27.10.08

A mosca

Minha beleza exterior não tem nada a ver com minha beleza interior. Meu interior seria melhor expresso por um carinha de 35-40 anos num terno bem cortado, mas não almofadinha, com barba e bigode -- um vasto bigode. E não por uma menininha de 25 anos, etc.
O problema é que historicamente minhas duas faces nunca foram pareadas, não no mesmo corpo, e dá para se ter idéia dos motivos. (Não, não vou ser feminista.)
Esse interior quer observar, e não ser observado. Eu queria ser o olho que tudo vê, um ponto cego, algo quase invisível, sobre o qual quase nunca se volta o olhar, para ver sem ser vista. Uma she-creep. Uma testemunha. Mas oh, sina, eu sou um escritor e sua adorável esposa-troféu no mesmo corpo. Imaginem como os dois não devem se sentir.
Ser bonita devia ser uma coisa legal, e não chata, oras. Tenho que arrumar um marido-troféu, talvez. O risco seria perder a capacidade de observar as mulheres -- para levar uns beliscõezinhos invejosos, puxa, hein! vou escrever um livro também, hihihi.

26.10.08

desassociação

Ando freqüentando dois bairros a que não vou normalmente, Penha e Ipanema, este último por motivos médicos. Quando saí do consultório me lembrei que havia um ponto de ônibus naquele quarteirão e comecei a procurá-lo, para só depois me dar conta de que ele estaria, caso existisse, não na calçada em que eu o procurava mas na outra , a direita.
merda, não estou em Londres.
Percebi depois que pensei isso porque pouco antes, na sala de espera, eu tinha lido uma parte do Reparação que descrevia uma noite de verão especialmente quente, "daquelas que se espera durante o ano todo"; ocorreu-me que, céus, eu estava aqui, onde esse calor era normal. Corriqueiro. Na primavera.
Acho que preciso ir viver num lugar de clima temperado. Petrópolis ou Penedo?

PS: sobre o post abaixo, fiquei com revistar mesmo. No trecho em questão ficou legal.
PPS: Leiam Reparação - em português mesmo. A tradução (Paulo Henriques Britto) é muito muito boa.

23.10.08

Preciso urgentemente de um verbo que diga que alguém está "folheando" um livro. Quer dizer, não o folhear de ler descuidadamente, mas o de apertar de forma a passar as páginas rápido pra ver se cai alguma coisa. Pensei em "revistar" ou "flipar", mas ainda estou presa. Não venham me dizer que nossa língua é rica. No máximo, em desenvolvimento.

20.10.08

Estou tentando terminar meu livro e levar um mínimo de vida social, então perdoem a ausência. Eu volto.

11.10.08

back to basics

Andei em trens, usei cachecóis e trotei por calçadas não-rachadas por algum tempo, mas agora estou de volta. Sempre soube que até no melhor dos mundos existem detalhes desagradáveis, mas agora sei que terei que fazer o possível a partir daqui mesmo. Porque essa é a minha casa. Talvez eu mude de cidade ou estado para parir, mas ainda vai ser Brasil.

Ontem pus no papel (no GoogleDocs, na verdade) o final de um conto que, no presente estado, é páreo para o Conto Japonês, até então meu preferido. Não sei se chamo esse conto de Concurso ou Marionete.
Preciso trabalhar muito, pois quero ver o Amostragem complexa terminado até novembro.

Estou lendo um romance nacional recente medonho. É bom ler um romance ruim de vez em quando. Assim você sente alguma empatia para com o seu futuro leitor - você não vai querer que ninguém se sinta assim ao ler o seu livro. Se conseguir destrinchar o motivo da ruindade do livro, você pode tentar evitar os mesmos pecados do autor.
Minha escrita está num momento tão peculiar que nem sei como descrever. A viagem me ajudou a enxergar melhor o que estou fazendo, a ver o que funciona ou não e porquê.
Ao contrário do que se pensa, para sair da estrutura básica do texto é preciso mais rigor do que aquele necessário para continuar nela.
Algumas leituras recentes, umas ruins e outras boas, me ensinaram isso: não se pode costurar algumas cenas soltas de "coisas legais" e esperar que os críticos ou leitores enxerguem um sentido que nem você conseguiu ver. Se você nem isso espera, não pense que está sendo pós-moderno; tão somente preguiçoso ou sacaneando o seu leitor (a não ser que ele goste, o pervertido).

8.10.08

don't you just hate hippies

Nao conheci ninguem extraordinariamente legal durante minhas estadias em hostels. A razao disso e muito simples. Que europeus vao para os hostels? Aqueles que querem levar uma vida comunal com muitas drogas e poucos banhos, ou seja, hippies. Ou japoneses/chineses em grandes grupos, refratarios a aproximaçoes. Ou gente penniless (sem-um-tostao), como eu e os estudantes estrangeiros em inicio de semestre. De quem logo fiquei amiga, por serem os mais limpos do lugar. No hostel da Escocia, fiz duas amigas alemas, uma bangladeshi e um polones. No hostel irlandes fiquei amiga de uma suiça que viajava sozinha e a esmo, custeando a viagem com empregos temporarios.
Mas quantas vezes nao me exasperei? O americano que disse, olhando nos olhos da garota mais proxima, que se mudava para la (Irlanda) se o Obama nao ganhasse - enquanto lia um Terry Gilliam calculado para inpressionar. Oh, really? E meu queixo quase caiu com uma terceira alema, Alma; eu tentava demonstrar o quanto eram toscos meus tios-avos dizendo que eles nao acreditavam que o homem tivesse pisado na Lua - que era tudo montagem. Alma me fitou muito seria e declarou que tambem tinha la as suas duvidas. Uma conversa surreal se seguiu, com Alma tentando me provar por a + b que os americanos sujos haviam forjado tudo em estudio e eu tentando faze-la admitir pelo menos que, eventually, o homem tinha sim pisado na Lua (ela acabou admitindo, a contragosto).
Quer dizer, eu tambem implico com os americanos. Aquela pessoa mediazinha que tem orgulho de sua ignorancia e resiste a qualquer aprendizado, mesmo que ludico? Tinha uma na excursao aos castelos do Loire. O guia, respondendo a uma pergunta dela, mencionou que a altura da caixa d'agua influencia a pressao com que ela sai na torneira, e a toupeira interrompeu, rindo: "I don't care how the water gets in my faucet, as longs as it comes out". Oh, sua anta, this is not about you, tive que me conter para nao exclamar. Mas os freaks norte-americanos sao os melhores do mundo, os mais geniais; Crumb, Philip K. Dick, Aronofsky, Salinger, Kaufman. Se pisaram na Lua ou nao, estou me lixando. Nao vou perder meu tempo odiando algo com que eu nao convivo.
Mas voltando as excursoes. Nas excursoes, sim, se conhece gente interessante. Conheci um qatariano e uma japonesa que viajavam sozinhos, trocamos nossos cartoes, saimos juntos, e desses nao tenho qualquer reclamaçao. Eram gente finissima. Espero que virem meus pen-pals, senao para treinarmos o ingles/frances.

6.10.08

catering to every vice

Uma garota entra numa enfumaçada coffeehouse de Amsterda, dirige-se ao balcao e pede:
- 20 minutes, please.
- 3 euros.
Ela paga, senta-se a uma mesa e recebe um cartao.
- You can use it now.
Digitando o codigo no terminal, ela finalmente pode acessar a internet. Sao varios dias de abstinencia mas, felizmente, naquela cidade, todo vicio e acessivel - por um preço...
Nao consegui passar mais de 20 minutos na coffeehouse. Digitar doidona num teclado estrangeiro e meio dificil. Doidona com a fumaça alheia, bem entendido.
Voces vao notar que meu texto adquiriu cedilhas. Estou em Tours, na França, depois de passar por Amsterda e Bruges, na Belgica (cidade ubernerd: medieval, cheia de lojas de quadrinhos - inclusive a loja do Tintin (que, dolorosamente me ocorre, Spielberg quer estragar fazendo um maldito live action)).
Cometi o grande pecado do parentesis dentro do parentesis, mas voces hao de me desculpar, porque o teclado frances nao e QWERTY; e um pesadelo (cauchemar). Ainda por cima estou num bar de sinuca e esta tocando musica francesa. E como digitar doidona e numa bad trip.