Já pensei nisso que Juliana disse - em caras de minorias que se sentem invisíveis para as mulheres, e cuja cantada é uma forma de vingança/medida desesperada. No início achei estranho a estudante Yasmin, que não gostou das cantadas recebidas, tocar na questão do sujeito ser porteiro. E daí ele ser porteiro? Também fiquei incomodada com isso. Mas aí ela alocou isso no fato dele ter que ter postura por estar no seu local de trabalho. E ela falar que morava ali me pareceu uma forma de marcar o espaço como também dela, não prioritariamente dela. Quer dizer: ela não passa ali porque gosta, ela passa ali porque precisa e se recusa a mudar o caminho mesmo incomodada, pois ele é que teria de se conter. Por mim, certo. E ela só fala na Francisco Sá depois, para a jornalista... se apresentando e justificando que realmente tem que passar ali. (Obrigada à amiga Caroline Gê, que me chamou a atenção para isso.)
Quanto à sugestão de que a menina nem tenha pensado em chamar a polícia, e sim a "patroa" [dele] -- oi? Chamar a polícia com base em que lei? Atentado ao pudor? O policial (mesmo que seja mulher) vai rir da sua cara. Isso se você conseguir encontrar um(a) flanando por perto. E, de acordo com a cordialidade brasileira, seria um comportamento indevido e muito extremo para uma mera "cantadinha". Já fui para a delegacia com o rosto todo lanhado depois que um cara (branco, de roupa social) no centro da cidade, me agrediu por eu responder atravessado à cantada nojenta dele, e não, o policial não me deu razão nem pediu corpo de delito - disse apenas para eu "tomar cuidado" pois "poderia ser algum maluco". Não deixaria de ir à polícia em casos assim, mas é fato que eles nem ligam. Nem se você aparecer fisicamente ferida.
Então, que coisas dizer para a pessoa que te canta na rua não querendo nem ouvir o que você tem a dizer sobre o assunto (gostei/não gostei)? Rapazes negros, brancos, novos, velhos, de uniforme e de terno, vão ter que ouvir alguma coisa, isso é verdade. E não vai ser uma coisa boazinha, já que eles não se preocuparam com seus sentimentos. É claro que será alguma coisa repressora, mas não precisa ser opressora. Ainda não ouvi um discurso sobre respeito à mulher tão eloquente em expressar a insatisfação de quem recebe a cantada quanto, por exemplo, apelar para o senso profissional e ético, mas ficaria feliz em adotá-lo caso ele existir. Aceito sugestões. Quem sabe chamar o cara de folgado, abusado... mesmo assim, não é um vocabulário muito grande. Para chegar a obter o apoio da polícia, é preciso ficar claro para todo mundo que está ouvindo que uma infração à ética da sociedade está ocorrendo. A ética da sociedade brasileira diz que temos que aguentar cantadas caladas... e que feminismo é coisa de "mal-comida", "frígida" e lésbica. Para não ouvir mais opiniões sobre sua vida sexual de alguém que já estava deliberadamente se intrometendo na mesma, Yasmin parece ter preferido falar em ética, e deixar bem claro para o sujeito que não estava gostando, já que passar encolhida e de cabeça baixa não parecia ser suficiente.
Quando eu era adolescente, autocentrada como todo adolescente, só me concentrava na minha vida interior ao andar na rua. Detestava as cantadas: só as via como interrupções da minha concentração. Hoje penso que, assim como o cara que me cantava não tava nem aí para a minha vida interior, eu não tava nem aí para a invisibilidade percebida dele. Hoje, cultivo a empatia; troco olhares por quem passo no caminho -- tento mostrar que sim, o reconheço como ser humano, quem sabe até um ser humano sexualmente interessante. Mas se o sujeito não me interessa sexualmente ou de outra forma, desvio o olhar e continuo com meus pensamentos. Ainda assim tem um ou outro que se vinga/se desespera e passa uma cantada verbal, quase enfia o nariz no meu caminho ao passar ou até toca em mim. Aí é desrespeito e posso até me sentir ameaçada. Dou razão a quem tem coragem de falar alguma coisa para reprimir isso, desde que não seja opressora. E acho que a Yasmin não foi.