30.7.12

Suicídio e empatia

Inúmeros intelectuais foram e continuam sendo apontados com ênfase em função do fato de terem se suicidado – vêm à mente Walter Benjamin, Sylvia Plath, David Foster Wallace, Yukio Mishima, Virginia Woolf. No entanto, o apontar do suicídio como “promessa” de uma vida-obra comprometida contra a opressão – ou de uma mente sensível e frágil demais para viver em uma sociedade naturalmente opressora –, pode acabar virando um mecanismo viciante.
O ser humano é atraído como abutre pela morte trágica pois pode despejar sobre ela sua compreensão e empatia – muitas vezes de forma um tanto automática, numa espécie de fetiche mórbido. O mecanismo aqui é se autoarrolar como Boa Pessoa por ter tido empatia para com a Boa Pessoa que, oprimida, se suicidou. No entanto, nada é tão simples assim. Essa empatia partiu de dois pressupostos que podem facilmente ser desconstruídos – não por maldade, mas com vistas a uma reflexão. O suicídio não é um selo de garantia de que o suicida era uma Boa Pessoa, e sentir piedade é um sentimento tão natural para a maioria dos humanos (excluídos psicopatas, esquizoides e outros portadores de transtornos mentais) que senti-la só acarreta, no máximo, o status de Pessoa Normal.
Esse mecanismo pode servir para colocar eternamente em segundo plano duas coisas muito importantes: 1) pessoas cujas vidas não foram tão trágicas, mas nem por isso menos significativas e 2) as particularidades do gesto pessoal de cada suicida, roubando-lhes o direito de serem únicos em suas mortes (e de terem seus motivos individuais para buscá-las).
Corre-se, a meu ver, o risco de viciarmos no mecanismo visão da vítima/empatia padrão/narcisismo dos próprios sentimentos a ponto de construirmos uma história só de vítimas indiscutíveis, com motivos tão monolíticos (opressão externa/loucura interna) quanto a grande narrativa histórica ocidental, anulando com isso não só as vítimas óbvias como também outras vítimas. Desejo, portanto, empreender um esforço para uma história de vítimas menos óbvias de opressões menos óbvias, associando suas vidas à arte que construíram.

(Trecho de um trabalho de mestrado sobre Walter Benjamin com o qual finalmente estou satisfeita. Adaptei, é claro - duas frases a menos. No resto do trabalho usei Benjamin no próprio Benjamin, escovei-o a contrapelo, associando-o a três escritores que viveram depois dele - e que não se suicidaram.)