1.3.07

Tem um cartaz de um cursinho de computadores e inglês perto do metrô que é emblemático. É um cara de abrigo puído e aparelho nos dentes levantando um indeciso punho no ar. A legenda é algo como "venha vencer com a gente". A frase veio pronta - em inglês, mas pronta:
"A loser with his fist up in the air is still a loser".

O consultor entrou. Suas roupas eram cuidadosamente limpas e dava para ver sua manicure recente. Ele ofereceu uma mão molenga, que apertei vigorosamente, o que o assustou. Então ele começou a falar. Sua fala transitava assustadoramente entre humildade jeca e arrogância marqueteira. Enquanto ele falava disfarçando algum sotaque e procurando fabricar uma voz macia, eu não conseguia parar de olhar para os dentes desencontrados que espiavam para fora dos lábios. Era evidente que a empresa não conseguiu ninguém mais qualificado para trabalhar pelo salário medíocre que certamente ofereciam, e havia muitos postos desse nível por preencher, então...
Depois disso eu não consegui olhar muito mais para ele; era muito triste. Era um retrato do Brasil. Sei que todo mundo acha que nordestinos retirantes e meninos de rua são a imagem do país, mas digo que não. Pedintes nem me comovem: ficaram espertinhos, autoconscientes, sabendo-se foco da mídia, como celebridades depois de um escândalo que as envolva. Mas este homem era um pobre fodido com uma camada de verniz tentando "projetar uma imagem de sucesso" para que a empresa lhe pagasse um salário um pouco menos chulé. Como um país que é pobre e fodido tentando passar uma imagem de "em desenvolvimento, não me chamem mais de terceiro mundo". Só a imagem: cresce 2,9% ao ano, tem chacina todo dia e diz que tá tudo bem.
Detalhe: o cara em questão percebeu que eu tinha atentado para os detalhes, que tinha ficado consternada com aquilo, e isso o deixou profundamente sem jeito. Já disse, não pude evitar: e o texto nascia em minha cabeça. O problema é que, ao contrário dele, o país parece acreditar na própria mentira.