15.5.08

- Devolva-me minha cabeça, minha cabeça... Pode ficar com o meu apartamento, meus quadros, mas devolva minha cabeça!

Você já chegou a pensar, no meio de um livro, "não, o cara não pode ter escrito isso"?
Há algum tempo eu queria falar de Mikhail Bulgakov - mais exatamente, do seu romance O mestre e Margarita. É um livro em que você pensa isso o tempo todo. É um livro muito quadrinhos. Todo mundo vai parar no hospício, como em Gotham com seu Asilo Arkham. Também me lembrou em muitos momentos o Sandman de Neil Gaiman. As criaturas do além não chegam aqui para ficar, nem para serem derrotadas, mas para vingarem a mediocridade e a covardia. Assim como em Gaiman o escritor fuleiro que aprisiona a musa no sótão é punido por Sandman, aqui a MASSOLIT (clube estatal dos escritores fuleiros estalinistas) é punida por Margarita e pelos capangas de Satã.
Outra semelhança com Sandman são os interlúdios com outra história aparentemente díspar -- no caso, a (suposta) "verdadeira história" do que houve entre Jesus e Pilatos. Esta história é, na verdade, a obra-prima escrita pelo Mestre. Vai soar péssimo, mas Bulgakov conseguiu deixar o "livro do Mestre" engraçado. Aliás, O mestre e Margarita todo é muito engraçado e alegre, mesmo quando é terrível. Outra coisa: o livro se passa na Páscoa. E eu, sem saber disso, comecei e terminei de lê-lo justo na Páscoa.
A melhor parte do livro é quando entra a Margarita e, seguindo as instruções do capanga demoníaco Azazello, vira uma bruxa. Não uma bruxa tradicional, apesar de usar vassoura. Uma bruxa cheia de alegria vingativa. O seu vôo sobre Moscou é antológico. Parece até que já conheço a cidade. Muitos sonhos bons meus são assim, de sair voando pela cidade, entrando pela janela dos apartamentos e fazendo travessuras como as de Margarita.
Outra parte que me marcou foi quando, depois de vários reveses, o poeta Ryukhin faz um auto-exame e percebe que tudo o que já havia escrito era uma fraude.
O mestre e Margarita trata de um tema que me é muito caro: a bondade que existe na maldade e a maldade que existe na bondade. Quem quiser ler um exemplo, aqui tem um trecho do conto Bondade e onde encontrá-lo todo.