Eu disse há semanas atrás que não curto drama nem gente intensa - mas eu estava falando mais de mulheres. É engraçado como admiro as mulheres frias e reservadas* mas acho que um certo tipo de intensidade cai bem em certos homens.
Ele está lá, bebendo com sua matilha. De repente, surge um mal-entendido e ele tem que ser jogado embaixo de água fria para não entrar no modo Cúchulain. Por quê?
Você vai investigar e vê que algum dos colegas dele fez um comentário maldoso, disfarçado de piada, sobre algo que ele realmente preza. Não o time de futebol. A irmã dele, por exemplo. Ou um comentário racista. Ou simplesmente foi inconveniente e demonstrou que precisa ouvir um calaboca.
O que acontece na maioria das vezes é que não tem nenhum Zidane por perto. O babaca solta seu comentário sujo e não ouve um cala a boca bem-dado nem apanha: é olhado feio por umas três pessoas no recinto, e os leões covardes à sua volta espremem os lábios e engolem em seco: não sentem a ofensa tão intensamente a ponto de reagir. Ou sentem, mas foram educados a não reagir, se importam tremendamente com o que vão pensar deles depois**. Será deficiência hormonal? Medo de se meter em confusão, quebrar umas garrafas?
Depois de pensar muito, creio que o arquétipo do lobo solitário me deu a resposta. O lobo solitário pode até andar em grupo, pode até ser fiel a ele, mas sua aliança final é para com ele mesmo. Ele costuma ser a voz discordante mesmo que isso resulte em climão. A pressão dos amigos não funciona com ele; pelo contrário, até o indispõe mais ainda contra o grupo. O lobo solitário acha que se garante sozinho, e mesmo que não ache, ceder a algo com que não concorda seria pior que morrer estraçalhado.
Frente à conspurcação daquilo que lhes importa, alguns lobos solitários se incendeiam na mesma hora; outros conseguem puxar a própria coleira e civilizadamente expor o X do erro do outro. O que não tolero é quem tem a delicadeza de ficar caladinho perante um ultraje, ou a falta de noção de honra em não reconhecer um.
O lobo solitário berserk costuma ser bom em botar ordem na casa. Coibir o trickster, por exemplo, é com ele. Mas ahn, faria melhor você em jogar todos esses arquétipos no lixo; o que chamam de homem hoje é uma figura perdidinha, depilada, anoréxica e platônica, que te vê como totem prêt-a-porter (tô comendo) e que acha cool dizer o amor é importante porra - sem ter melhorado no reconhecimento de emoções faciais com isso. Muitas abraçam esse novo padrão. Já eu acho total suicídio evolutivo.
Sim, esse texto faz apologia à violência (mesmo a verbal; mesmo a filosófica***), ao tanto que ela é capaz de comunicar que a concórdia não consegue. Gente lesa gera gente lesa.
*Meu conceito de fria e reservada é muito particular; uma mulher pode ser fria e reservada mesmo fazendo filme pornô, basta manter seu eu numa caixa separada (a caixa de Pandora. Assisti a Louise/Valentina ontem, por sinal).
**Isso é totalmente diferente do patético pitboy, que arruma confusão pra se promover e porque sabe que o papai vai dar um jeito pra ele.
***Aniquilar alguém com argumentos; ownar.
23.1.10
17.1.10
Revisores e revisores
Eu adoro revisores. Sou namorada de um, grande amiga de outra, ambos excelentes profissionais. Talvez até por isso eu tenha aprendido a identificar amadores.
Tenho a estranha mania de achar que uma pessoa que é paga pelo seu serviço deve executá-lo da forma mais competente possível ou então mudar de ramo - e isso se aplica do sucateiro ao presidente. Mas sei que errar é humano. Eu mesma vivo falhando nos meus textos, senão não valorizaria tanto um bom revisor - mais de uma vez eles salvaram a minha vida*. O que eu chamo de amadorismo são erros sistemáticos cometidos por falta de empenho ou vocação.
O revisor que quer mostrar serviço
Muito comum. Ele pega um livro que já teve uma tradução ou redação cuidadosa e, para justificar a despesa que gera, muda seis por meia dúzia. Ou pelo menos é o que ele acha. Sei de tradutores que têm por norma nem abrir o livro depois de impresso, com pavor das desfigurações textuais certamente cometidas por um revisor proativo. Seria até estratégico para o autor ou tradutor deixar uns errinhos mais crassos para ele ter como justificar seu serviço, mas caramba...
O revisor sabotador
Além de não encontrar os seus erros, este insere erros que não estavam lá e não usa marcas de revisão, para você ficar bem perdida e ter que pagar outro revisor do próprio bolso.
Por exemplo, se você diz que certa personagem "está deitada no ar condicionado", ele tascará sorrateiramente um hífen entre ar e condicionado, passando a impressão de que a doidinha está deitada em cima do aparelho refrigerador, e não num ambiente refrigerado; e de que o revisor, por falha humana, apenas deixou passar aquele erro do burro do autor.
O revisor rolo compressor
Este tem a mania de aplainar a linguagem literária como se estivesse corrigindo um manual ou contrato. O rolo compressor sempre forçará a grafia mais comum assinalada no seu dicionário: acalento em vez de acalanto, quatorze em vez de catorze, incontinente em vez de incontinênti. Aí "Fulano começa o serviço incontinente" - e nem estava usando fralda geriátrica naquele dia, coitado.
Você também fica proibido de ser informal, repetir termos, inventá-los ou usar regências tiradas da cartola. Se você quer deixar o leitor encucado com uma relação de parentesco até o meio de um conto, o nervoso rolo compressor revelará esse parentesco, através de um aposto, logo no primeiro ato. Porque assim fica mais claro.
E de fato fica mais claro. Depois desse banho de convencionalismo, o texto resulta hipertransparente como um contrato de manutenção de polias. Ele não faz strip-tease nem pole dance: já entra nu e andando que nem pata choca.
Imagino se isso terá alguma relação com as vendagens de livros no Brasil.
Não basta saber português para revisar. É preciso bom senso e atenção. E para a revisão literária, é preciso também noção, ouvido e sensibilidade.
Isso, friso bem, é diferente de brigar com um revisor que entendeu o que você queria fazer, mas acha que tal construção exprime melhor a ideia X, e você discorda. Dessas brigas eu às vezes saio vitoriosa, às vezes derrotada, mas sempre enriquecida (em XP points).
Nem vou entrar na psicologia disso - se o serviço é mal-executado em vingança pela má remuneração, por exemplo. Eu sou escritora, gente, e nenhum dos meus pais é banqueiro. Nem por isso me vingo no leitor ou no editor.
* Como a vez em que eu escrevi que havia um úmero dentro do ventre de Maria Luiza. O revisor, JP, me salvou de escrever ficção científica involuntária.
**Devo um muito obrigada ao JP por me ajudar com esse post. E feliz 9 anos pra nóis!
Tenho a estranha mania de achar que uma pessoa que é paga pelo seu serviço deve executá-lo da forma mais competente possível ou então mudar de ramo - e isso se aplica do sucateiro ao presidente. Mas sei que errar é humano. Eu mesma vivo falhando nos meus textos, senão não valorizaria tanto um bom revisor - mais de uma vez eles salvaram a minha vida*. O que eu chamo de amadorismo são erros sistemáticos cometidos por falta de empenho ou vocação.
O revisor que quer mostrar serviço
Muito comum. Ele pega um livro que já teve uma tradução ou redação cuidadosa e, para justificar a despesa que gera, muda seis por meia dúzia. Ou pelo menos é o que ele acha. Sei de tradutores que têm por norma nem abrir o livro depois de impresso, com pavor das desfigurações textuais certamente cometidas por um revisor proativo. Seria até estratégico para o autor ou tradutor deixar uns errinhos mais crassos para ele ter como justificar seu serviço, mas caramba...
O revisor sabotador
Além de não encontrar os seus erros, este insere erros que não estavam lá e não usa marcas de revisão, para você ficar bem perdida e ter que pagar outro revisor do próprio bolso.
Por exemplo, se você diz que certa personagem "está deitada no ar condicionado", ele tascará sorrateiramente um hífen entre ar e condicionado, passando a impressão de que a doidinha está deitada em cima do aparelho refrigerador, e não num ambiente refrigerado; e de que o revisor, por falha humana, apenas deixou passar aquele erro do burro do autor.
O revisor rolo compressor
Este tem a mania de aplainar a linguagem literária como se estivesse corrigindo um manual ou contrato. O rolo compressor sempre forçará a grafia mais comum assinalada no seu dicionário: acalento em vez de acalanto, quatorze em vez de catorze, incontinente em vez de incontinênti. Aí "Fulano começa o serviço incontinente" - e nem estava usando fralda geriátrica naquele dia, coitado.
Você também fica proibido de ser informal, repetir termos, inventá-los ou usar regências tiradas da cartola. Se você quer deixar o leitor encucado com uma relação de parentesco até o meio de um conto, o nervoso rolo compressor revelará esse parentesco, através de um aposto, logo no primeiro ato. Porque assim fica mais claro.
E de fato fica mais claro. Depois desse banho de convencionalismo, o texto resulta hipertransparente como um contrato de manutenção de polias. Ele não faz strip-tease nem pole dance: já entra nu e andando que nem pata choca.
Imagino se isso terá alguma relação com as vendagens de livros no Brasil.
Não basta saber português para revisar. É preciso bom senso e atenção. E para a revisão literária, é preciso também noção, ouvido e sensibilidade.
Isso, friso bem, é diferente de brigar com um revisor que entendeu o que você queria fazer, mas acha que tal construção exprime melhor a ideia X, e você discorda. Dessas brigas eu às vezes saio vitoriosa, às vezes derrotada, mas sempre enriquecida (em XP points).
Nem vou entrar na psicologia disso - se o serviço é mal-executado em vingança pela má remuneração, por exemplo. Eu sou escritora, gente, e nenhum dos meus pais é banqueiro. Nem por isso me vingo no leitor ou no editor.
* Como a vez em que eu escrevi que havia um úmero dentro do ventre de Maria Luiza. O revisor, JP, me salvou de escrever ficção científica involuntária.
**Devo um muito obrigada ao JP por me ajudar com esse post. E feliz 9 anos pra nóis!
14.1.10
Clarice Lispector
Um diálogo que dificilmente se tem comigo é aquele começado por "porque você está assim?". Eu digo logo o que me incomoda tão claramente quanto possível. Diria até que sou boa nisso. Não suporto drama e tento jogar limpo. Me esforço para me afastar da savana. Só perco as estribeiras quando vejo que a outra parte não está jogando limpo como eu - aí a savana estará bem pertinho, meu amigo.
Há mulheres capazes de tudo por um pouco de emoção à moda delas. Fazer chantagem emocional ("eu sou feeeia"), flertar e depois chamar o pretendente fisgado de louco, armar planos mirabolantes por um momento de inveja alheia, ficar num canto fazendo beicinho até alguém lhes dar atenção. Oh, será por que somos o sexo frágil e só nos restaram as armas mentais? Nesse caso, pra mim tudo isso podia desaparecer na evolução junto com o dedo mindinho.
Só para deixar claro porque não me identifico com muita personagem e ícone feminino por aí. Também não me resguardo numa imagem de intelectual séria e cheia de certezas que ninguém pode abalar. Acho as duas coisas igualmente chatas. Gosto das minhas descobertas e gosto de ser meio pateta. Gosto também de ficar na minha, o que quem não gosta de ficar na sua não tolera (ô, desde o jardim de infância). Não nasci para líder de nada, mas queria ter mais modelos femininos menos intensos, tipo a Selma Blair.
a Selma Blair
Há mulheres capazes de tudo por um pouco de emoção à moda delas. Fazer chantagem emocional ("eu sou feeeia"), flertar e depois chamar o pretendente fisgado de louco, armar planos mirabolantes por um momento de inveja alheia, ficar num canto fazendo beicinho até alguém lhes dar atenção. Oh, será por que somos o sexo frágil e só nos restaram as armas mentais? Nesse caso, pra mim tudo isso podia desaparecer na evolução junto com o dedo mindinho.
Só para deixar claro porque não me identifico com muita personagem e ícone feminino por aí. Também não me resguardo numa imagem de intelectual séria e cheia de certezas que ninguém pode abalar. Acho as duas coisas igualmente chatas. Gosto das minhas descobertas e gosto de ser meio pateta. Gosto também de ficar na minha, o que quem não gosta de ficar na sua não tolera (ô, desde o jardim de infância). Não nasci para líder de nada, mas queria ter mais modelos femininos menos intensos, tipo a Selma Blair.
a Selma Blair
2.1.10
gogó
Não sou mais cristã faz um tempo, e foi surpreendentemente fácil abandonar certas crenças dessa época - as que, para mim, nunca fizeram sentido. Para o cristianismo, você não deve ser orgulhoso e sim humilde; mas como também mandam você desenvolver discernimento e não ser hipócrita, bem, aí fica complicado.
Vamos dizer que você pinte bem. Você tem que diferenciar o bom do ruim com seu discernimento, mas se você criticar quem pinta mal (mesmo em pensamento), está sendo orgulhoso; se falar bem dele sabendo que é ruim (mesmo em pensamento), estará sendo hipócrita. O certo cristão seria, com o discernimento, reconhecer de coração que pintar bem não vale nada, porque o reino dos céus é que é tudo; mas, aí, quem teria motivos para sequer comprar pincel e tinta?
É basicamente por isso que cristianismo não deu certo para mim. Se você aceita os dogmas, vira um esquema consagrado e fechado, praticamente sem furos, mas que conduz à inércia nesse mundo pelo pensamento fixo no próximo - se você praticar direito. Na prática, muitos cristãos incorrem em orgulhos secretos encobertos por hipocrisias. Não-cristãos também, já que está arraigado na nossa cultura que orgulho é feio.
Acho mais honesto assumir que tenho orgulho quando tenho orgulho e pronto.
Dito isso, admito que o orgulho ainda me incomoda. Ele me incomoda principalmente quando impede a pessoa de ter a dimensão real do seu talento e de trabalhar para aumentá-lo sempre. O orgulho faz essas pessoas perderem tempo vedando as juntas de um escudo anti-críticas e até - putz - fazendo intriga contra outras que as ameacem por terem mais talento.
Ter orgulho da coisa certa é importante - aí entra o discernimento. Não dá para eu ter orgulho do meu talento de webdesigner, por exemplo. De fato, se alguém com talento quisesse me ajudar com isso, seria ótimo.
Outra coisa: acho chata toda essa cultura de vanglória. Todos esses rappers cujo único assunto é se vangloriar o tempo todo. Quando um hip-hop faz sucesso, é porque o público pensou: uau, como ele é foda em dizer que é foda! sem nem averiguar se procede, e muito menos questionar a qualidade dessa vitória cantada. Profecia auto-realizável, aliás, porque assim vem a fama, e o dinheiro, e as cachorras. E as mulheres que se vangloriam de quem tem/faz mais drama? Ai, que saco. Alguém estoura essa bolha.
Vamos dizer que você pinte bem. Você tem que diferenciar o bom do ruim com seu discernimento, mas se você criticar quem pinta mal (mesmo em pensamento), está sendo orgulhoso; se falar bem dele sabendo que é ruim (mesmo em pensamento), estará sendo hipócrita. O certo cristão seria, com o discernimento, reconhecer de coração que pintar bem não vale nada, porque o reino dos céus é que é tudo; mas, aí, quem teria motivos para sequer comprar pincel e tinta?
É basicamente por isso que cristianismo não deu certo para mim. Se você aceita os dogmas, vira um esquema consagrado e fechado, praticamente sem furos, mas que conduz à inércia nesse mundo pelo pensamento fixo no próximo - se você praticar direito. Na prática, muitos cristãos incorrem em orgulhos secretos encobertos por hipocrisias. Não-cristãos também, já que está arraigado na nossa cultura que orgulho é feio.
Acho mais honesto assumir que tenho orgulho quando tenho orgulho e pronto.
Dito isso, admito que o orgulho ainda me incomoda. Ele me incomoda principalmente quando impede a pessoa de ter a dimensão real do seu talento e de trabalhar para aumentá-lo sempre. O orgulho faz essas pessoas perderem tempo vedando as juntas de um escudo anti-críticas e até - putz - fazendo intriga contra outras que as ameacem por terem mais talento.
Ter orgulho da coisa certa é importante - aí entra o discernimento. Não dá para eu ter orgulho do meu talento de webdesigner, por exemplo. De fato, se alguém com talento quisesse me ajudar com isso, seria ótimo.
Outra coisa: acho chata toda essa cultura de vanglória. Todos esses rappers cujo único assunto é se vangloriar o tempo todo. Quando um hip-hop faz sucesso, é porque o público pensou: uau, como ele é foda em dizer que é foda! sem nem averiguar se procede, e muito menos questionar a qualidade dessa vitória cantada. Profecia auto-realizável, aliás, porque assim vem a fama, e o dinheiro, e as cachorras. E as mulheres que se vangloriam de quem tem/faz mais drama? Ai, que saco. Alguém estoura essa bolha.
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