29.10.09

Tulipas

Arregimentados meus primos, comecei a combinar como seria a peça. O palco seria o chão da casa demolida. O barraquinho de ferramentas seria nosso camarim. Separamos apetrechos como jornal, cadeira, enxada etc. Carregamos as cadeiras da cozinha para o antigo pórtico. Roubamos uma corda do varal para ser a cortina, além de um par de lençóis já sujos. Cobramos 100 caraminguás (quem lembra a moeda de 1991?) dos adultos, que se sentaram com cara de expectativa sob o arco da casa demolida.
O primeiro ato correu às mil maravilhas. Representamos sob a minha direção. O final não estava combinado, mas eu não tinha peias de recorrer a um deus ex machina caso necessário. Conseguimos segurar a atenção dos irrequietos adultos. Fomos aplaudidos.
O segundo ato correu um pouco pior, com murmúrios da plateia. E faltava eu definir como seria o final. Eu hesitei, enquanto a assistência reclamava da demora. Mandei servir o refresco.
Meu primo menor estava com uma cara insatisfeita, e, no intervalo, decretou que, no próximo ato, faríamos o seguinte: ele começaria sozinho no palco, sentado, lendo um jornal, quando se depararia com a notícia de que seu filho foi sequestrado (cena que reconheci imediatamente como inspirada no início de um episódio de Chaves, além de dramaticamente implausível). Tentei protestar: a peça não era sobre isso; não tinha nada a ver com o que tinha sido feito antes; ele replicou que, do jeito que estava, "tava muito chato". A cortina se abriu, ele fez o que tinha inventado à revelia e depois começou a improvisar com seu irmão, que falava para dentro e rápido; as pessoas da plateia começaram a conversar. Eu desisti, deprimida.

Hoje, sob a casa demolida, plantei tulipas. Apenas a branca floresceu uma vez, repolhuda e nada parecida com uma tulipa. Margot Tenenbaum e Briony também são impossíveis em solo nacional.