Vi numa livraria o Axolotle atropelado, de Helene Hegemann. Como axolotle é um bicho que me seduz, peguei para ver qual é e, vejam só, era um livro escrito por uma autora de apenas dezessete anos. (Eu mereço.)
Volta e meia surge a pauta da valorosa autobiografia de jovem rica rebelde. Os franceses têm a Lolita Pille (Hell Paris). Os italianos têm a Melissa Panarello (Cem escovadas antes de ir para a cama). Nós, brasileiros, temos a Maíra Dias Gomes (Fugalaça). Os americanos foram mais espertos e transformaram a deles em franquia e série de TV (Cecily Von Ziegesar, com a Gossip Girl). Agora os alemães também têm a sua.
De todos esses, só tive paciência de ler de cabo a rabo o Hell (agora onipresente no RJ naquela fotografia linda da peça). Sim, comprei o livro, gastei meu suado dinheiro com ele. Eu estava numa idade mais inocente... esperava na verdade destrinchar os critérios que a mídia usa para elogiar alguma coisa; e descobri que não havia explicação possível senão a da pauta, porque aquilo era ruim demais da conta. Quer dizer, não é denúncia nem novidade que adolescentes ricas entediadas brinquem de sexo, dorgas, roquenroll e consumismo. A linguagem não me trouxe nenhum arrebatamento ou desconforto. A história é desconjuntada. Por que, então, a mídia dá atenção a esse tipo de coisa? Por que as meninas compram e leem fascinadas? Porque é fofoca, vontade de saber da vida dos outros, de se identificar legitimando e/ou de viver por procuração. Tipo um romance de banca para a nova geração, com baboseiras ligeiramente diferentes e expectativas irreais idênticas.
Nessas autobiografias de moça rica identifico uma dicção autodeslumbrada e um forte pendor borderline. Lendo esse tipo de literatura fico com a sensação de que, se soubessem que ninguém falaria delas depois (bem ou mal), as autoras-personagens não achariam nada do que fazem tão excitante assim. Não teriam ânimo para escrever.
Mas agora vamos falar de livros bons, ok? Livros bons.
A japonesa Risa Wataya também lançou um livro aos 17 anos. Não sei da situação social dela, nem do quanto é autobiográfico. Japoneses são misteriosos. Já começa por aí.
Para ler os livros dela você tem que saber japonês, francês, alemão, italiano ou coreano. Eu falo francês. O Install ela lançou com dezessete anos. É sobre uma adolescente e um menino de dez anos que lançam um serviço de chat sexy online em que os dois fazem as garotas. L'appel du pied (algo como O chamado do pé), cujo título original é Keritai Senaka (algo como As costas que você quer chutar), é sobre uma garota que descobre que está apaixonada por um estafermo da escola quando sente impulsos irresistíveis de dar uma voadora nele pelas costas. ISSO é bom. Li ambos e de vez em quando dou uma relidinha. Recomendo.
Quanto ao axolotle: o melhor romance adolescente alemão que li nos últimos tempos não tem nada a ver com realidade - não no sentido de reproduzi-la. Também não foi escrito por uma adolescente. Se chama A menina sem qualidades (por Juli Zeh). O título nacional faz menção ao romance de Musil, mas, ao fim do romance, as notas de tradução do ótimo Backes elucidam o título original, Spieltrieb (algo como Pulsão de jogo). Com efeito, é um livro que bebe muito da teoria dos jogos, tanto no tema como na estrutura. Ada, uma adolescente "não linda" e superdotada, que se proclama filha do niilismo, encontra seu parceiro de jogo em Alev, jovem totalmente impotente que, na falta de melhor passatempo, trava uma partida de lances sucessivos em que Ada, o professor Smutek e toda a sociedade são os peões. Ada começa a ficar à vontade no mundo com a possibilidade de ter uma identidade, finalmente, nem que seja a de peão, e daí em diante os desdobramentos me surpreenderam. Smutek também é um grande personagem, representando a perplexidade de quem ainda tem uma história pra contar frente ao jogo que tomou conta de tudo.
Peguei A menina sem qualidades na livraria porque achei a capa diferente, me chamou a atenção. Depois a orelha. Depois gostei do que vi ao folhear. Depois de comprado, me deparei com teoria de jogos pelo livro todo e me apaixonei. Foi uma grande coincidência, já que estava estudando exatamente isso para escrever meu OWNED. Em suma, leiam A menina sem qualidades. Leiam ele e deixem o axolotle em paz.