19.12.05

cicatrizes de guerra

- O que é isso no seu ombro?
- Só um emplastro, está dolorido por causa das facadas.
- Facadas???
- Estiletadas. Aí não posso me apoiar no tronco, a força fica toda no ombro, sabe.
- Nossa, então isso no seu cotovelo foi uma facada?
- Não, isso foi um acidente de bicicleta.

Mas realmente, as três vezes em que me machuquei nessa cidade envolveram machismo e música.
A primeira vez eu tinha saído de uma pesquisa na Biblioteca Nacional e estava ali nas banquinhas de CD do lado de fora. Um gordo sebento com rabo-de-cavalo gritou no meu ouvido, com direito a perdigotos:
- Chuchu!
E continuou andando. Eu continuei vendo o que eu estava vendo, só que deixei a mão esquerda, bem do lado da perna, com o dedo do meio em riste. O cara olhou pra trás (porque quis ver a minha bunda) e viu. Foi-se embora.
Cinco minutos depois, eu estava já na terceira banquinha depois daquela, não é que o cara me volta? Gritando.
- Você não pode mandar qualquer um tomar no cu não! Você sabe com quem você está falando? Você sabe com quem você "pode" estar falando?
etc.
Reagi. A uma besta daquelas eu reagi. Acabou comigo numa delegacia, o rosto todo lanhado porque ele tinha simplesmente esfregado os meus óculos na minha cara. E ainda quebrou o óculos. Não fiquei com a menor cicatriz.

Segunda vez, um ponto de táxi numa rua estreita. Do outro lado, uma fila de carros estacionados irregularmente, me deixando apenas uma pista estreitíssima para passar com minha bicicleta e cheio de carros zangados buzinando atrás. Não podia subir na calçada, a justeza com que os táxis se encaixavam um no outro não deixava.
Como se não bastasse, dois taxistas conversavam com seus colegas dentro dos carros - ou seja, no meio da rua, com as bundas curvadas pra fora como prostitutas. Lembro que estava com o ipod - Bulletproof Cupid, do Placebo - e buzinei uma vez, tlim. O cara ouviu mas nem se dignou a olhar. Buzinei novamente, tlim, o cara ergueu os olhos, que apertou, incrédulo: fez exatamente a cara de quem achou ridículo ser arrancado de seu delicioso bate-papo por uma mocinha petulante de bicicleta que fazia tlim; e abriu os braços fazendo que ia avançar em cima da mocinha, dizendo bahhh como uma múmia de parque de diversões. Consegui milagrosamente desviar do taxista-pedestre (que mesmo babaca, tem a porra da preferência) sem cair, mas não consegui manter o equilíbrio depois do segundo taxista-pedestre, logo à frente. Derrapei no meu braço esquerdo. Hoje tenho uma cicatriz.

A terceira está aí embaixo. Só não contei o que estava ouvindo: Like a rolling stone, versão do Bob Dylan.