditaria em mim e comemoraria o momento comigo. O que pra mim ainda é a medida de uma amizade legal, apesar de todas as modernidades.

21.8.13

"A cultura do carioca é ser sujo"

Começaram a aplicar a multa do Lixo Zero no Rio. Pra quem não sabe, é a iniciativa que pretende mudar a mania do carioca de jogar lixo no chão. Como cidadã caxias e limpinha, acho ótimo. Mas nem todo mundo acha.

"Multado por jogar uma guimba de cigarro no chão, na esquina da Rua da Assembleia com a Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, neste primeiro dia do programa Lixo Zero, o consultor de beleza Ney Eckhabt, de 51 anos, disse concordar com a iniciativa. Mas acha que o esforço das autoridades para tornar a cidade mais limpa pode esbarrar num fator cultural: o costume do carioca em jogar lixo no chão:
- A cultura do carioca é ser sujo. Não adianta querer mudar essa cultura de um dia para o outro." - reportagem de Giulliane Viêgas, do jornal Extra

Mas o fator cultural em questão nem é tanto "ser sujo". É mais uma tríade: a espontaneidade, a cordialidade e a comodidade.

Planejar onde jogar seu lixo ou esperar até enxergar uma lixeira enquanto anda pelo Centro do Rio parece inconcebível para um carioca típico. Ele pensa:
"Estou espontaneamente jogando minha guimba de cigarro no chão. Faço parte de um povo seleto: os despreocupados. A vida é boa."
Ao ser interpelado por um guarda querendo aplicar a multa, essa pessoa pensa: "você não está sendo legal comigo. Você não está sendo cordial. Você está me tirando do meu comodismo ao apontar meu erro. Por causa disso, vou castigá-lo com palavras sobre como você não faz parte do meu povo seleto, os despreocupados".
Isso é uma amostra do que encontro toda vez que falo com ciclistas pedalando por cima da calçada ou pessoas que não recolhem o cocô do cachorro. Meu "por favor" é recebido com de "vai encarar um tanque" pra baixo. Gente, eu só quero não pisar em merda quando saio de casa.

Pois é, nasci e cresci no Rio. Morei a vida inteira aqui. Se me eduquei para não jogar lixo no chão nem andar de bike pela calçada, foi praticamente um exercício em contracultura. Até meus pais jogavam lixo pela janela do Voyage! (Até eu começar a encher o saco deles. Ê, criança chata.) Aliás, na minha infância, de fato não havia lixeiras pela rua. Aí colocaram as lixeiras laranjas. Acabou a desculpa. Mas não a mania de jogar o lixo no chão -- espontaneamente...
Mas agora tem a multa, não é? E com multa, o comodismo sai de campo. Afinal, recorrer dá ainda mais trabalho... e pagar, jamais! É melhor treinar uma nova espontaneidade. Sendo assim, talvez sejam úteis essas dicas de quem conseguiu criar o hábito de jogar lixo no lixo:
1 - Aquela chapa de metal na parte de cima das lixeiras laranjas é pra extinguir o cigarro antes de jogá-lo nelas. Na falta disso, apague na sola do sapato.
2 - Você não é obrigado a pegar nenhum folheto que lhe derem. Se pegar, amasse-o e enfie na bolsa ou no bolso.
3 - Toda loja, restaurante e banquinha de comida tem uma lixeira do lado do caixa. Desove seu lixo de bolso lá.
Ao ler isso, o pessoal dos outros estados deve estar rindo da nossa cara, e com razão. Eu rio/choro mais é das desculpas que as pessoas multadas dão: "não joguei a guimba no lixo para não provocar um incêndio..." "não achei lixeira..." e a melhor de todas: "estou acostumado com a Europa". Tsss.

4.3.13

Dicas para a empresa moderna

Nessa era das redes sociais, vemos muitas empresas tentarem passar por descontraídas e meterem totalmente os pés pelas mãos. Isso pode acontecer em blogs de empresas, posts pagos, páginas de Facebook, anúncios para TV, ações publicitárias etc. etc. Se você é uma empresa, não se desespere. No melhor estilo post de blog empresarial, seguem dicas para evitar gafes, de uma pessoa física para uma jurídica, com muito amor.

1- Conselho: não dê conselhos.
Canso de ver blogs de empresas tentando se fazer de amiguinho do consumidor, dando conselhos, enfim, prescrevendo. Não tem coisa pior do que ver uma empresa fazer a íntima. Ainda que você, empresa, venda vibradores ou bolsas de colostomia. Aliás, aí mesmo é que você tem que se segurar e ir com calma na intimidade.

2- Não seja pão-dura. Muitos podem confundir sua pão-durice com insensibilidade!
"Poxa, eu tava só querendo estufar um pseudo-blog com pseudo-conteúdo pra vender meus produtos e incumbi meu estagiário aspirante a humorista de escrever alguma coisa... E agora a empresa está sendo injustamente xingada de machista, homofóbica e racista no Facebook -- só porque confiei cegamente na pessoa errada. Muito injusto!"
Isso também vale para "parcerias" com blogueiros que não dominam o português. Aliás, "parceria" quase sempre quer dizer que uma das partes não está recebendo nada por isso. Muitas vezes, merecidamente.

3- Não superproteja sua marca. Consumidores detestam isso!
A empresa age num esquema "Falou mal, tomou processo?" Ou vai contatar insistentemente a pessoa até tirar do ar? Todos sabem que isso é ridículo, pessoa jurídica. Comporte-se e fique na sua.

4- Não finja ser o que não é. Seja você mesma!
A empresa tem que se valorizar. Os consumidores é que têm que correr atrás dela e gostar dela como ela é.  Tudo bem que uma pessoa jurídica é naturalmente um pouco esquizo, mas pelo menos no primeiro encontro, disfarça, né?

5- Seja agressiva! Seja pitbull!
Cumplicidade não se finge, se conquista! Você não vai ganhar nenhum cliente ficando aí parada! Mexa-se! ÂNIMO! E tem mais: se alguém falar mal de sua marca, ponha a boca no mundo! Ninguém vai respeitar uma empresa que reage feito uma mosca-morta. Se preciso for, coloque aqueles folgados do departamento jurídico pra trabalhar um pouco -- se é que a empresa me entende. ;-)

6- Seja consistente!
Não adianta falar uma coisa para depois falar outra. Isso é coisa de gente louca e ninguém quer ficar perto dessa gente. Sugerimos escolher uma de suas personalidades e ficar com ela. Ao menos por um tempo.

7- Não use de tom condescendente com seus consumidores. Eles ficam irritados.
Muitas vezes, você usar de um discurso que explica a situação toda de forma tatibitati faz o seu consumidor um pouquinho mais inteligente ficar irritado. Por exemplo, talvez você tenha contratado postagens por número de caracteres, e isso motiva o escritor a enrolar, escrevendo de uma forma demasiadamente explicativa e adverbial. Outra coisa que pega mal é recorrer ao argumento do "senso comum" para esmigalhar a individualidade de seu consumidor -- dizer que "todos sabem", por exemplo. Também não se deve usar de argumentos circulares: dizem que brincar muito disso faz o cérebro vazar pela orelha. E quem não tem cérebro não pode lembrar da senha do cartão de crédito! ;-)


Será que a empresa ficou com a impressão de que eu não quis realmente ajudar, e sim tripudiar por todas as vezes em que vi um post ou anúncio supostamente direcionado para minha "faixa demográfica" me ofender descaradamente, seja em tom, na forma ou no conteúdo? Pois foi isso mesmo.


P.S.: Amiga da coluna lembrou de uma bem importante, empresa: Se você ou o estagiário pisar na bola não adianta ir correndo apagar o post e bloquear todos os comentários, isso só vai irritar os seus consumidores mais ainda; também não adianta dizer que o conteúdo não é seu e foi apenas compartilhado. Seja grande, seja honesto e não tenha medo de pedir desculpas e assumir o erro.