19.10.04

Ficar sozinha numa casa de 240 metros quadrados logo depois que alguém muito próximo a você morreu naquela cama ali do lado? Tranqüilo. Só me senti muito corajosa ontem, depois de ler Coraline na íntegra e cair no sono instantaneamente logo depois.
Coraline usa os elementos consagrados do sobrenatural com extrema habilidade narrativa, manejando bem o suspense/surpresa. Esse era exatamente o tipo de livro que me impedia de pregar os olhos. Embora não muito fácil de se encontrar, por ser difícil de se escrever, eu esbarrei em alguns na minha vida.
Um deles foi "Manu, a menina que sabia ouvir" (ei, mudaram o título), de Michael Ende. Os misteriosos homens cinzentos, que estão em todo lugar, mas ninguém os percebe (lembra Matrix? O livro é de 1978...), querem roubar o tempo de todos os humanos, e a única pessoa que podia impedi-los era a inocente menina Manu. Este livro amedronta porque é excelente. Até hoje. Tem gostinho de Matrix, só que mais poético e europeu. O mais estranho é que ninguém sabe como veio parar na nossa estante. Sei que li uma recomendação no Guia do Dr. Rinaldo de Lamare para Educar seu Filho (que eu lia, para saber como educar a criança de oito anos dentro de mim) e adorei a sinopse. Passei a desejar ardentemente lê-lo e, um dia, procurando algo para ler na estante, encontrei-o. Comemorei pela casa toda, explicando a história, mas ninguém achou assim muito estranho. Isso, aliás, parece Coraline.
Frank Peretti, porém, foi o mestre em me deixar insone. Era uma coleção infanto-juvenil de 4 livros com uma família de arqueólogos cristãos, os Coopers (duh). Sim, você leu direito: arqueólogos cristãos. Sempre as excursões tinham a ver com alguma profecia bíblica e um ambiente claustrofóbico: cavernas, tumbas, fundo do mar (aliás, a filha, Lila, era a personagem-título do Presa no fundo do mar.) . Os livros são bons para leitores iniciantes, ou seja, têm o nível de um best-seller, não espere demais. Sempre os incrédulos, após demonstrar sua extrema fraqueza/covardia/ganância/soberba, se ferravam bonito. Podiam, é claro, se salvar, caso se arrependessem a tempo. O problema era quando a besta bíblica irrompia na história: enoques de seis dedos, demônios atrás da porta do Apocalipse, cobras gigantes adoradas por seitas pagãs (o melhor e mais horrível deles, "Fuga da Ilha de Aquário", aparentemente esgotado). Eu me escondia embaixo do edredom e rezava que rezava, mas só pregava os olhos às 4. O pior é que era viciante, e eu não conseguia parar de ler e reler...
Ridículo, ridículo! Tive que andar muito pela casa de noite, insistir muito em dormir sozinha, pensar muito bem porque certas coisas/sonhos me enchiam de terror. Tudo pensando na possibilidade de, certa noite, já morando sozinha, muito bem estabelecida, sentir um terrível pânico e ter que interfonar pro porteiro com alguma desculpa esfarrapada: acho que ouvi barulho de ladrão. Acho que esse medo venceu os outros. Medo de não ser auto-suficiente.