24.9.07

Tem que ler boa ficção. Sabe o que é boa ficção? É aquela que você lê e você fica pensando que o autor é um demente incapacitado. Certified.
Boa ficção. Eu leio até a Desciclopédia. Adoro a Desciclopédia.
É a inteligência a serviço da criatividade e vice-versa.
Quer dizer, primeiro vem um americano vegan (não sei se é, mas olhe as figuras) e resolve fazer uma enciclopédia que põe por terra todas as distinções de autoridade. O despossuído desdentado e o PhD de Stanford têm a mesma chance de colaborar com um artigo, cada qual com seu respectivo conhecimento/experiência/pesquisa, desde que tenham acesso a um computador. Provavelmente o despossuído vai pegar um artigo sobre gírias e o PhD um sobre os pontos de contato entre topologia e teoria das supercordas, mas é isso aí. Bunito.
Acontece que a Desciclopédia é muito melhor, porque pega esse conhecimento e o instila de milhares de referências culturais, muitas obscuras ou restritas a nichos, e mente, mente, mente até a total perda de sentido. Não só faz humor em cima do dado enciclopédico como também ironiza os critérios de admissão de um dado como enciclopédico, fazendo pipocar páginas sobre celebridades instantâneas e falsas citações de e sobre as mesmas.
A Desciclopédia é uma grande piada desinformativa em cima da avalanche de informações, “informações” e visões de mundo que atualmente nos soterra.
Dá para perceber que as pessoas que mexem naquilo ali são de algum modo inteligentes só pelo modo como as desinformações são tratadas: parcialmente. Nas páginas sobre animes e mangás, alguns enredos (reais) são explicados em detalhe e, quando o leitor está completamente confundido, no final do parágrafo vem, por exemplo, um redentor “Se mata” - demonstrando que o próprio desciclopedista achou aquilo sem nexo. As principais vítimas dos desciclopedistas são os emos e os falantes do miguxês, outro sinal bem claro de inteligência.
Também há a pinçagem de arquétipos maravilhosos, com exemplos muito provavelmente reais, agrupados num artigo. Exemplos: a Guria Retardada e a Nerd Gostosa. É a crônica de costumes gone awry.
Não é perfeito. Alguns artigos não têm graça ou batem na mesma tecla - a tecla errada. Mas para isso existem as etiquetas, também chupinhadas da Wikipédia, sendo uma das mais úteis “este artigo não é nem um pouco engraçado”. Vai lá alguém e edita até ficar certo (ou seja: completamente errado).
Fazer o quê? Superou em muito o mestre.
Desse tipo de twist é que sinto falta na literatura brasileira. Alternância de vozes, troca-troca de fantasmas, absurdos coerentes. Pretendo pôr meu níquel na caixinha.