I.
Hilda
Hilst
A boa menina leitora é calada, tímida e vive com a cara
enfiada no livro. Recentemente, ela ganhou a variação geek girl, maníaca por
tecnologia e games. Ela não usa minissaia. Não pratica esportes, especialmente de contato. Não pode ter
vida sexual detectável. E, mesmo que se torne escritora, escreverá polidamente.
Que escreva as maiores barbaridades, mas há de escrevê-las com parágrafos
respeitavelmente longos e fluxo de consciência, sem palavrões; se preferir um
estilo experimental e entrecortado, embaixo dele o leitor só deve ver platitudes
pseudorrevoltadas.
Ao que parece, não existe (ou ninguém aguentaria) uma mulher
forte em ambas as frentes: a temática e a estilística.
E aí temos a Hilda Hilst, que foi os dois. Temática e
estilisticamente forte. Tanto “intelectual respeitada” como “alternativa”.
Escritora de barbaridades... com estilo (e palavrões). Como? Sendo foda. Não
digo “genial” porque isso implicaria em me subscrever à ideia romântica de
escritor “original” que tira a “inspiração” de seu gênio interior. Hilda
extraía sua matéria-prima de seu mundo interior, sim, mas também da natureza e
do sagrado. Que, para ela, eram meio que a mesma coisa.
Depois de Hilda, então, “se dar ao respeito pra obter respeito”
na literatura, sendo mulher, hoje em
dia, se torna uma falácia incontornável.
Temos é que dar com o pé na porta.
II.
Bom,
barato e cordato
Essa ideia genérica de que “é bonito” ser escritor/ter
paixão pela leitura ou “pela literatura” se torna especialmente perniciosa
quando se é mulher. Receber ofertas de trabalho, a gente recebe: mas 50% são para
trabalhar de graça, 35% para trabalhar ganhando um trocado, e 15% para trabalhar
ganhando menos que nosso(s) amigo(s) homem(ns) – com quem, sim, a gente
conversa. A gente acaba se concentrando nesses 15%, convencidas de que, se mostrarmos serviço, a coisa vai andar
– e por andar queremos dizer que ganharemos mais. Mas não é assim que a coisa
anda. Simplesmente ficamos congeladas feito um preço de supermercado na época
do Sarney presidente. O custo de vida? Continua aumentando.
E você olha para os lados e vê suas amigas mulheres passando
pela mesma coisa.
Você acaba entendendo que a boa menina leitora é vista como
uma reserva de força de trabalho barata – e boa, porque sempre se esforçando
para mostrar serviço. E mais: se o dinheiro fica curto e a editora resolve
escolher alguns otários para não receber (em vez de pegar um empréstimo e
honrar seus compromissos), quem ela calota? A boa menina leitora, que, na
cabeça do mau pagador, vai ficar quietinha.
Aí ela não fica quietinha. E vira persona non grata.
Mesma coisa quando pede um aumento para continuar o ótimo trabalho que vem fazendo.
Pô, como assim, você
era nosso porto seguro de bom-e-barato-e-cordato! Você nunca foi de criar problema!
Não, queridos. Vocês só não nos conheciam o suficiente.