EU LEMBRO
Eu lembro que o Collor começou a fechar o sistema de saúde caído em 93. Eu lembro das imagens que vi nos jornais de gente morrendo e sofrendo nos corredores e macas de hospitais. Eu lembro daquelas siglas legíveis grandes, vocálicas, que circularam pela imprensa na época como
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
Então comecei a sonhar com um Brasil paralelo, em que o sistema de saúde se chamava
PENUMB
e era tudo muito, muito escuro e noturno. Às vezes nevava. A partir daí, toda vez que eu me feria ou pegava doença no sonho, eu ia parar no PENUMB. De repente tudo se acelerava. O problema nesse Brasil inverso não era a lentidão no atendimento. Era a hipervelocidade. Eu era colocada numa maca e ela era empurrada pelo corredor como um carrinho de montanha-russa. Se eu continuasse dormindo o bastante, teria a oportunidade de assistir cenas de operação com enfermeiras malucas e médicos psicóticos com furadeiras.
Hoje eu sonhei que um certo videogame de tiro com robôs laser era adaptado para a vida real. Eu era atingida. E ia parar não no
PENUMB
mas no
FUNEST
que era mais ou menos a mesma coisa, mesmo com a mudança de sigla (vejam como esse meu Brasil antônimo é bem caracterizado).
Lembrei de todos os sonhos com essa sigla PENUMB a partir desse. Acordei assustadíssima, mas repetindo PENUMB, PENUMB, PENUMB. Percebi finalmente que aquela sigla não existia fora da minha cabeça. Queria lembrar para escrever. É o único jeito de acabar com isso.
Minha faculdade era noturna ao invés de diurna e eu ia passar férias numa montanha nevada; quando eu chegava lá, roubavam todo o meu dinheiro e é por isso que eu tive que voltar ao PENUMB, ou melhor, ao FUNEST. Parece que tive sonhos cobertos por plano de saúde por algum tempo. Mas enquanto eu tiver um Brasil real para me inspirar, não estou bem certa que o pesadelo realmente termine. Quando acordei vi o jornal anunciando uma epidemia de dengue. Cheio de pessoas em leitos de hospital. Me acontece ocasionalmente de sonhar no quarto com coisas da primeira página do jornal que me espera na sala... mas isso é outra história.