burrice emocional
(ou: ficção, realidade e esquizofrenia)
Você conhece uma mulher pelo jeito como ela é burra.
A mais trivial das burrices é gostar dos homens errados. Atrás dela, seguindo bem de pertinho, emparelhando quase, vem a escolha do parir, seja cedo, tarde demais ou múltiplas vezes. Algumas profissionais da burrice conseguem combinar os dois, concebendo múltiplos filhos de diferentes homens, todos errados, cada um por um motivo particular.
Eu não sei onde é direita e esquerda; meu primo tem isso também, chama-se dislexia. E não consigo determinar quando e quanta gorjeta é apropriado.
Questões como essa me atormentam por um tempo acima do normal:
Se eu apanho a chave do bicicletário com um porteiro e quando volto é outro, 1) devolvo-a ao outro? B) devo dizer-lhe obrigada, embora esteja agradecendo ao outro, que me deu a chave, ou devo agradecer-lhe simbolicamente como a todo o corpo de porteiros? C) Quando eu encontrar o outro porteiro, devo agradecer-lhe por ter me cedido a chave? (Sabendo que as pessoas não pensam assim, será que ele vai se lembrar - e entender?) E da próxima vez agradecer-lhe ao recebê-la de suas mãos, e não depois ou ao devolvê-la?
Como disse, questões como essa me atormentam... eu seria reprovada no teste de Turing!
É por isso que gosto tanto de Philip K. Dick, entre outras (muitas) coisas. Ele tinha o mesmo problema. Chama-se esquizoidia. Consiste em ter percepções das coisas que ninguém mais tem, e portanto tomar decisões que ninguém mais toma e muito menos vê sentido. “For example, we decide not to go on the freeway during rush-hour traffic but take that good old back road that nobody knows about except us.” Às vezes você congela e não consegue fazer nada; às vezes, sai fazendo coisas desenfreadamente sem nenhuma autoconsciência (dançar que nem a Bjork, por exemplo).
Sou quase impossivelmente boa em fazer trabalhos especializados e isolados, como pesquisar. Anteontem descobri que podia consertar o mau contato no cabo do laptop abrindo o fio e fechando o circuito com a chave do armário da biblioteca e vedando com os dedos de uma das luvas de látex - a esquerda. Agora, me coloque para atender o telefone.
Quer dizer, é uma característica que ajuda, mas não é muito bom para se relacionar com os outros ou parecer humano. Ou mesmo fazer sentido.
É aí que o esquizo-escritor entra. Os universos que construímos não formam sistemas. Temos ótimos pedaços de teorias que não se aglutinam nem formam “Teorias de Tudo”. Os personagens que construímos jamais poderiam sobreviver na vida real, fora dos fragmentos de universo em que os posicionamos. Se eles pudessem ter vida própria, e caminhassem para fora do mundo, cairiam no Mar dos Monstros - e é um pouco essa a sensação que temos com respeito a realidade em geral. Nosso mundo é plano - mil platôs - e por isso cabe bem numa página. Mas é isso: somos tão bons ficcionistas como maus realistas. Estamos sempre apagando a lousa e recomeçando a escrever nela. Como será que vou agir hoje? Isso não nos desestimula, pelo contrário: cada desenho é um novo desenho, cada chance é uma nova chance...
Estou fazendo um conto sobre isso também.
De bônus, segue um vídeo musical de anime.
são apenas movimentos vaaaagos
(e aqui outra versão, que costuma desviar a atenção da letra)
30.9.07
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“Será isso uma das muitas formas de escapismo de uma sociedade doente e entediada a essa realidade saudável e dionisíaca que é sempre a marca da boa música popular? Evidentemente. A música com saúde passou a constituir um elemento “Onézimo” no ambiente escuro e enfumaçado das boates pequenas. As estátuas de talco precisam – para serem convenientemente cantadas pelos manequins de cera – de ritmos emolientes, pervertidos e agônicos à meia-luz de pistas de dança mínimas, pois o amor das estátuas e dos manequins não pode se executar senão à vista dos demais. E como é um amor que, em geral, não resolve, que lhe resta senão exibir-se? E para exibir-se, que lhe resta senão estimular a morbidez dos ritmos que propiciam essa exibição?”
Isso foi escrito há mais de cinqüenta anos por Vinicius de Moraes sobre o bolero, na revista Flan - mas se aplica otimamente ao emocore movido a fotolog.
Quero ser feliz, pô. Dançar que nem a Bjork e sorrir na pista de dança. O engraçado é que as estátuas te olham condenando, como se você fizesse aquilo só pra aparecer (mais do que elas). Devia fazer a dança da bundinha nelas, quem sabe entusiasmo pega.
My hips don’t lie: é melhor ir nas festas de eletrônica, lá pelo menos o clima é mais dionisíaco.
Isso foi escrito há mais de cinqüenta anos por Vinicius de Moraes sobre o bolero, na revista Flan - mas se aplica otimamente ao emocore movido a fotolog.
Quero ser feliz, pô. Dançar que nem a Bjork e sorrir na pista de dança. O engraçado é que as estátuas te olham condenando, como se você fizesse aquilo só pra aparecer (mais do que elas). Devia fazer a dança da bundinha nelas, quem sabe entusiasmo pega.
My hips don’t lie: é melhor ir nas festas de eletrônica, lá pelo menos o clima é mais dionisíaco.
24.9.07
Tem que ler boa ficção. Sabe o que é boa ficção? É aquela que você lê e você fica pensando que o autor é um demente incapacitado. Certified.
Boa ficção. Eu leio até a Desciclopédia. Adoro a Desciclopédia.
É a inteligência a serviço da criatividade e vice-versa.
Quer dizer, primeiro vem um americano vegan (não sei se é, mas olhe as figuras) e resolve fazer uma enciclopédia que põe por terra todas as distinções de autoridade. O despossuído desdentado e o PhD de Stanford têm a mesma chance de colaborar com um artigo, cada qual com seu respectivo conhecimento/experiência/pesquisa, desde que tenham acesso a um computador. Provavelmente o despossuído vai pegar um artigo sobre gírias e o PhD um sobre os pontos de contato entre topologia e teoria das supercordas, mas é isso aí. Bunito.
Acontece que a Desciclopédia é muito melhor, porque pega esse conhecimento e o instila de milhares de referências culturais, muitas obscuras ou restritas a nichos, e mente, mente, mente até a total perda de sentido. Não só faz humor em cima do dado enciclopédico como também ironiza os critérios de admissão de um dado como enciclopédico, fazendo pipocar páginas sobre celebridades instantâneas e falsas citações de e sobre as mesmas.
A Desciclopédia é uma grande piada desinformativa em cima da avalanche de informações, “informações” e visões de mundo que atualmente nos soterra.
Dá para perceber que as pessoas que mexem naquilo ali são de algum modo inteligentes só pelo modo como as desinformações são tratadas: parcialmente. Nas páginas sobre animes e mangás, alguns enredos (reais) são explicados em detalhe e, quando o leitor está completamente confundido, no final do parágrafo vem, por exemplo, um redentor “Se mata” - demonstrando que o próprio desciclopedista achou aquilo sem nexo. As principais vítimas dos desciclopedistas são os emos e os falantes do miguxês, outro sinal bem claro de inteligência.
Também há a pinçagem de arquétipos maravilhosos, com exemplos muito provavelmente reais, agrupados num artigo. Exemplos: a Guria Retardada e a Nerd Gostosa. É a crônica de costumes gone awry.
Não é perfeito. Alguns artigos não têm graça ou batem na mesma tecla - a tecla errada. Mas para isso existem as etiquetas, também chupinhadas da Wikipédia, sendo uma das mais úteis “este artigo não é nem um pouco engraçado”. Vai lá alguém e edita até ficar certo (ou seja: completamente errado).
Fazer o quê? Superou em muito o mestre.
Desse tipo de twist é que sinto falta na literatura brasileira. Alternância de vozes, troca-troca de fantasmas, absurdos coerentes. Pretendo pôr meu níquel na caixinha.
Boa ficção. Eu leio até a Desciclopédia. Adoro a Desciclopédia.
É a inteligência a serviço da criatividade e vice-versa.
Quer dizer, primeiro vem um americano vegan (não sei se é, mas olhe as figuras) e resolve fazer uma enciclopédia que põe por terra todas as distinções de autoridade. O despossuído desdentado e o PhD de Stanford têm a mesma chance de colaborar com um artigo, cada qual com seu respectivo conhecimento/experiência/pesquisa, desde que tenham acesso a um computador. Provavelmente o despossuído vai pegar um artigo sobre gírias e o PhD um sobre os pontos de contato entre topologia e teoria das supercordas, mas é isso aí. Bunito.
Acontece que a Desciclopédia é muito melhor, porque pega esse conhecimento e o instila de milhares de referências culturais, muitas obscuras ou restritas a nichos, e mente, mente, mente até a total perda de sentido. Não só faz humor em cima do dado enciclopédico como também ironiza os critérios de admissão de um dado como enciclopédico, fazendo pipocar páginas sobre celebridades instantâneas e falsas citações de e sobre as mesmas.
A Desciclopédia é uma grande piada desinformativa em cima da avalanche de informações, “informações” e visões de mundo que atualmente nos soterra.
Dá para perceber que as pessoas que mexem naquilo ali são de algum modo inteligentes só pelo modo como as desinformações são tratadas: parcialmente. Nas páginas sobre animes e mangás, alguns enredos (reais) são explicados em detalhe e, quando o leitor está completamente confundido, no final do parágrafo vem, por exemplo, um redentor “Se mata” - demonstrando que o próprio desciclopedista achou aquilo sem nexo. As principais vítimas dos desciclopedistas são os emos e os falantes do miguxês, outro sinal bem claro de inteligência.
Também há a pinçagem de arquétipos maravilhosos, com exemplos muito provavelmente reais, agrupados num artigo. Exemplos: a Guria Retardada e a Nerd Gostosa. É a crônica de costumes gone awry.
Não é perfeito. Alguns artigos não têm graça ou batem na mesma tecla - a tecla errada. Mas para isso existem as etiquetas, também chupinhadas da Wikipédia, sendo uma das mais úteis “este artigo não é nem um pouco engraçado”. Vai lá alguém e edita até ficar certo (ou seja: completamente errado).
Fazer o quê? Superou em muito o mestre.
Desse tipo de twist é que sinto falta na literatura brasileira. Alternância de vozes, troca-troca de fantasmas, absurdos coerentes. Pretendo pôr meu níquel na caixinha.
grandes novidades
O ano de 2007 trouxe mais músicas-de-que-todo-mundo-gosta-e-que-eu-não-suporto:
Crazy, do Gnarls Barkley
Amy Winehouse
A Britney e a Cat Power são coisas completamente diferentes, mas que suscitam a mesma reação em mim: consigo ouvir, desde que não se aproxime nenhum fã ardoroso defendendo a qualidade inquestionável da arte da sua ídola e de todas as suas músicas. Aí dá noja.
Mas gosto muito de Kate Nash e Lily Allen. Muito mesmo. Elas têm um lugar no meu coração. Elas conseguem reclamar da vida sem caírem no conto da emo-choradeira (He war) nem no da sistah-poderosa (I'm a survivor) nem mesmo no da decadence sans élegance nenhuma (Rehab). Elas dizem que a vida não presta de um jeito fofo e dançante. Os ingleses dominam mesmo.
O ano de 2007 trouxe mais músicas-de-que-todo-mundo-gosta-e-que-eu-não-suporto:
Crazy, do Gnarls Barkley
Amy Winehouse
A Britney e a Cat Power são coisas completamente diferentes, mas que suscitam a mesma reação em mim: consigo ouvir, desde que não se aproxime nenhum fã ardoroso defendendo a qualidade inquestionável da arte da sua ídola e de todas as suas músicas. Aí dá noja.
Mas gosto muito de Kate Nash e Lily Allen. Muito mesmo. Elas têm um lugar no meu coração. Elas conseguem reclamar da vida sem caírem no conto da emo-choradeira (He war) nem no da sistah-poderosa (I'm a survivor) nem mesmo no da decadence sans élegance nenhuma (Rehab). Elas dizem que a vida não presta de um jeito fofo e dançante. Os ingleses dominam mesmo.
15.9.07
Lista de nomes de que já chamaram JP:
Monk
Pai Mei
Shrek
Sulley
Eric Bana
Dwight McCarthy
inglês chato de filme
espírito-de-porco
avô
Estou muito orgulhosa.
Monk
Pai Mei
Shrek
Sulley
Eric Bana
Dwight McCarthy
inglês chato de filme
espírito-de-porco
avô
Estou muito orgulhosa.
Always in motion
Agora a minha pesquisa se dá num lugar que é um verdadeiro cenário de shoujo anime. Uma suave brisa desfralda folhas e pétalas ao meu redor enquanto caminho, além de balançar as roseiras em flor. Crianças fofas brincam no jardim (e no kindergarten ao lado) produzindo um suave burburinho em uníssono com os pássaros. Pessoas altas, andróginas, bem vestidas e de boa postura circulam silenciosamente pelo chão pintalgado de luz-e-sombra. Uma delas tinha cabelo azul.
Aliás, parece que agora querem transferir meu curso universitário decente da "Ohtori Academy" aqui
(foto de C.E.Ribeiro)
para cá:
Blocão-de-concreto é tão feio feio feio! Fugly ugly! Aliás, o curso de Belas-Artes funciona lá, o que acho no mínimo irônico. Quero estudar num lugar inspirador e acolhedor, com vento nos cabelos e ao lado da piscina, não ao lado do futum maléfico da Ilha do Fundão.
Agora a minha pesquisa se dá num lugar que é um verdadeiro cenário de shoujo anime. Uma suave brisa desfralda folhas e pétalas ao meu redor enquanto caminho, além de balançar as roseiras em flor. Crianças fofas brincam no jardim (e no kindergarten ao lado) produzindo um suave burburinho em uníssono com os pássaros. Pessoas altas, andróginas, bem vestidas e de boa postura circulam silenciosamente pelo chão pintalgado de luz-e-sombra. Uma delas tinha cabelo azul.
Aliás, parece que agora querem transferir meu curso universitário decente da "Ohtori Academy" aqui
(foto de C.E.Ribeiro)
para cá:
Blocão-de-concreto é tão feio feio feio! Fugly ugly! Aliás, o curso de Belas-Artes funciona lá, o que acho no mínimo irônico. Quero estudar num lugar inspirador e acolhedor, com vento nos cabelos e ao lado da piscina, não ao lado do futum maléfico da Ilha do Fundão.
13.9.07
O papagaio de pirata no canto superior esquerdo sou eu.
O Globo - 12/09/2007 - Abertura da Blooks
Eu estava olhando nos olhos da figurinha de William Bonner caída no chão, recostada no poste de preguiçosa que sou. De repente, sinto um forte cheiro de bóia. Era a performance chegando para se colar ao meu poste. Tive que cedê-lo. Observando a performance, percebi que a figurinha do William Bonner tinha caído no chão durante o ensaio da performance. Voltei a olhar para William Bonner, pensando "que cheiro de bóia!". E aí bateram a foto. E apanhei William Bonner do chão e entreguei a um deles.
O Globo - 12/09/2007 - Abertura da Blooks
Eu estava olhando nos olhos da figurinha de William Bonner caída no chão, recostada no poste de preguiçosa que sou. De repente, sinto um forte cheiro de bóia. Era a performance chegando para se colar ao meu poste. Tive que cedê-lo. Observando a performance, percebi que a figurinha do William Bonner tinha caído no chão durante o ensaio da performance. Voltei a olhar para William Bonner, pensando "que cheiro de bóia!". E aí bateram a foto. E apanhei William Bonner do chão e entreguei a um deles.
12.9.07
Coisas muito estranhas acontecem. Acordo às 8 da manhã sem despertador (sempre acordo às dez, desde criancinha) com a idéia de um post (este último, abaixo) sobre morte. Toca o telefone e uma pessoa próxima faleceu. Paro de zapear num programa sobre xamãs e sinto o corpo estranhamente formigante. Dali a pouco, sentada na varanda, vejo a montanha em 4-D. Não por um segundo ou um minuto: pelo tempo que eu quisesse. Assim como um estereograma que mudava o padrão de estampa.
Hoje acordei às seis da manhã. Lembrei de um trauma de infância. Desarmei-o como uma bomba. Aproveito a manhã livre para planejar uma viagem em frente ao computador, e depois me vem a idéia de um post em inglês, que escrevo no Word. Quando chego em casa, à noite, recebo a notícia de que Renan Calheiros foi absolvido. Decido que a hora de postar isso não podia ser mais adequada.
P.S.: Alguém lá fora urra "MENGO! MENGOOOOO!"
Hoje acordei às seis da manhã. Lembrei de um trauma de infância. Desarmei-o como uma bomba. Aproveito a manhã livre para planejar uma viagem em frente ao computador, e depois me vem a idéia de um post em inglês, que escrevo no Word. Quando chego em casa, à noite, recebo a notícia de que Renan Calheiros foi absolvido. Decido que a hora de postar isso não podia ser mais adequada.
P.S.: Alguém lá fora urra "MENGO! MENGOOOOO!"
11.9.07
Não consigo pensar na morte como algo ruim. Sou mais os franceses, que chamam o orgasmo de pequena morte. A morte, então, seria um grande orgasmo, ãnhnn? Deve ser: uma espécie de repouso tântrico.
Lembro de quando pensei como seria a morte. Eu tinha quatro anos. Acho que minha bisavó (que eu chamava de bivó) tinha morrido, mas eu não tinha tido muito tempo de me apegar a ela. Então fiquei pensando. "Morrer deve ser que nem dormir", pensei, "fica tudo escuro". Pensei isso deitada na cama. Fechei os olhos e me imaginei morta. Então entendi a expressão "o sono eterno".
Depois me ensinaram toda a tal baboseira de anjos, nuvens e harpas versus chamas, enxofre e tridentes. Tentam pegar você cedo, mas comigo não foi cedo o suficiente. Até os três anos eu tinha estudado num colégio laico.
Lembro da minha primeira prova de religião. Eu tinha cinco ou seis anos. Tirei nove e meio. Respondi assim à pergunta "o animal pensa?": "Sim". Imediatamente precedida por "o homem pensa?", à qual também respondi sim. A freira chamou minha avó na escola (juro), chegou para mim e ficou tentando me convencer de que o animal não pensava. Argumentei que na historinha da Mônica ele pensava sim. A freira e minha avó se entreolharam, riram, e disseram que era invenção, coisa de gibi, que não contava. Argumentei que o animal pensa, sim, porque tem que pegar comida e saber onde se bebe água. Minha avó respondeu: "Sim, Simone, ele pensa, mas não raciocina...". Eu disse que se era assim, deviam ter colocado a palavra exata na prova, mas entendi pelo sorriso acuado da freira que a maior parte dos pirralhos da minha idade não saberia o significado de raciocinar; e que o objetivo das duas perguntas em série era me doutrinar: o homem era superior aos animais. Eu continuei sem concordar, mas desisti de argumentar. Entendi que o sistema não prestava e que era melhor fingir me submeter a ele. Me fizeram apagar a resposta certa e escrever não.
É por isso que não consigo ser de direita (ou de esquerda): não consigo achar que o homem tenha algo de especial (centelha divina? razão?) sobre todas as outras espécies (vide este post, "Selva de pedra", em que o autor considera como seria bom ser elefante, deu vontade), nem que haja nele algum tipo de centelha de bondade intrínseca que seria despertado em uma pretensa sociedade ideal. Acho melhor viver numa sociedade onde a ladroagem é inibida e regulada do que numa em que a ladroagem supostamente não existe e portanto nenhuma punição é prevista para ela.
Lembro de quando pensei como seria a morte. Eu tinha quatro anos. Acho que minha bisavó (que eu chamava de bivó) tinha morrido, mas eu não tinha tido muito tempo de me apegar a ela. Então fiquei pensando. "Morrer deve ser que nem dormir", pensei, "fica tudo escuro". Pensei isso deitada na cama. Fechei os olhos e me imaginei morta. Então entendi a expressão "o sono eterno".
Depois me ensinaram toda a tal baboseira de anjos, nuvens e harpas versus chamas, enxofre e tridentes. Tentam pegar você cedo, mas comigo não foi cedo o suficiente. Até os três anos eu tinha estudado num colégio laico.
Lembro da minha primeira prova de religião. Eu tinha cinco ou seis anos. Tirei nove e meio. Respondi assim à pergunta "o animal pensa?": "Sim". Imediatamente precedida por "o homem pensa?", à qual também respondi sim. A freira chamou minha avó na escola (juro), chegou para mim e ficou tentando me convencer de que o animal não pensava. Argumentei que na historinha da Mônica ele pensava sim. A freira e minha avó se entreolharam, riram, e disseram que era invenção, coisa de gibi, que não contava. Argumentei que o animal pensa, sim, porque tem que pegar comida e saber onde se bebe água. Minha avó respondeu: "Sim, Simone, ele pensa, mas não raciocina...". Eu disse que se era assim, deviam ter colocado a palavra exata na prova, mas entendi pelo sorriso acuado da freira que a maior parte dos pirralhos da minha idade não saberia o significado de raciocinar; e que o objetivo das duas perguntas em série era me doutrinar: o homem era superior aos animais. Eu continuei sem concordar, mas desisti de argumentar. Entendi que o sistema não prestava e que era melhor fingir me submeter a ele. Me fizeram apagar a resposta certa e escrever não.
É por isso que não consigo ser de direita (ou de esquerda): não consigo achar que o homem tenha algo de especial (centelha divina? razão?) sobre todas as outras espécies (vide este post, "Selva de pedra", em que o autor considera como seria bom ser elefante, deu vontade), nem que haja nele algum tipo de centelha de bondade intrínseca que seria despertado em uma pretensa sociedade ideal. Acho melhor viver numa sociedade onde a ladroagem é inibida e regulada do que numa em que a ladroagem supostamente não existe e portanto nenhuma punição é prevista para ela.
10.9.07
pequena reflexão
Se leio um livro e fico pensando, essa pessoa de quem o alter ego mal-disfarçado do autor fala, acho que sei quem é, ou aposto que essa pessoa existe, isso estraga o livro para mim. É que tenho uma imaginação maldita que triangula tudo. Imagino logo o autor falando com a tal pessoa e observando tudo com avidez de caninos pontudos, observando seus maneirismos e a reação dos circunstantes a ela, tomando notas mentais para depois escrever. Aí fico com raivinha do escritor, e não consigo esfregar as mãos junto com ele, cupincha, e rir porque compartilho de sua noção do quanto o indivíduo retratado é ridículo. Um livro assumidamente todo baseado nisso, no entanto, teria seu interesse (estou atrás de um com esse perfil).
Suponho que personagens de livros famosos e bons tenham sido inspirados em pessoas reais - penso em Clare Quilty, de Lolita, e no Gatsby de O grande Gatsby -, mas o aspecto vingancinha é completamente perdoável quando a pessoa "vampirizada" ganha vida própria no papel.
Se leio um livro e fico pensando, essa pessoa de quem o alter ego mal-disfarçado do autor fala, acho que sei quem é, ou aposto que essa pessoa existe, isso estraga o livro para mim. É que tenho uma imaginação maldita que triangula tudo. Imagino logo o autor falando com a tal pessoa e observando tudo com avidez de caninos pontudos, observando seus maneirismos e a reação dos circunstantes a ela, tomando notas mentais para depois escrever. Aí fico com raivinha do escritor, e não consigo esfregar as mãos junto com ele, cupincha, e rir porque compartilho de sua noção do quanto o indivíduo retratado é ridículo. Um livro assumidamente todo baseado nisso, no entanto, teria seu interesse (estou atrás de um com esse perfil).
Suponho que personagens de livros famosos e bons tenham sido inspirados em pessoas reais - penso em Clare Quilty, de Lolita, e no Gatsby de O grande Gatsby -, mas o aspecto vingancinha é completamente perdoável quando a pessoa "vampirizada" ganha vida própria no papel.
9.9.07
Concentração
Resolvi zerar o Sonic e o Castle of Illusion de novo. O Sonic tem duas músicas muito boas: a da Marble Zone, que é um tanguinho midi, e a da Starlight Zone. Minha música preferida do Castle of Illusion é a Spiders, em que o Mickey tem que pular entre folhas flutuantes salpicadas de orvalho e fugir de teias de aranhas. Bem relaxante.
Resolvi zerar o Sonic e o Castle of Illusion de novo. O Sonic tem duas músicas muito boas: a da Marble Zone, que é um tanguinho midi, e a da Starlight Zone. Minha música preferida do Castle of Illusion é a Spiders, em que o Mickey tem que pular entre folhas flutuantes salpicadas de orvalho e fugir de teias de aranhas. Bem relaxante.
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