Este negócio de "Geração" é como uma festa com quinze debutantes, é só para apresentá-las à sociedade em conjunto; não é nenhuma garantia de que todas as debutantes sejam parecidas.
Entrevista para o Correio das Artes sobre A Feia noite. Vou colocar aqui porque não tem link direto. O link está aqui, tem que descer um pouco. Aliás, as matérias do Correio das Artes são ótimas, eu passo lá com freqüência.
Escrever bem é mais difícil do que publicar
Por Amanda K.
Com apenas 23 anos de idade a carioca Simone Campos lança seu segundo romance A feia Noite (7 letras). Romance esse que trata "das dores do crescimento". A feia Noite é um livro que parodia os "romances de formação e aqueles personagens de livros antigos, encharcados de culpa católica (Dostoievski, Fernando Sabino, Graciliano Ramos)". Formada em Jornalismo e atualmente cursando faculdade de Produção Editorial, Simone nos fala de como surgiu a necessidade e seu processo com a escrita.
Como decidiu tornar-se escritora?
Desde pequena eu queria descobrir uma maneira de expressar os meus processos de pensamento e sentimentos que eu tinha. É que eu achava a percepção, o fato de se estar consciente, fantástico, e queria "botar aquilo para fora". Quando aprendi a ler, com uns cinco anos, percebi que os livros eram a forma de expressão mais adequada às minhas intenções.
Como é seu processo de escrita?
Técnico. Técnica é conhecer seus pontos fracos e fortes. Eu montei uma técnica em volta dos meus potenciais e limitações. Dentro disso eu exerço variações de estilo, conforme pede o teor da história. Por exemplo, eu não sei contar histórias propriamente ditas, como "cronistas". Eu sei extrair "sentidos". Então o que eu faço é um painel. Eu pinto. Para não ficar muito parado eu concentro a ação nos diálogos, em geral é ali que as pessoas se conhecem, mudam de idéia, interagem.
Como é ser uma jovem escritora? É difícil publicar um livro tão cedo?
Escrever bem é muito difícil. Se a qualidade do seu texto salta aos olhos, publicar não é difícil. Claro que é preciso encontrar uma editora que tenha publicações na linha do seu livro e voltada para um público parecido. Não adianta mandar um livro de poesia para uma editora jurídica. Uma coisa que aprendi na faculdade de Produção Editorial é que as editoras não lêem quase nada do que chega. Mas se lerem o seu material e acharem muito bom, algum dia irão publicar.
Como você avalia o atual cenário da literatura, principalmente a brasileira? Acha que estamos em um bom momento?
Está melhor do que já esteve. Vejo alguns bons autores e algumas fraudes, mas é o de praxe.
Que obras, ou escritores você tem mais afinidade?
Meus autores preferidos atualmente são: Agustina Bessa-Luís, Vladimir Nabokov, Neil Gaiman, Chuck Palahniuk, Haruki Murakami. Dos recentes e nacionais, há a Índigo, Beatriz Bracher, Antônio Prata, entre outros.
Existe em você aquela eterna insatisfação com relação a obra produzida, mesmo depois de ser publicada? É uma escritora perfeccionista?
Não, eu acho muito difícil mexer no livro uma vez que está publicado, preto no branco. Mas é exatamente isso que me faz demorar para publicá-lo. Faço uma autocrítica impiedosa e constante, jogo capítulos inteiros na Lixeira (com L maiúsculo, escrevo no computador), reescrevo tudo. Não é que eu escreva pouco; eu publico pouco. Meus padrões são meio altos, até para mim. Se eu fosse crítica literária, provavelmente seria uma Bárbara Heliodora das letras. Então, sim: perfeccionista.
Você lançou esse mês o seu segundo romance, "A feia noite". De que forma está estruturado o livro?
Ele é bem mais linear que o primeiro, No shopping. Eu disse no blog que escrevi um livro fora-de-moda, e é verdade. Este tem princípio, meio e fim. Você só volta no tempo nas recordações dos personagens, à moda antiga. De piração só há algum delírio poético (na 3ª noite, por exemplo) e uma troca de ponto de vista (no final, passa a ser o da Maria Luiza).
De que trata o romance?
Das dores do crescimento. É uma homenagem-paródia aos romances de formação e àqueles personagens de livros antigos, encharcados de culpa católica (Dostoievski, Fernando Sabino, Graciliano Ramos). Achei que seria divertido pôr um desses (Francisco) no mundo de hoje. E pôr uma criatura "mais atual" (Maria Luiza) para andar com ele. Foi mais trágico do que divertido, mas gostei do resultado final.
A principal mensagem do livro: "não se faça de bonzinho, você está no jogo". Isto também pode ser estendido à política.
Você acredita que estamos presenciando uma pós-modernidade?
Cada um chama do que quiser, mas que o projeto iluminista faliu (daí, justamente: "a feia noite") é difícil negar. Gosto do que o Baudrillard diz, chamando a época atual de "pós-orgia", por exemplo.
Qual a importância dos blogues e da Internet na literatura contemporânea?
Alguma. Eu acho que é um excelente laboratório. Tenho meu blog, onde falo um pouco de tudo, mas sei que dificilmente é literatura. Tem o blog que escrevi como se fosse a Maria Luiza, contando coisas que aconteceram antes do "A feia noite" começar (afeianoite.blogspot.com). O endereço dele está na última página do livro, o colofão. Tem também meu projeto de ficção científica, o penadosyrebeldes.blogspot.com
Você integra a Geração 90. Considera essa uma geração linear em termos de estética?
Eu acho que o recorte foi mais pelo momento de publicação do que pelo estilo, não? Sempre é, na verdade. A Clarice Lispector nunca teve muito a ver com a Geração de 45, por exemplo. Este negócio de "Geração" é como uma festa com quinze debutantes, é só para apresentá-las à sociedade em conjunto; não é nenhuma garantia de que todas as debutantes sejam parecidas. De fato, nem eu tenho um "estilo definido"; veja só como o "No Shopping" se parece pouco com o "A feia noite".
Depois de “A Feia Noite”, você já tem algum outro projeto em mente?
Estou escrevendo uma ficção científica online, com direitos parcialmente liberados via Creative Commons – para que as pessoas possam usar os personagens, desde que sem fins lucrativos e me dando o crédito. O endereço é wwww.penadosyrebeldes.blogspot.com
Acho que o meu próximo livro será de contos, estou trabalhando em alguns.
Simone, qual a tua idade e o que faz atualmente?
Estou com 23 anos. Terminei a faculdade de Jornalismo na UFRJ, mas exerci pouco. Então ingressei em Produção Editorial (também na UFRJ) e estou gostando mais. Pretendo fazer mestrado também. Estou numa editora, estagiando. Meu ganha-pão mesmo são traduções freelancer – que era o trabalho original do Francisco, aliás, mas mudei para consultor político para não ficar com essa carga autobiográfica. Mas depois me dei conta de que já fiz consultoria política também, então não adianta.
Amanda K. é contista. Publica no site Bagatelas!
(Correio das Artes, 18 e 19 de novembro de 2006)