Depois que ganhei vodca na boca da Sasha Grey, fiquei toda
ansiosa para que saísse logo a foto. A música é ótima, mas o maior lance da festa
I Hate Flash são as fotos, tiradas
por um coletivo de fotógrafos profissionais, que as disponibilizam em copyleft no site depois de escolher as
melhores. A festa foi num sábado, e, na terça-feira, a foto saiu:
A foto ficou muito melhor do que eu poderia imaginar. Foi uma conversão
digna do que eu senti naquele momento lindo. Foi batida com arte, selecionada
com carinho. Mas sabendo que devia haver
mais fotos, eu as cobicei. Daí encontrei esse aviso no FAQ do site:
“Uma foto
minha, que foi tirada no evento não saiu no site, é possível recuperá-la?
Infelizmente, não. Apenas selecionamos o que
consideramos as fotos mais divertidas e espontâneas de cada evento, e devido a
um fluxo de trabalho que demanda velocidade e espaço em disco, estamos
acostumados a deletar o que não entra pro set. Desculpa!”
Divertida minha foto. Concordo. Agora, espontânea? Minha
performance informada por anos-luz de pornografia, espontânea? Fiquei quase
ofendida.
Dando uma olhada nas outras fotos dos demais felizardos da
festa, a afirmativa sobre “espontaneidade” se torna ainda mais incompreensível.
As pessoas nitidamente estão tentando parecer bonitinhas na foto – sem arreganhar
demais a boca nem espichar a língua –, ou segurando a garrafa de vodca, ou olhando
para a câmera, ou segurando um celular com que estavam tentando “guardar” o
momento. Amiga, você não pode ter o presente por mais de um momento. A própria
definição de “presente” o proíbe. Com essa tentativa de espetar o tempo na
cortiça, você deixa de ter o presente até no momento em que você tem direito a
ele.
Sempre fui muito amiga do presente. O que você mais ouve nos vídeos das minhas festas de infância é uma narradora onisciente raivosa – minha
mãe – ralhando comigo por eu não querer olhar, sorrir e dar tchau para a câmera.
Eu preferia ficar fitando o nada, ou brincar nas esculturas de jardim do salão
de festas, ou desmaiar de mentirinha nos braços das minhas amigas. Aprendi a
ignorar a câmera, e a minha mãe, se quisesse viver o momento. Não era apenas a
minha mãe. Eram as meninas consumistas da escola, os passadores de cantada da
rua, as figuras de autoridade que se sentiam ameaçadas e tentavam me esmigalhar.
Se estão constantemente tentando te humilhar, depois de um
tempo você não fica mais vermelha. E aprende a ver as causas. Por que sempre comigo? As estruturas de
poder e as motivações ocultas se tornam transparentes. Você aprende a requisitar
o seu poder lá dentro, e a dar uns empurrões nas vigas para as coisas mudarem.
Sábado passado, quando Sasha começou a discotecar, 90% da
festa levantou os celulares e começou a filmá-la. E ela continuou trabalhando muito
concentrada na mudança de faixas e equalizações. E arrasou no set. Como ela fez isso? Como ela
é capaz?
Bem, não é só “concentração”. É um dom para evitar a autoconsciência
que foi percebido cedo e muito bem treinado. Esse dom passa por compartimentar
os circuitos da mente (como num quadro de luz) e treinar a mente para desligar
os corretos em momentos de estresse. O nervosismo de falar/atuar em público (stage fright), o constrangimento, a
humilhação: tudo isso traz uma resposta não-verbal (cinésica), que todo ator,
desde o primeiro exercício de teatro, aprende a recondicionar. Mas as emoções
estão lá, e têm que sair por algum lugar.
Você não precisa ter feito teatro para aprender isso (e que
a lente da câmera distorce a imagem do corpo; e que a presença da câmera faz as
pessoas se comportarem diferente; e que os critérios de edição desse material
audiovisual podem fazer com que sua presença não seja “registrada”, dando
vontade de levar também sua câmera particular para “mostrar que foi”). Quer
dizer, as pessoas sempre adoraram julgar as outras. Só aumentou o número de
olhares, e o tempo que eles armazenam a fofoca. Hoje em dia sempre tem câmeras
apontadas para você, por mais que você não goste delas. Então evitar a
autoconsciência se torna uma capacidade essencial.