30.7.06

Vocês não estão cansados desses livros escritos por brasileiras cultas de ascendência européia sobre famílias disfuncionais de maioria feminina e cujos poucos homens ou são violentos ou emasculados, livros nos quais pelo menos um dos conflitos envolve ter filho - aborto, filhos deficientes (um must, deficientes), filhos de incesto, gêmeos, bastardos, whatever - e em algum ponto da história as irmãs, que não se dão desde a infância, fracassam nos casamentos ou whatever e retornam pra casa da matriarca, e em que do meio para o final há sempre uma morte, se doença, câncer, mas de preferência assassinato ou suicídio ou, ainda, área cinza entre os dois?
Bem, eu estou cansada. Isto, que bem merecia etiqueta própria nas livrarias (uma etiqueta enorme, "Livros escritos por brasileiras cultas etc." ou uma menor, "Genérico de Clarice")), continua sendo aclamado pela crítica e apontado como literatura feminina, quando nem literatura é mais: já virou artesanato.
É, eu sei. Mão pesada. Très méchante mermo e pouty: pah!

25.7.06

Descobri o problema deste país: é que aqui tudo vem com uma piscadela. Por exemplo: direito à educação de qualidade (piscadela), decoro parlamentar (piscadela), quem fizer bandalha vai em cana (piscadela)...

21.7.06

digressão

O meu maior medo é, quando e se eu for pruma outra editora, que desbastem demais o meu texto.
No livro novo, uso silencio na acepção hispano-lynchiana, sem acento. A maioria dos copidesques colocaria o acento no primeiro e, acusando um erro evidente. O problema é que copidesque é uma coisa que as editoras rolam os olhos de vontade de não fazer. Acabam pagando a alguém que vai enformar as frases e recalcar tudo para as séries usuais. Ou seja, se eu escrever "medicamente sóbrio" como no meu livro novo, eles vão mudar para "clinicamente sóbrio", que é o certo, é o que todo mundo diz.
Uma vez fui entrevistada por uma editora que queria um reversor de copidesque, ou seja, alguém com o tino pra recusar certas alterações feitas pelo copidesque, mantendo assim o "estilo pessoal" do texto. Acho que só não fui escolhida porque peguei o ônibus errado e fui parar em Sulacap, chegando uma hora e meia atrasada para a entrevista. Aliás, sempre que fico excessivamente obcecada por obter um cargo qualquer (geralmente funções estranhas como essa) acabo cometendo alguma tolice que me tira do páreo. A expectativa me atrapalha. Quando ouço não aos outros, mas à minha nonchalance natural, obtenho resultados muito melhores.
(Eu sei que não há futuro como em God save the Queen, então praquê me preocupar? Praquê pagar o INSS se o Lula de 2055 não vai honrá-lo? Praquê fazer concurso se algum presidente, por ser bom demais ou mau demais, vai despedir funcionários públicos em massa em 2030? Fora o perigo de alguma ditadura mandar todos os intelectuais para o gulag. Eu, hein. Apenas economizo para uma casual fuga do país.)
Desreforma gramatical

Emília, a boneca borderline, fez sua reforma no país da gramática há 70 anos. Hoje temos outras necessidades. Como eu já disse, há gente que escreve axxim. Há salpicadores de vírgulas andando, impunemente em nossas ruas. Na TV é engraçado falar errádio; e até mesmo na imprensa, certas críticas de cinema parecem mais um desserviço ao filme, com metáforas mais desengonçadas que as do Lula.
Desserviço, esta é a palavra. Os escritores sempre tiveram essa imagem de ter que respeitar a língua, mas a verdade é que muitos a renovaram com suas experimentações. Vanguardas ou não, todos usavam a língua como laboratório ? e em laboratório são produzidas invenções, é o que todos esquecem.
Então acho um desserviço repudiar qualquer traquitana lingüística de que se gosta por medo do opróbrio. (Detesto opróbrio, mas é tão feio quanto o que significa, então...) Quer dizer, repudio as traquitanas que tornem o texto irremediavelmente críptico; mas as traquitanas que fazem as pessoas mandarem emails para o editor dizendo que tem um erro na página 57, essas merecem ficar. Até porque pessoas que mandam esse tipo de email não merecem respeito.
Vejamos:
- A inutilidade das letras extras faz de uma palavra uma poesia. O lírio que vira lyrio, os phosphoros, a sahida e o hontem. Os acentos também: o sêco com seu guarda-chuva proibido.
- Também prefiro escrever com o fonema mais incisivo. Vudu assusta mais que vodu (Vô Du?), viado ofende muito mais que veado, e o resto vocês podem imaginar.
- Se eu não pudesse pôr expressões em outros idiomas porque diz melhor o que eu quis dizer, porque tem mais ritmo, porque é mais desenhado, Nabokov não poderia ter publicado Ada.
- Travessões são o máximo para diálogos, mas não os uso indiscriminadamente. Às vezes dois pontos e aspas ficam bem - para falas isoladas no final de um parágrafo reminiscente, por exemplo. Todos os copidesques são instruídos a uniformizar esse tipo de coisa. Ou travessão, ou aspas. Bah.

15.7.06

Coisas que fazem você saber que está na casa de um pós-hippie

Incenseira sempre com incenso
Cheiros estranhos (além do incenso)
Klimt
Tapeçaria de Sol Sorridente sobre o sofá
Livros espiritualistas e sobre ioga
Não há mesa de centro
Dois ou mais filhos
(por decorrência) Beliche
(por decorrência) Cabana de lençóis amarrados no beliche
Farelo no chão
Copos de vidro âmbar/plástico colorido
Gatos
Colchões no chão
Nenhuma comida "séria" em casa
(por decorrência) Pipoca pra jantar
(por decorrência) Não há café-da-manhã
Grandes cortiças ou murais cobertos de fotos, bilhetes etc.
Paredes cobertas de rabiscos, fotos pregadas com durex etc.
(por decorrência) Casa precisando ser pintada
Criações e inovações estranhas pela casa (como cinzeiros de argila e um complexo sistema de roldanas para abrir a tampa da lata de lixo, que quebrou o pedal)
Um canto-altar com imagens de budas, pirâmides, santos católicos, duendes etc.
Plantas em lugares que não a varanda
Sino dos ventos
Mesa de jantar pequena e que ninguém usa para comer

13.7.06

Coisas de que não gosto em título de romance:

título que parece de poesia
título infantil para livro adulto
pergunta
vírgula
vírgula logo depois de pronome pessoal
trocadilho acadêmico com hífen
título começado por numeral.

11.7.06

Ode ao escroto

Não estou falando aqui do babaca, como muitos podem confundir; nem do escroto que usa seu poder para o mal (como sorrir na sua frente e xingar pelas costas). O escroto é um cara didático, com lampejos de genialidade diabólica que o fazem enxergar onde ninguém está vendo. Ele acredita firmemente em certas coisas, mas é meio maquiavélico a respeito - ele sabe disso, e por isso sabe que tem que manter esse "demônio" sob controle, senão vai acabar desvirtuado. Então é muito rigoroso consigo mesmo (estamos na era da autogestão, bleah). O Francisco do meu livro novo, A feia noite, é um escroto. Eu até o confundi com um bocó no início, mas a verdade é que ele é ainda pior que a Maria Luiza (que vocês podem conhecer pelo blog dela).
Os escrotos desse tipo podem ser confundidos com caras bonzinhos, mas é fácil de identificar a diferença com algum treino e traquejo. Os escrotos reclamam muito (do verbo to bitch) de tudo e freqüentemente com argumentação impecável. O escroto é mozarlesco with a twist. Os escrotos fazem coisas chatas (por exemplo, piadas datadas) intencionalmente, só para fazer os olhos e o estômago das pessoas virarem. Um escroto está sempre te olhando e te analisando, mesmo quando você menos espera. Escrotos costumam ter TOC em maior ou menor grau. Você pode espernear o quanto quiser com esta afirmativa, mas eu te digo que o escroto quase sempre estará no controle da situação. Mas o escroto não chega a ser control freak; ele apenas tem o controle, não é obcecado por ele. Por essa razão, o escroto é um excelente aliado para um control freak.
O escroto será tão mais escroto quanto tenha apanhado da vida. Se esta tentou mudá-lo, pior pra ela: o escroto é a muralha da China. De algum modo, as experiências todas desde que ele saiu do útero só confirmaram o quanto ele estava certo. Ah, sim: o escroto sempre está certo. Não, nenhuma ironia nessa frase; digo isso com base em fatos. Escrotos costumam ganhar bolões e coisas assim. O palpite do escroto está mais para uma sentença, especialmente em assuntos escrotos, como a política.
Em suma, se não cair pelo "remoer como o mundo é injusto" ou pela própria inércia, o escroto é uma força da natureza.


Quanta música boa o shuffle botou pra mim enquanto eu escrevia esse post!

Coldplay - God put a smile upon your face
Mono - Silicone
The Beatles - Happiness is a warm gun
Procol Harum - A whiter shade of pale
stop bitching, bitch

Em Portugal, até onde sei, reclamar é principalmente "prestar queixa"; em francês, "reclamer" é "solicitar" em primeiro lugar e "prestar queixa" em segundo. Mas em nenhum dos dois "reclamar" é uma coisa que se mande as pessoas pararem de fazer quando estão com problemas; se têm problemas, reclamar é justamente o que se diz para elas fazerem. Só no Brasil o verbo reclamar é tradução pro inglês to bitch . Aliás, é mesmo uma coisa meio gestão empresarial norte-americana (=auto-ajuda), mas que o brasileiro adotou alegremente. Ou seja, brasileiro realmente (e etimologicamente) acha que a solução pras coisas é parar de reclamar e abrir um sorriso. E esse povo vota.

6.7.06

Quem não está fazendo um filme de ficção científica? Até o cara do Titanic resolveu fazer o dele...
Encontrei um blog que descreve tão bem a triste verdade do povo brasileiro que dá vontade de arrumar a valise e ir de bicicleta pro aeroporto.
Só pra não fazer copy and paste, que tenho certeza de que o dono do blog-coluna não vai gostar, mando vocês direto lá: http://superego.colunas.entretenimento.globo.com/. Garanto que não voltam tão cedo.
Me refiro especialmente aos posts Dia útil, de 03/07 (chegar cedo e sair tarde não significa "ser trabalhador"), e o Quantas gramas, minha tia, de 28/06, sobre restaurantes a quilo e obesidade.

2.7.06

Passaporte europeu

Agora sim está bom de ser patriota - pela minha outra nacionalidade. Até porque eles vão jogar contra a França.
(Não estou nem um pouco desolada, e um tanto quanto desligada. Dá até vontade de rir do quanto que as pessoas se importam: você abre a porta de elevador prum bombado e sua namorada, e eles entram devagar, cabisbaixos, dizendo: pô, valeu, cara, valeu... como quem acabou de perder a mãe.)