"No fundo tem duas entradas grandiosas, todas entalhadas e com aplicações floreadas sobre as portas, inscritas com letras curvas e solenes: MENINAS e MENINOS. Quando a professora toca a sineta de metal no pátio temos que fazer filas de dois por classe, meninas em uma fila e os meninos na outra, e entramos alinhados por nossas portas separadas. (...)
O único momento em que vejo meu irmão na escola é na fila. Em casa nós improvisamos um telefone com duas latinhas e um pedaço de cordão que passa pelas duas janelas de nossos quartos mas não funciona muito bem. Colocamos bilhetes embaixo da porta um do outro, escritos na linguagem cifrada dos alienígenas que é cheia de X e Z e precisa ser decodificada. (...)
Mas durante o dia, eu o perco de vista assim que saímos pela porta. Ele vai na frente, jogando bolas de neve; e no ônibus fica lá atrás, num remoinho barulhento de meninos mais velhos. Depois das aulas, depois que passou pelas lutas exigidas a qualquer novato em qualquer escola, ele sai para ajudar no combate aos meninos da escola católica vizinha. Ela se chama Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mas os meninos de nossa escola a rebatizaram de Nossa Senhora do Perpétuo Horror. Dizem que os meninos dessa escola são muito brigões e que escondem pedras dentro das bolas de neve.
Sei que não devo falar com meu irmão nessas horas, nem chamar a sua atenção ou a de qualquer outro menino. Os meninos se chateiam por ter irmãs mais novas (...) Se for chateado por minha causa, ele vai ter que brigar mais ainda. Para mim seria desleal contatá-lo, ou mesmo chamá-lo pelo nome. Eu entendo essas coisas e faço o que posso.
Assim, fico com as meninas, meninas de verdade finalmente, de carne e osso. Mas não estou acostumada com meninas, nem familiarizada com seus costumes. Fico constrangida perto delas, não sei o que dizer. Sei as regras não ditas dos meninos, mas com as meninas sinto que estou sempre à beira do disparate imprevisto, calamitoso."
Gosto muito desse trecho. Tradução de Maria José Silveira, edição da Marco Zero.