Não sou mais cristã faz um tempo, e foi surpreendentemente fácil abandonar certas crenças dessa época - as que, para mim, nunca fizeram sentido. Para o cristianismo, você não deve ser orgulhoso e sim humilde; mas como também mandam você desenvolver discernimento e não ser hipócrita, bem, aí fica complicado.
Vamos dizer que você pinte bem. Você tem que diferenciar o bom do ruim com seu discernimento, mas se você criticar quem pinta mal (mesmo em pensamento), está sendo orgulhoso; se falar bem dele sabendo que é ruim (mesmo em pensamento), estará sendo hipócrita. O certo cristão seria, com o discernimento, reconhecer de coração que pintar bem não vale nada, porque o reino dos céus é que é tudo; mas, aí, quem teria motivos para sequer comprar pincel e tinta?
É basicamente por isso que cristianismo não deu certo para mim. Se você aceita os dogmas, vira um esquema consagrado e fechado, praticamente sem furos, mas que conduz à inércia nesse mundo pelo pensamento fixo no próximo - se você praticar direito. Na prática, muitos cristãos incorrem em orgulhos secretos encobertos por hipocrisias. Não-cristãos também, já que está arraigado na nossa cultura que orgulho é feio.
Acho mais honesto assumir que tenho orgulho quando tenho orgulho e pronto.
Dito isso, admito que o orgulho ainda me incomoda. Ele me incomoda principalmente quando impede a pessoa de ter a dimensão real do seu talento e de trabalhar para aumentá-lo sempre. O orgulho faz essas pessoas perderem tempo vedando as juntas de um escudo anti-críticas e até - putz - fazendo intriga contra outras que as ameacem por terem mais talento.
Ter orgulho da coisa certa é importante - aí entra o discernimento. Não dá para eu ter orgulho do meu talento de webdesigner, por exemplo. De fato, se alguém com talento quisesse me ajudar com isso, seria ótimo.
Outra coisa: acho chata toda essa cultura de vanglória. Todos esses rappers cujo único assunto é se vangloriar o tempo todo. Quando um hip-hop faz sucesso, é porque o público pensou: uau, como ele é foda em dizer que é foda! sem nem averiguar se procede, e muito menos questionar a qualidade dessa vitória cantada. Profecia auto-realizável, aliás, porque assim vem a fama, e o dinheiro, e as cachorras. E as mulheres que se vangloriam de quem tem/faz mais drama? Ai, que saco. Alguém estoura essa bolha.