7.2.08

don't fall for that

No meu último emprego tinha uma menina que, talvez por não saber como me apresentar, sempre me apresentava assim: "essa é a Simone, ela é escritora, é a próxima Clarice Lispector". Eu sorria como a uma criança que diz que é a She-Ra. Ahã.
Eu sei, eu sei, é que sou estranha. Flaky. E Clarice Lispector também. Somos muito recolhidas, fechamos as pessoas lá fora para convivermos conosco mesmas aqui dentro. Mas a semelhança pára por aí. Os jardins internos são bem diferentes. Os meus traumas e problemas são mais singelos, até divertidos por certo ângulo; não são, como os dela, traumas estruturais pelo mero contato com o oxigênio ao nascer, para ficar numa coisa só.
Temos alguns pontos de contato literários também; às vezes eu deixo meu texto emaranhado, fluxo-de-pensamento, mas não sugo o leitor pra dentro dele. Clarice ou suga, ou expele.
De vez em quando caio na armadilha: acabei de fabricar uma foto muito parecida com uma certa pose de Clarice, aquela com os zóio de lado. Eu queria fabricar algo nostálgico, com uma ilusão de lente olho-de-peixe, e este foi o resultado.
Mas olhando de perto, eu não tenho a menor intenção/ pretensão/ vontade de imitar a Clarice Lispector. No ensino médio, uma professora perguntou-nos se também sentíamos como ela "vontade de ter escrito aquilo", "inveja", ao lermos trechos excepcionais de algum autor (no caso era o Machado de Assis). Balancei a cabeça afirmativamente, por educação e pena, mas não sentia aquilo desde os dez anos no máximo. Depois entendi: é que eu escrevia de dentro para fora, e ela, a professora, de fora para dentro. De vez em quando tenho a impressão de que Clarice Lispector escrevia de dentro para dentro, o que é muito assustador. Aquilo de alguma forma escapou pelas fissuras e foi parar na mão de um editor.

Às vezes me perguntam como é que eu me sinto sendo uma escritora "tão jovem". Me sinto normal. Depois de passar por todas as fases - querer crescer e aparecer, deslumbramento com a ascendência, não fazer questão de aparecer, fazer força pra não aparecer mas sentir-se injustiçada por não ser lembrada assim mesmo - estou finalmente me sentindo normal. É como se eu fosse contadora. Escrevi essa profissão como exemplo de coisa chata mas, engraçado, eu sou uma contadora - de histórias. Estou pensando em termos tão de longo prazo. Talvez isso mude depois, não sei se é definitivo, mas... fico aqui ouvindo Royksopp e pensando, e escrevendo, e está bem bom. Estou me sentindo realizada, é isso.
É que logo depois de ter tido sucesso com meu primeiro livro não me senti bem, não. Me senti pior do que antes. Quando suas ambições são plenamente satisfeitas logo de primeira, tudo corre exatamente como você (só você) tinha certeza e esperava, é quase tão ruim quanto quebrar a cara. Sei disso porque já quebrei a minha, é claro. A única diferença é a realidade externa: com sucesso boa, sem sucesso ruim; mas nunca dei muita bola para isso de realidade externa. Minha realidade interna é muito mais premente.
Como explicar? De uma parte, é a maldição de Cassandra. Saber que vai acontecer não impede ou adianta ou muda o acontecimento, e uma vez acontecido, o ter estado certo não traz nenhuma alegria.
Aí você pensa que fazer as coisinhas que lhe pedem (sorrir para cá, acenar para lá) vai trazer algo de bom. Na maior parte essas "experiências" têm o mesmo efeito inócuo na sua vida que um biscoito Globo tem contra a fome. A propósito, não comi ninguém, ou, se considerarmos efeitos muito colaterais da "fama", quase ninguém.
Mas aí você escreve outro livro e percebe que a recompensa está naquilo mesmo. Em burilar sua obra, fazer um trabalho desvelado. Resta um pequeno fetiche pelo objeto-livro-com-seu-nome, pois se até cheiro ele tem - de velho, de novo, de gloss paper...
Imagino que seja assim para arquitetos, advogados, professores, cineastas, com suas obras corpóreas ou incorpóreas. Quando o e-livro vier, vou ter que me acostumar a ele.