Desreforma gramatical
Emília, a boneca borderline, fez sua reforma no país da gramática há 70 anos. Hoje temos outras necessidades. Como eu já disse, há gente que escreve axxim. Há salpicadores de vírgulas andando, impunemente em nossas ruas. Na TV é engraçado falar errádio; e até mesmo na imprensa, certas críticas de cinema parecem mais um desserviço ao filme, com metáforas mais desengonçadas que as do Lula.
Desserviço, esta é a palavra. Os escritores sempre tiveram essa imagem de ter que respeitar a língua, mas a verdade é que muitos a renovaram com suas experimentações. Vanguardas ou não, todos usavam a língua como laboratório ? e em laboratório são produzidas invenções, é o que todos esquecem.
Então acho um desserviço repudiar qualquer traquitana lingüística de que se gosta por medo do opróbrio. (Detesto opróbrio, mas é tão feio quanto o que significa, então...) Quer dizer, repudio as traquitanas que tornem o texto irremediavelmente críptico; mas as traquitanas que fazem as pessoas mandarem emails para o editor dizendo que tem um erro na página 57, essas merecem ficar. Até porque pessoas que mandam esse tipo de email não merecem respeito.
Vejamos:
- A inutilidade das letras extras faz de uma palavra uma poesia. O lírio que vira lyrio, os phosphoros, a sahida e o hontem. Os acentos também: o sêco com seu guarda-chuva proibido.
- Também prefiro escrever com o fonema mais incisivo. Vudu assusta mais que vodu (Vô Du?), viado ofende muito mais que veado, e o resto vocês podem imaginar.
- Se eu não pudesse pôr expressões em outros idiomas porque diz melhor o que eu quis dizer, porque tem mais ritmo, porque é mais desenhado, Nabokov não poderia ter publicado Ada.
- Travessões são o máximo para diálogos, mas não os uso indiscriminadamente. Às vezes dois pontos e aspas ficam bem - para falas isoladas no final de um parágrafo reminiscente, por exemplo. Todos os copidesques são instruídos a uniformizar esse tipo de coisa. Ou travessão, ou aspas. Bah.