11.9.07

Não consigo pensar na morte como algo ruim. Sou mais os franceses, que chamam o orgasmo de pequena morte. A morte, então, seria um grande orgasmo, ãnhnn? Deve ser: uma espécie de repouso tântrico.
Lembro de quando pensei como seria a morte. Eu tinha quatro anos. Acho que minha bisavó (que eu chamava de bivó) tinha morrido, mas eu não tinha tido muito tempo de me apegar a ela. Então fiquei pensando. "Morrer deve ser que nem dormir", pensei, "fica tudo escuro". Pensei isso deitada na cama. Fechei os olhos e me imaginei morta. Então entendi a expressão "o sono eterno".
Depois me ensinaram toda a tal baboseira de anjos, nuvens e harpas versus chamas, enxofre e tridentes. Tentam pegar você cedo, mas comigo não foi cedo o suficiente. Até os três anos eu tinha estudado num colégio laico.
Lembro da minha primeira prova de religião. Eu tinha cinco ou seis anos. Tirei nove e meio. Respondi assim à pergunta "o animal pensa?": "Sim". Imediatamente precedida por "o homem pensa?", à qual também respondi sim. A freira chamou minha avó na escola (juro), chegou para mim e ficou tentando me convencer de que o animal não pensava. Argumentei que na historinha da Mônica ele pensava sim. A freira e minha avó se entreolharam, riram, e disseram que era invenção, coisa de gibi, que não contava. Argumentei que o animal pensa, sim, porque tem que pegar comida e saber onde se bebe água. Minha avó respondeu: "Sim, Simone, ele pensa, mas não raciocina...". Eu disse que se era assim, deviam ter colocado a palavra exata na prova, mas entendi pelo sorriso acuado da freira que a maior parte dos pirralhos da minha idade não saberia o significado de raciocinar; e que o objetivo das duas perguntas em série era me doutrinar: o homem era superior aos animais. Eu continuei sem concordar, mas desisti de argumentar. Entendi que o sistema não prestava e que era melhor fingir me submeter a ele. Me fizeram apagar a resposta certa e escrever não.
É por isso que não consigo ser de direita (ou de esquerda): não consigo achar que o homem tenha algo de especial (centelha divina? razão?) sobre todas as outras espécies (vide este post, "Selva de pedra", em que o autor considera como seria bom ser elefante, deu vontade), nem que haja nele algum tipo de centelha de bondade intrínseca que seria despertado em uma pretensa sociedade ideal. Acho melhor viver numa sociedade onde a ladroagem é inibida e regulada do que numa em que a ladroagem supostamente não existe e portanto nenhuma punição é prevista para ela.