AFAN
Se o escritor é narcisista, você só vai gostar do que ele escreve se concordar com ele: que ele é o máximo. O problema da literatura autobiográfica é que, se você não topa o autor, logo não topará a literatura dele, baseada na vida dele, com personagens que bailam ao redor da versão idealizada dele.
Se às vezes isso facilita extremamente a vida do crítico, por outras complica demais: como separar não-gosto-de-você do não-gosto-da-sua-obra se a sua obra, admita você ou não nas entrevistas, é você?
É preciso um certo desapego do que se acha, se dar espaço para gostar do livro, como num teste cego. Eu adoro um livro da Fernanda Young, o A sombra das vossas asas, embora ache ela e os demais livros extremamente chatos. Mas, das recentes, ela é das que mais usam a imaginação.
Ninguém disse que o escritor tem qualquer obrigação de facilitar trabalho de crítico - ou de qualquer leitor. Mas o autor de ficção autobiográfica narcisista (AFAN) deve estar preparado para severos golpes no ego ao colocar sua vida no papel. Quer dizer, ele não tem o direito de reclamar. Se chamarem de inverossímil, não vale dizer “mas aconteceu! Eu juro! Quer ver o vídeo?”, e nem dizer "ah, mas essa parte aí é ficção". Se o chamarem de chato narcisista, não vale apelar para Fellini, Zuckerman, sua mãe ou a divindade da sua preferência.
Mas acho que a maior parte dos AFANs só se preocupa em encontrar uma boa desculpa estética - um truque - para dar vazão ao seu imenso complexo de bukkake (só pode ser, porque punheta, antigamente, se batia a sós, e não direcionada para o rosto de outrem): o complexo de Deus de todo autor, a morte da literatura, Woody Allen, a geração fotolog...
O pior é que, se os AFANs pegassem esses temas e tentassem desenvolver em outra direção que não o próprio umbigo, talvez alcançassem alguma coisa. Mas não: todos querem ser príncipes...