Inúmeros intelectuais
foram e continuam sendo apontados com ênfase em função do fato de terem se
suicidado – vêm à mente Walter Benjamin, Sylvia Plath, David Foster Wallace, Yukio Mishima,
Virginia Woolf. No entanto, o apontar do suicídio como “promessa” de uma vida-obra
comprometida contra a opressão – ou de uma mente sensível e frágil demais para
viver em uma sociedade naturalmente opressora –, pode acabar virando um
mecanismo viciante.
O ser humano é atraído
como abutre pela morte trágica pois pode despejar sobre ela sua compreensão
e empatia – muitas vezes de forma um tanto automática, numa espécie de fetiche
mórbido. O mecanismo aqui é se autoarrolar como Boa Pessoa por ter tido empatia
para com a Boa Pessoa que, oprimida, se suicidou. No entanto, nada é tão
simples assim. Essa empatia partiu de dois pressupostos que podem facilmente
ser desconstruídos – não por maldade, mas com vistas a uma reflexão. O suicídio
não é um selo de garantia de que o suicida era uma Boa Pessoa, e sentir piedade
é um sentimento tão natural para a maioria dos humanos (excluídos psicopatas,
esquizoides e outros portadores de transtornos mentais) que senti-la só acarreta,
no máximo, o status de Pessoa Normal.
Esse mecanismo pode servir
para colocar eternamente em segundo plano duas coisas muito importantes: 1) pessoas
cujas vidas não foram tão trágicas, mas nem por isso menos significativas e 2) as
particularidades do gesto pessoal de cada suicida, roubando-lhes o direito de
serem únicos em suas mortes (e de terem seus motivos individuais para buscá-las).
Corre-se, a meu ver, o risco
de viciarmos no mecanismo visão da
vítima/empatia padrão/narcisismo dos próprios sentimentos a ponto de
construirmos uma história só de vítimas indiscutíveis, com motivos tão monolíticos
(opressão externa/loucura interna) quanto a grande narrativa histórica
ocidental, anulando com isso não só as vítimas óbvias como também outras
vítimas. Desejo, portanto, empreender um esforço para uma história de vítimas
menos óbvias de opressões menos óbvias, associando suas vidas à arte que
construíram.
(Trecho de um trabalho de mestrado sobre Walter Benjamin com o qual finalmente estou satisfeita. Adaptei, é claro - duas frases a menos. No resto do trabalho usei Benjamin no
próprio Benjamin, escovei-o a contrapelo, associando-o a três escritores que viveram depois dele - e que não se suicidaram.)