16.6.08

Trabalhando. Fiquem com um pouco do "recheio" do conto do Clóvis (ainda sem nome definido):

São seis horas da tarde. Estou no meio de uma festa sobre a Lagoa, na cobertura de uma família amiga da nossa. É uma família famosa, de esquerda. A filha do casal anfitrião, Larissa, tem a minha idade. Foi por isso que Cristina me trouxe: como que para brincar com ela. Ela ficou um pouco, nos falamos, depois desceu porque ia sair com o namorado.
Não sei se circulo ou fico parado. Queria ir para a varanda, mas está cheia. Minha irmã mistura-se bem a uma rodinha de profissionais liberais um pouco mais velhos, perto da estante, fora o tempo dedicado a puxar o saco da anfitriã. Não quero ficar perto dela. Não quero nem estar aqui. Dá para sentir a estagnação no ambiente. Dezenas de explanadores de meia-idade, vampirizando doses e doses do mais puro escocês, cortejam as “ninfetas” (de trinta anos). Suas esposas, cornas contumazes, fazem vista grossa e levantam tópicos que as façam parecer inteligentes e atualizadas (mas não pretensiosas; isso fica a cargo dos maridões). Há crianças também, correndo pelo meio das pernas dos adultos, as mais velhas já de batom e bolsinha plástica que não largam por nada nesse mundo.
(...)
Saio, vou descendo a ladeira, outra vez fantasio com o LARISSA E LINDA rabiscado no cimento, para depois me dar conta (outra vez) que só não tinham posto o acento no E. A linha do horizonte está cor de iluminador rosa. Fazendo o trajeto sem pressa, mãos no bolso, posso finalmente apreciar a vista direito. É de uma beleza doída (doida, não; veja só como acentos importam). Quando chego no pé da ladeira vejo a Árvore de Natal trocando as luzes, toda colorida; me sinto bem, longe da muvuca, do povaréu alucinado disputando lugar na muretinha. Do terreno alto dá para ver bem melhor. Não que eles não saibam: desdenham, bom é ficar o mais perto possível, envesgar com o nariz na TV. Paro junto à placa da esquina e fico olhando, mais o céu do que a Árvore. Podia sentar ali mas não sento, percorro os poucos metros até o ponto de ônibus e pego o 157.



Este conto deve fazer parte do meu próximo livro, Amostragem complexa. Até agora só expus nesse blog este e outro conto, ambos de adolescente em primeira pessoa (embora de personalidades muito diferentes); mas tem de tudo nesse livro, penso que vou até ter de cortar alguma coisa para caber. Penso em botar no convite do lançamento (ou aqui, um pouco antes), um mosaico com trechos de cada conto, pois assim algum há de agradar a alguém...