Dublin, a cidade dos meus pesadelos
Dublin e uma cidade desconfortavel. Em geral, as pessoas te olham de um modo estranho - com lascivia ou sneering (contracao torta do labio superior e reviramento de olhos), mas sempre estranho. Parece que nao te consideram um ser humano. Quando voce entra numa loja, te olham com desprezo e deixam voce sem ser atendido. Quando voce exige atendimento, te atendem com desinteresse, medo de que voce roube alguma coisa ou um sorriso de plastico no rosto.
Dublin junta o pior da Europa com o pior do Brasil. E impressionante. E uma cidade muito socialista (tem um cartaz em cada poste). As mulheres sao fofoqueiras e os homens mexem com as mule na rua. Os bares enchem em jogos de futebol. E tem engarrafamento. Ah, e tem brasileiros a beca (como em Amsterdam... querendo a bagunca organizada e com mais opcoes de consumo/ casas noturnas).
A arquitetura de tijolinhos e como a inglesa, so que mais feia. Os predios novos sao construidos no mesmo, hum, estilo dos antigos. O tecido urbano esta cheio das cicatrizes, chamines, marcas de antigas construcoes, ruas tortas e estreitas.
De noite e aquele assustador grandioso que tentei emular em A feia noite. Alguns pesadelos que eu tinha quando crianca eram assim: eu flutuando a dois ou tres metros do chao e controlando meu percurso por uma cidade parecida com o Rio, a noite; no final, empolgada, eu estava a uma velocidade tal que nao podia parar quando vinha um beco sem saida; se eu batesse nele, eu morria e ia pro inferno - sutil, nao? Pois bem, os becos com que eu sonhava estao todos em Dublin.
Nesse bad mood eu fui visitar o museu dos escritores de Dublin. Como se sabe, Dublin produziu duzias de bons escritores, e visitando o museu voce tem a chance de conhecer mais sobre eles sem usar a Wikipedia.
Yeats: foi para Londres. Passou a vida apaixonado por uma simpatizante da causa irlandesa, Maud Gonne, e fez mil propostas de casamento a ela (e uma a filha dela, Iseult), sendo recusado todas as vezes.
Wilde: foi para Londres. Acabou sendo acusado de homossexualismo, condenado e preso por dois anos. Morreu num hotel de papel de parede feio, em Paris.
Swift: esse ficou. Foi posto "na geladeira" por incomodar demais, sendo nomeado para um cargo eclesiastico escroto. Foi se desencantando com a raca humana, morrendo mudo e com fama de louco.
Joyce: nunca gostou muito de Dublin, entao passava pouco tempo aqui. A gota d'agua foi quando um editor nao gostou de como Dublinenses retratava a vida na cidade e destruiu a primeira edicao. Dai ele nunca mais voltou.
Beckett: seus poemas e pecas eram continuamente banidos e censurados aqui. O texto diz que ele "era infeliz em Dublin". Partiu para Paris, e raramente voltou a Irlanda.
De Cork, onde eu estava antes, veio um famoso escritor de contos:
Frank O'Connor: ficou amigo do Yeats, veio para Dublin, onde fez parte do comite diretor do Abbey Theatre, mas saiu devido a intrigas dos outros diretores.
Ei, sou so eu ou voces tambem perceberam um padrao?
Primeiro Dublin dificulta a vida do escritor ao maximo, depois faz turi$mo em cima dele.
Mas talvez seja exatamente por isso que ela produza tantos escritores. Depois de comer o pao que o diabo amassou, fazer grande literatura e bolinho...
Como toda regra tem sua excecao, o Shaw morreu na gloria em Dublin. Mas que coisa; deixei para olhar a placa dele por ultimo, porque nunca fui com a cara dele.