24.1.07

tabula rasa

Você não sabe a cara de ninguém, você limpa, inocente e cândida. Conseguiu terminar o jornalismo sem se contaminar – pois o jornalismo verdadeiro é coisa de psychos, que sabem de cor o nome, profissão e realizações de todo mundo (drop a name... and they give you the file).
Você se refere a "cineastas consagrados" em Bruzundanga como "aquele cara". Você e seus amigos da escola sabem que ele é uma fraude, um construto. Você chegou depois, as pessoas não entendem. A juventude dá uma liberdade de ser "frívola", quer dizer, fica óbvio para você que chegou agora que o tal consagrado é uma fraude, sempre foi uma ou se tornou uma, tanto faz. Você tem o distanciamento da ignorância do prévio. Ah, é, ele fez isso? Em 1974? Bem, e depois, o que é que ele fez? Você duvida do cânone, quer um milagre aqui e agora, não em 32 d.C. ou 1968 d.C.

23.1.07

Involutive star, do Poni Hoax, é a princípio uma música irritante. Começa etérea e minimalista, e então entra um refrão com guitarra decalcado de Franz Ferdinand. Até aí é uma música intrigante e acima da média. O mistério é o solo de guitarra cacarejante que começa lá pelo 1m38s e se repete aos 3m37s. "Por que colocaram isso?", fiquei pensando, "Estragou a música, além de não ter nada com ela...".
Fiquei besta quando comecei a gostar dessa parte da música. Cheguei à conclusão de que o experimentalismo deu certo. É o seguinte: o solo cacarejante é o som da involutive star. É para sugerir o espetáculo que deve ser a decadência dessa estrela no éter. É só pensar no tal solo como uma imagem; um pequeno videoclipe mental. Fica claro.

22.1.07

Feliz Aniversário, Maria Luiza

Ela que me perdoe por ter esquecido no dia, mas lembrei agora.
Maria Luiza Estrella faz aniversário dia 21 de janeiro. Sendo de 1982, acabou de completar 25 anos fugindo de praia. O livro em que ela vive, A feia noite, se passa no ano-palíndromo de 2002, quando ela tinha 19 para 20 anos. O livro termina no dia do Grande Apagão: 21 de janeiro de 2002 (por isso "acordam inocentes do apocalipse").
Na verdade, Maria Luiza nasceu exatamente à meia-noite. O médico perguntou para Heloísa se preferia colocar a data do nascimento do bebê em 20 ou 21 de janeiro, e ela respondeu 21, porque Aquário era um signo melhor, mas Maria Luiza sempre gostou mais da possibilidade capricorniana. Capricórnio, portanto.
Francisco, se ela ainda está com ele, deve completar seus 42 anos em maio - Touro. Mas tenho para mim (como sonhei outro dia) que ela debandou para uma pequena cidade no litoral de São Paulo que começava a florescer como point da moda, onde foi assassinada. Os suspeitos vão do jovem repórter que detonou a invasão turística ao moleque bizarro da colônia de pescadores. Todo mundo tinha motivos, entende?

*Daniele me avisou de que eu errei a conta. Em 2002, Maria Luiza completa 20, não 22. A verdade é que sou ruim de contas. Por isso coloquei Maria Luiza para ser "matemática": porque eu sou muito "português".

20.1.07

Hoje saiu crítica do A feia noite no Prosa & Verso, caderno de literatura de O Globo. Comprem o jornal ou... vejam aqui (grátis, só precisa se matricular).

19.1.07

making small talk

Hoje fui nessa festa. Um cara me viu bebendo coca-cola e perguntou se eu "não tinha vergonha de beber aquele líquido do imperialismo americano". Eu respondi que, fosse assim, seríamos também lacaios do imperialismo escocês (Red Label), francês, português e espanhol (vinhos finos). Depois, porque tinha prometido a mim mesma não ser grossa (= extremamente má) com as pessoas, acrescentei que geralmente só tomava mate, suco e água (produtos da Pátria Amada). "Isso, nós temos! Somos os maiores produtores de água do mundo!" acrescentou ele, entusiasmado. "Sim, temos água. E, os ricos, armas nucleares" - disse eu - "então logo vêm tirar da gente. Podemos tentar jogar Angra I na cabeça deles."
Também teve o cara muito parecido com Paulo Coelho que me viu dando meu livro novo à dona da casa (gentileza gera gentileza) e tascou:
- É poesia?
(Pelo tom de voz e pela sobrancelha esquerda erguida, é óbvio que "poesia" queria dizer loveversos emocore inspirados nos mestres imortais Vinícius de Moraes e Chico Buarque, não poesia pra valer.)
E eu, com a cara mais limpa desse mundo:
- Não. Romance. Segundo.
Fiquei esperando ele perguntar a minha idade. Ah, pergunta a minha idade...! Pergunta pergunta pergunta! Não perguntou. Já estava bom pra ele.

13.1.07

"As pessoas têm medo de você, Veronica..."

Veronica Mars é bom por algumas coisas. A principal é ter a vingança como mote. É escroto que, para atenuar isso, colocam aquelas pessoinhas que a Veronica ajuda a se vingarem, mas desistem de última hora porque são puras de coração.
Ah, e é uma das poucas séries em que adolescentes usam drogas e fazem sexo e são idiotas, e isso não é usado para fazer novelão (como em O.C.), mas sim a favor da história. Tem outras séries em que as coisas são camufladas, mas você infere pela fala dos personagens e pelo uso inteligente de estereótipos que tudo aquilo acontece, mas não é mencionável por política da emissora (como em Daria).
Outra coisa notável é a percepção de que, sendo impopular, você é invisível para os alunos; e sendo um aluno mediano (nem "problema", nem "gênio"), você é invisível para os professores. Veronica age totalmente fora do personagem para obter informação e os professores/colegas simplesmente não notam - porque já não estavam prestando atenção em como ela se comportava antes.
O episódio da Veronica contra os l33Tb0Yz é exemplar. Ela precisa se misturar com os freqüentadores de certa lan house e descobrir quem está por trás de um codinome. Mas não dá, porque estas criaturas nunca vêem mulher, então seria fácil desconfiar dela. O que ela faz? Ela se disfarça de colegial japonesa. Claro, se não dá para se misturar, faça um happening. O resto do episódio pode ser lido aqui, em inglês.

12.1.07

Tenho visto umas palavras bizarras na imprensa dos anos 60. Já fiz um post sobre isso, mas agora pesquei mais algumas:

gente bem = gente fina
infelicitada = estuprada
inverter = investir (como no espanhol atual)

11.1.07

Se for sensível, ignore os palavrões. Mas... com este texto Marcelino Freire acaba de ganhar meu respeito.

"Isso quando não escolhem novembro, dezembro. E o calendário todo, as estações do ano. Apelam para as "entranhas", gostam de palavras cafonas, rimas estranhas. Metem crepúsculo em tudo que é lugar-comum. Vou derrubando um por um. A saber: "a chuva cai lá fora". Qual chuva que não cai, ora bolas? E lá fora, então, é onde ela deve pingar, enxurrar. Não aqui dentro. Se chover aqui dentro, se levar meu sofá, se estragar meu apartamento, aí, sim, explico: a chuva pode dar um conto. Uma crônica. Um poema."

Eu quero dar oficina literária um dia também - para brincar de Paris Geller. slap!
O trabalho final de fotografia do semestre passado

Metálico


Bucólico


O metálico é mais impressionante que o bucólico, mas eu me sinto bem melhor assistindo o segundo, não sei porquê.

10.1.07

Seção extinta brevemente ressuscitada: livros + músicas

"Sarah" de J.T. Leroy, combina com "Babalu", de Ângela Maria. ("Yo le quiere pedi a Babalu/un negrito muy santo como tu/que no tenga otro negro/y que a mi me quiera").

"Ada", de Nabokov, combina com "Pass this on", The knife, remixado por Dahlback. ("I'm in love with your brother, and thought I'd come by")

"Breve história de quase tudo", de Bill Bryson, combina com "Supermassive black hole", do Muse (não tanto o "Glaciers melting in the dead of night/And the superstars sucked into the supermassive" quanto o "you're the queen of the superficial").

9.1.07

A verdade saiu da minha boca sem aviso

"Se você não está conseguindo ler meu livro", disse eu a meu amigo, "comece pela página 39. É que na verdade ele tem um defeito de fabricação: antes disso ele é chato. Hermético."
Ora, que bom. Entrei com A feia noite em outra lista de fim-de-ano, não só feita por alguém que respeito, mas com outros autores que respeito muito. Estou no comecinho de As sementes de Flowerville (entrei no escritório com Neumani), e como pensei "esse livro vai ser delicioso", achei melhor adiar a leitura e intercalar uns mais "difíceis".
Bati o pezinho mesmo foi quando Paulo Roberto Pires disse num desses eventos aí que autor brasileiro não lê "colega". Eu estava com três livros de autores nacionais recentes encomendados no Submarino, e para ler nas férias, quer dizer: lazer. Não agüentei e fui lá falar com ele, protestar (tá vendo? tenho ego, só se manifesta de forma diferente...)
Mas devo confessar que tenho essa mesma impressão que o Paulo tem. Alguns não lêem mesmo os "pares". Ou, se lêem, não sabem ou não querem citar "um contemporâneo que admiram" nas entrevistas. Não é obrigatório ler contemporâneos, mas caramba, não tem a mínima curiosidade? Deve ser medo de encontrar algo melhor do que escrevem. Eu também tenho medo, mas leio mesmo assim. É um medo misturado com ardor: eu quero ser superada, me enlevar com o livro, sentir ciuminho e querer fazer melhor - e quem sabe até fazer melhor. Fico tão decepcionada quando abro um livro salpicado de hype e ele não é de nada. E, pelo que o hype tem salpicado, putz, só acontece isso. Prefiro ir atrás do meu juízo que ganho mais.

(Acho que vou abrir aqui uma seção de substituições do hype pelo bom. Por exemplo: ao invés de ler "Fazes-me falta", de Inês Pedrosa, leia "Vale Abraão", de Agustina Bessa-Luís.)

7.1.07

Tistu

Hoje o dia foi perfeito, com aquelas chuvas que justificam o nome rainforest caindo periodicamente, como sprays de mangueira. Nos intervalos, arco-íris se insinuavam por entre as nuvens e soprava um vento arejado. Ventou por toda a cidade hoje.
Tudo isso me impeliu a conferir o Tiesto na praia de Ipanema. Saltei do ônibus quando o trânsito começou a emperrar, ainda na Vinícius de Moraes (o evento era em frente à Paul Redfern), e fui andando junto ao mar, molhando os pezinhos. Eram sete e tanto mas ainda estava de dia. De longe, viam-se as luzinhas da favela, a montanha e uma nesga de céu avermelhado no meio de nuvens grossas. O som de Tiesto ecoava e se espalhava com o vento, vindo ao meu encontro.
Parei antes da aglomeração ao lado de uns barquinhos e fiquei olhando não para o palco, mas para o pôr-do-sol e a montanha. Tiesto começou um som como tinha prometido: misturado e experimental, com eletro, minimal, house, tudo que tem direito. Fiquei dançando na beira d'água e, quando vi, tinha anoitecido. Achei melhor não ficar num lugar tão isolado, andei para perto da multidão.
Foi então que percebi que o Rio não é Ibiza. Uma fila de caras mijando junto à água, uma nuvem de maconha pairando sobre a areia, um bafo de cerveja idem, pessoas escrotas dando gritinhos pra se exibir. Casais davam risadinhas e se aproximavam da água de mãos dadas, provavelmente pensando em repetir a proeza de Cicarelli (até parece que foi ela quem inventou o sexo na água, antes isso era desconhecido) - felizmente, o mar ficou agitado demais para isso. Acompanhando a bad vibe, Tiesto começou a fazer um som bem farofa (percebeu que o som decente não estava agradando). Virei as costas e fui, para salvar a noite.
No ônibus, fiquei pensando que deve até haver algumas pessoas legais em Ipanema, mas que elas não se encontram nos eventos em que vou normalmente, então continuo a ter a pior impressão do bairro. A pior das piores.
Não só as pessoas que moram lá são assim - pintam cabelo de louro, têm celular que tira foto, bebem até cair, são porcas, exibidas, risoletas e sem-noção - mas atraem outras com o mesmo mindset residentes em outros bairros, cujo sonho de consumo é justamente morar em Ipanema/Leblon! Uma patty loira sentada do meu lado no ônibus atendeu o celular: "Aloha". E entre risadinhas de pinotes, confidenciou à "miga" que foi ver o Tiesto "mesmo sem entender nada disso", porque ouviu falar que "ele tinha sido eleito o melhor dj de uma categoria lá, de sei lá, não entendo disso". Perguntada se gostou, respondeu que sim, que "bombou, porque tinha móóóóóinta gente"! Desceu no mesmo ponto que eu. Ô carma.

6.1.07

quedas

Ontem de manhã fui à mercearia oriental comprar sembei; o empregado nordestino achou que eu ia roubar alguma coisa, de tanto que fiquei namorando as embalagens de cada prateleira, tão lindas, multicoloridas, e resolveu me oferecer uma cesta, que é a maneira dos comerciantes dizerem desconfiamos de você. Mas foi um tanto brusco no movimento, e derrubou uma pilha de sacos de dez quilos de arroz japonês. Esqueceu de mim. E começou um dia de quedas.
Fui tentar jogar na loteria, mas o sistema tinha caído - tentei em três lojas, todas sem sistema. Cheguei no trabalho, pediram que eu fosse ao banco; na saída do banco, uma mulher cruzou o meu caminho me olhando com franco despeito e catou um cavaco bem quando passava ao meu lado. Nem tinha me recuperado da comoção quando, alguns metros à frente, de outro banco, sai uma senhora segurando os óculos de leitura com correntinha. Quando pôs os olhos em mim, os óculos caíram estrepitosamente no chão.

5.1.07

Premonitória

Sonhei que já tinha 24 anos. Quer dizer, sonhei que eu estava no meio de uns afazeres quando lembrava que já tinha completado 24 anos. Os afazeres eram por causa de alguma coisa importante que mudava a minha vida, e a vida de todos em volta: algo grande como guerra, golpe, tsunami, prêmio na loteria. Então, sei lá, espero que seja este último. (Claro, deve ser algo totalmente inesperado que não consta da lista. Saberemos no final de fevereiro, quando faço 24 anos mesmo.)

4.1.07

Cá está mais autodivulgação (a notinha da TRIP de novembro passado. Esta foto é de cinco anos atrás, estou meio bochechuda.)
Mais crítica de A feia noite. Minicrítica. Atenção para os outros citados na lista de final de ano mais bem organizada que a minha.
Melhores de 2006

Não os que foram publicados em 2006, mas os que eu li em 2006.
Internacionais e não-literatura:
"Ada" de Nabokov.
"Morvern Callar" de Alan Warner.
"A sibila" de Agustina Bessa-Luís.
"Bonequinha de luxo" de Truman Capote.
"Tese e antítese" de Antonio Candido.
Literatura nacional séria:
Os dois últimos contos de "Vista parcial da noite" de Luiz Ruffato. Estava desanimada com os primeiros, mas os dois últimos são excepcionais. Duas das melhores coisas que já li em português.
"A morte sem nome" de Santiago Nazarian. Tem uns senões, mas no todo, gostei muito.
E no quesito literatura nacional de fácil consumo, semi-séria:
"A miniatura" de Elisa Palatnik.
"A confissão" de Flávio Carneiro. Ainda não terminei de ler, mas comecei em 2006, então conta. Poderia defini-lo facilmente. Começa com uma mistura de João Ubaldo Ribeiro e Dostoiévski e depois passa para João Ubaldo Ribeiro e Anne Rice. Este salto é meio problemático, mas tudo bem. É bacana.