Corre a lenda urbana de uma menina que pediu uma permanente e saiu do salão chamuscada. Claro, o quente (com trocadilho) é a chapinha, a escova. Quando alguém aparece no salão pedindo essa coisa esdrúxula que ninguém pede (caracóis na cabeça), é desentocar o equipamento do fundo do armário e procurar alguém que se lembre minimamente do procedimento... e o resultado é um desastre.
Desde que minha cabeleireira de confiança morreu, quando eu tinha quinze anos, tenho entrado em salões aleatórios e tentado várias táticas (inclusive usar auxílios visuais) para convencê-los/ aliciá-los/ fazê-los compreender o que eu quero do meu cabelo.
Os cabeleireiros não sabem mais trabalhar com caracóis. Tudo o que for além de fio reto em cabelo enrolado está além da capacidade da maioria deles. Se você quer aproveitar sua juba para fazer um corte picotado, eles agem como se soubessem o que fazer, mas no fundo torcem o nariz para sua falta de praticidade e consideração em não fazer chapinha - e fazem tudo errado.
Tinha também o agravante de eu proibi-los de fazer escova depois do corte. Cabelo encaracolado recém-cortado dá trabalho para sair do salão minimamente aceitável, com borrifos de produtos fedorentos, musse, e uso de secador quase proibido. A maioria dos cabeleireiros já se volta para o secador e a escova ao final do corte, no piloto automático. Quando eu via o indivíduo alcançando a temível máquina-tamanduá, já ia logo gritando "ALTO LÁ".
Nada disso contribuía para o bom relacionamento entre nós dois, especialmente quando eu chegava em casa e via, por exemplo, que o poltrão não tinha picotado a parte de trás com medo de "dar volume" - precisamente o meu mais profundo desejo. Ou que não deixou a parte da frente comprida o suficiente, por desconhecer, oh deus, que cabelos podem se enovelar bastante depois de secos.
Total fracasso até este sábado, quando encontrei uma profissional que compreendia o tao dos caracóis. Para se ter uma idéia, ela não tinha o cabelo alisado à força de química braba de todas as outras - a tentação é grande, cercada por todos aqueles produtos grátis. Mas ela era uma grande partidária dos caracóis, tinha cabelos encaracolados e um corte bastante parecido com o que eu queria para mim. Saiu bom, é claro. Finalmente.
E aqui um trecho do A feia noite:
"Além de basto o cabelo era compridíssimo, de afogar as costas, quase sempre meio-preso com austereza. Solto, se esparramaria ao vento feito um anacronismo. Multinacionais de cosméticos processá-lo-iam por danos à imagem. Aquele cabelo era uma ofensa, um impudor oitentista, e precisava ser contido. De forma que hoje ele estava curto, abaulado, quase inofensivo. Iscas, não tentáculos. "