Quando eu era pequena, era sujeita a longas ausências, inclusive enquanto falava com outras pessoas, adultas ou não, em que meu olho parava em algum detalhe inócuo e lá permanecia por cerca de 30 segundos a 2 minutos. Era como se meu cérebro estivesse cansado - não cansado-sem-energia, mas cansado do esforço específico da comunicação interpessoal, que pra mim sempre foi muito difícil.
Logo notei que as ausências não aconteciam somente quando eu estava acompanhada. Às vezes eu estava assistindo televisão, ou simplesmente contemplando a tardinha cair e os detalhes da sala mudarem de cor à medida que isso acontecia, quando, de repente, eu perdia a fixação na realidade objetiva. Eu me sintonizava em outra onda. Quando voltava, percebia estar mirando fixamente a treliça da sala, que, de tão intensamente perscrutada, revelava uma profundidade 3D. Hoje isso acontece com a Montanha.
Hoje isso acontece na rua.
A capacidade intelectual aumentou. Prefiro escolher companhias com quem me comunique em um nível mais profundo (profundo talvez não seja a palavra, mas não sei de melhor) e possa falar como se estivesse tratando comigo mesma. A essas pessoas pareço muito inteligente. Às demais, pareço retardada, aparvalhada, doente, enigmática, hermética, essas coisas. Daqui, parece-me que sou sempre bem clara.