12.8.08

Quero contar uma história para vocês verem como o negócio é sério, e de berço:



Eu tinha seis anos quando isso aconteceu. Estudava no Colégio Santo Amaro há quase dois anos, uma instituição prisional completamente miserável e sem-graça, especialmente se comparado com o colégio laico onde eu estudara até os quatro, o Anglo-Americano. Mas meus pais não tinham dinheiro. Certa tarde, quando voltei do colégio, minha avó me disse:

“Simone, sua mãe ganhou uma bolsa! Você ganhou uma bolsa do Anglo-Americano!”

Até eu entender que não se tratava de bolsa-mochila e sim de bolsa-mensalidade, da qual até então eu nunca havia ouvido falar, demorou um pouco. Afinal minha avó usou as palavras “estudar sem pagar” e “poder voltar pro Anglo”, ao que eu disse: ah, é?

Enquanto isso fui andando para o quarto dos meus pais e soltando a mochila das costas, sentando na cama. E nada. Não saía nada. A expressão não se expressava em mim. Eu era um manequim. Uma Rei Ayanami, uma esquizóide que travava na hora de reconhecer os sentimentos para si mesma. Em linguagem computacional, uma falha de índice. Mas minha avó viu que eu estava paralisada. Ela percebia que às vezes sua neta precisava de uma mãozinha.

“Poxa, eu pensei que você fosse gostar. Você anda tão tristinha depois que foi pro Santo Amaro.”

Lembro de ter levantado a cabeça devagar; minhas mãos estavam sobre os joelhos.
“Você não tá feliz?” – insistiu ela.

E de repente... ("o que é isso? O que é isso que vem me subindo agora?")

“Sim!”

Eu pulei. Dentro de mim fervilhou o entendimento. Eu entendia naquele instante que felicidade era a coisa boa, e tristeza a coisa ruim que eu sentia; e mais, que o bom era bom, e o ruim era ruim, através da comparação do meu tempo no Anglo com meu tempo no Santo Amaro.

“Sim, tô! Tô feliz!”

E pulava mais, abraçando a minha avó, e gastava as palavras, maravilhada:

“Eu tava triste! Eu tava triste no Santo Amaro! E agora tô feliz porque vou voltar para o meu colégio!”

Eu pulava e gritava pela casa toda, histérica, rindo e chorando ao mesmo tempo, por ter entendido que devia perseguir o bom (pelo menos naquela hora).



É o que eu digo: espero que minha percepção distorcida sirva pelo menos para enxergar coisas que a outros passam despercebidas; é, é, para escrever.