20.8.12

Gratuidade

Muitas bibliotecas possuem pelo menos um exemplar impresso de OWNED - o novo jogador. Para ler o seu, baixe a lista de bibliotecas onde ele está disponível (em formato Excel). A versão online, como sempre, continua disponível em novojogador.com.br

12.8.12

História do cabelo ou Dark & Long

*Aviso: Este texto parte do pressuposto de que cabelo é poder.*

As heroínas da era dos videogames 2D podiam ter cabelos longos, bastos e soltos. Ou melhor, era quase um requisito. Afinal, a maioria delas era um monte de pixels e/ou tinha pouca necessidade de animação.



Samus Aran (em Metroid, 1986). Jill of the Jungle (1992).

Mas cresci mesmo foi na era dos adventures, jogos com muito humor, muita história e muitos puzzles. As heroínas de adventures tinham cabelos maravilhosos. Na maioria, cabelos encaracolados. Severamente encaracolados.

Zanthia, de Kyrandia: Hand of Fate (1994) e Elaine, de Monkey Island (1990)

Mas isso durou até mais ou menos 1994. Aí veio o que pode ser tachado de Era 3D. Uma época com muito mais ação, onde os personagens tinham que ser visíveis por todos os lados.
Só que em 1994 os PCs domésticos tinham o vídeo tosco e o processador lerdo. Esse mundo 3D precário teve que usar polígonos - faces de pequenos sólidos virtuais, uns emendados nos outros - para delinear os corpos ao redor dos quais deveria rodar a "câmera".
A questão é que cabelos não ficavam nada bons em polígonos. Polígonos não dão ao cabelo aquilo que os comerciais de xampu chamam de movimento.

Em Tomb Raider 1 (1996), por exemplo, a heroína usava uma espécie de coque amarrado com barbante. Bem fácil de animar. Nem balançar balançava. Feioso... mas prático. Provavelmente, seria a minha escolha se eu me metesse a arrombar tumbas na vida real. Ha.
No Tomb Raider 2, esse coque foi substituído pela famosa trança. Esta sim balançava conforme Lara corria, nadava, pulava. Ainda assim, era uma trança constituída de um monte de polígonos. De qualquer modo, a atenção dos animadores nunca esteve dedicada a este grupo de polígonos, entende.







Entende?

Quando refizeram a Elaine de Monkey Island para a Era 3D, estilizaram o cabelo dela. Ficou um negócio duro, que não fluía. Tudo por causa dos malditos polígonos, que não trabalham com cabelos longos, muito menos encaracolados.





Mas o tempo passou, e a tecnologia deu outra virada.
Estava eu jogando a mais recente versão do Prince of Persia (de 2008), e notei que estavam animando alguns inimigos com vetores ao invés de polígonos.
Eu imediatamente pensei: podiam fazer disso cabelo.
Dito e feito, alguém foi lá e fez isso.


Bayonetta (2010) é um jogo completamente insano onde você é a personagem-título, uma bruxa que tanto se veste como ataca com o cabelo (a conveniente consequência disso é peladismo na hora do fatality). Não só com o cabelo; ela tem todo tipo de ataques divertidíssimos, com armas as mais variadas. Em Bayonetta, afinal, o cabelo virou uma espécie de protagonista do jogo, ao que sou toda aplausos.

Enfim, animação vetorial: uma solução para o problema do movimento. Mas e quanto a cabelo encaracolado? Bem, a cabeleira ruiva da Merida, da animação Valente (2012), é muito bem animada no filme, mas completamente parada nos videogames inspirados nele. Fiquei tristíssima; ainda não chegou o revival dos caracóis nos games. Mas aguardo e confio.

8.8.12

Outro vídeo falando sobre OWNED



Palestra que dei em fevereiro junto ao Carlos Klimick e ao Oswaldo Lopes Jr. Falamos sobre RPG, livro-jogo e seu nexo com a educação (e eu expliquei cruamente sobre o que era o meu "OWNED - um novo jogador").

Oficializando

Quem estiver a fim de comprar a versão impressa de "OWNED - um novo jogador" pode comprar da autora por R$ 30,00 (frete incluído). Por este valor você recebe o livro autografado em casa! Basta mandar um email para simonecampos@gmail.com para os dados do depósito. Grata!

6.8.12

Que vibe

Minha escola era o máximo. Tivemos um professor nissei de informática que deu o básico do BASIC na 2a série do fundamental; na falta dele, deixavam a gente ficar jogando videogames sob a vaga desculpa de "aprender inglês" e tudo isso consistia em um tempo de aula pós-recreio de pura diversão. Ou talvez não apenas diversão: o craque em construir cidades funcionais no SimCity, Rodrigo Mandarino, mais tarde concluiu arquitetura na UFRJ com média 10 e hoje trabalha em um escritório famoso.
Quando tínhamos 12 anos (6a série), fomos instados a fazer campanhas - sim, nós mesmos tínhamos de criar e implementar, valendo nota - sobre cigarro, sexo, álcool, drogas, reciclagem, ecologia... Lembro do esquete antifumo que escrevi: cinco adolescentes estavam sentados à mesa depois de uma refeição, fumando "cigarros" (canudos de papel cheios de talco; havia que se soprar para fora; uma das integrantes se esqueceu disso e tragou o talco, com resultados previsíveis). Entrava eu com uma túnica de bruxa de Halloweens passados, a balaclava ("touca ninja") de lã da minha avó e um cabo de vassoura com uma foice de papel prateado e ceifava todo mundo. Os fumantes tombavam sobre a mesa, um por ceifada. Para arrematar, eu pegava um dos cigarros de talco e tirava uma bela baforada. Havia falas engraçadinhas, mas não me lembro mais delas.
Escrevi também a versão de Pipoca (da Xuxa) e do jingle de guaraná que adaptei para, em vez de exaltarem as virtudes da pi-po-ca, falarem mal de ci-gar-ro. Nessa mesma ocasião, cantei ambas a capella num microfone.
Nada disso foi filmado e, se existissem celulares com câmera naquela época (1995), eu certamente não teria tal desenvoltura. E nenhuma dessas palhaçadas impediu meus colegas já fumantes de perguntar se eu não tinha algum cigarro de verdade na minha cenografia improvisada (eu tinha, e cedi).

Minha escola era oficialmente laica. Mas quase pagã na sua ânsia de nos preparar para a vida como ela é com uma naturalidade aterrorizante. Apenas, em vez de contar fábulas sobre meninas que param para conversar com lobos, minha escola preferia nos assustar com ciência e experiência pessoal.
Foi nessa vibe que aconteceu a melhor e pior palestra escolar de todos os tempos. Fomos convocados sem aviso certo dia. Entramos no auditório e anunciaram que receberíamos ex-alcoólatras do AA.
Primeiro a diretora e a coordenadora falaram algumas palavras-padrão sobre os males do fumo e do álcool. Como o álcool era droga e era perigosa e viciava, mesmo sendo legalizada. Que a pessoa viciada em álcool já não consegue funcionar sem álcool; isso se chamava dependência. E, quando tentava parar, não conseguia. Ficava tremendo.
Então entrou outra pessoa, do AA, para explicar um pouco da filosofia do AA: evitar o primeiro gole, um dia de cada vez. E que a pessoa que se torna ex-alcoólatra jamais pode pôr uma gota de álcool na boca de novo, senão entontece e volta tudo.
Aí entrou o testemunho. Era um cara bonito, grande, bronzeado de praia, uns 35 anos, louro, de cabelos amarrados num rabo de cavalo, mas o rosto dele era muito gasto, como se tivesse passado por poucas e boas. Como se tivesse desinchado, eu diria agora. Um sotaque francamente carioca zona sul. E foi isso mesmo que ele falou. Que, como nós, tinha ido a boas escolas na Zona Sul do Rio de Janeiro. Que tinha começado a beber para tomar coragem para ir falar com as meninas - e deu certo. Mas dali a pouco, ele estava bebendo pra tudo - pra estudar para a prova, pra tomar coragem pra prova, pra esquecer os problemas -, e em quantidades cada vez maiores.
O homem olhava do palco para a plateia e via: a maioria dos alunos admitindo estar impressionada, outros tentando olhar pro colega com risinhos e exorcizar o medo que aquela história estava dando. Vendo essa reação mista, ele começou a falar MUITO alto no microfone, e a piscar muito para evitar as lágrimas. Ele tinha que atingir os outros, os candidatos a rebeldes.
Ninguém, nem da família dele, tinha falado dos perigos do álcool pra ele. "Até incentivavam" - claro, coisa de macho, de homem de verdade. Logo eram quinze chopes para ele começar a se sentir bêbado. Ele precisava beber cada vez mais. A toda hora. Na faculdade. No emprego. Para levantar de manhã. Até que começou a perder tudo. Emprego primeiro. Depois, amigos.
Nesse ponto - gritava ele - ele já não conseguia mais parar! Estava VICIADO EM ÁLCOOL!
(E a criançada agora transfixada, olhos pregados nele. A coordenadora e a diretora nervosíssimas, agarrando disfarçadamente as pontas bege das cadeiras.)
"Minha família me abandonou! Tentei frequentar um psicólogo, mas logo eu voltava a beber. Depois eu tentei buscar ajuda na religião. A Igreja Católica não me curou. Tentei de tudo! umbanda! espiritismo kardecista...! bati até a porta da Igreja Universal!" -- e aqui, todos os meus colegas viraram as cabeças para mim, que sabiam ser da Igreja Universal; balbuciei alguma coisa, ninguém ouviu -- "Mas não deu certo! Não deu certo!! Nada adiantou! Só os Alcoólicos Anônimos. Seguindo os doze passos..."
Na Igreja Universal eu vivia ouvindo testemunhos no altar, alguns de ex-alcoólatras. Mas eram relatos hesitantes, molengos - história mal narrada, protagonistas pouco convencidos do valor dela. O sujeito no palco estava desesperado para passar a mensagem. Ele tinha visto o inferno. Ele não estava representando. Não queria agradar ninguém fazendo aquilo. A gente era como uma volta ao passado para ele, a encarnação de sua juventude perdida por falta de alerta. Bem, que não fosse por falta de alerta.
Achei que iam ter que tirar ele dali à força. Mas, se bem me lembro, pouco depois ele fechou o discurso apropriadamente ("estou sóbrio há um ano e meio") e foi muito aplaudido.

Creio que uma grande limitação da educação religiosa é achar que pega mal para crianças inocentes saberem esse tipo de coisa. Escola, igreja e família religiosas muitas vezes fingem que podem manter as crianças no escuro, em vez de se colocarem como fonte de informação confiável e útil sobre drogas e sexo. É preciso não esconder a parte boa e não esconder a parte ruim. Não vai evitar que a pessoa use drogas ou faça sexo, mas vai ajudá-la a ter expectativas realistas quanto a essas experiências, e a ser madura o suficiente para identificar um jeito responsável de passar por elas (e desfrutá-las, se for o caso).