três tigres tristes
Muita gente junta me dá pânico. Muita gente querida junta me dá muito pânico.
É em eventos sociais como o de hoje que as pessoas pensam: essa menina tem problemas. Pareço uma garota sem noção que fica muito tempo olhando para a parede, esbarra nos outros, não sabe conversar e vai embora cedo. O pior é que não é por medo de gente.
O problema não é lembrar o nome de todo mundo - assumo logo de cara que esqueci - mas principalmente ficar em meio a todas aquelas pessoas, aah, na forma de um corpo que tem que se mexer e falar de forma ordenada e não errática. Me dá um terminal, eu penso. Com um terminal eu posso interagir com uma coisa plana, uma ilusão de mecanicidade, e também fingir que não sou errática. Eu penso melhor escrevendo também. Sou muito mais agradável por escrito.
Só no terminal eu sou inequívoca. Na vida real você pode ter uma conversa inteira comigo sem perceber se eu te amo, te suporto ou te odeio, por mais que eu me esforce para demonstrar o que sinto.
(momento Herman Hesse agora:) Um dos problemas, fora de brincadeira, é que eu olho para cada pessoa e vejo não uma unidade, mas uma singularidade composta de várias personalidades diferentes superpostas, como um arquivo de Photoshop. (Esse é o primeiro traço de esquizoidia que me atrapalha.) Numa reunião social, entre pessoas queridas, eu fico que nem um telepata de filme trash quando entra no meio de uma multidão e ouve os pensamentos de todo mundo, cambaleando com as duas mãos sobre o próprio crânio. Bem, não literalmente, mas eu fico bastante aflita. Aflita para estar sozinha de novo.
Friso pessoas queridas, o fato de serem queridas é importante, porque nasci com uma capacidade bela e terrível: quando resolvo cagar para as pessoas, eu realmente cago para elas. Basta me convencer disso. É terrivelmente infalível. Eu não finjo, eu sinto. (Esse é o segundo traço de esquizoidia que me atrapalha.) Sabendo disso e conhecendo o mecanismo, seria muito fácil para mim ter uma existência sem dor, evitando todos os percalços do envolvimento emocional. Acontece que eu acho melhor sentir alguma coisa do que nada. Aquela história do Tennyson, vocês sabem.
Mr. O'Neill - "It is better to have loved and lost, then never to have loved at all." Just what is Lord Tennyson talking about? (...)
Daria - Well, he's acknowledging that if something makes you feel good, like being in love, there must be a corresponding painful side, like losing a love, and that it's just a fact of life.
Mr. O'Neill - Sad, but true.
Daria - And what's intriguing about it is that no one calls Tennyson a big unhappiness freak just because he understands that.
Mr. O'Neill - Is he a big unhappiness freak?
Daria - No, he's a realist. He says, "Emotional involvement brings pleasure and extraordinary pain." Then he declares that it's better than feeling nothing at all.
- da animação Daria.
Por isso eu saio, pego ônibus e passo o pânico que passo. Às vezes queria que me puxassem pela mão e dissessem: "Ei, vamos falar com Fulano" sabendo que eu quero falar com Fulano. Porque também não faço isso com facilidade. Minha falta de empatia não se direciona apenas a outros, mas também a mim mesma. Eu me esqueço do que é bom. Eu me esqueço porque o bom é bom. Eu esqueço porque tenho que me dar as coisas que eu quero. Esqueço que quero o que quero. (E esse é o terceiro traço de esquizoidia que me atrapalha, no que mais me pareço com a Rei.) Tenho que me forçar a lembrar de como interagir pode ser bom para me empurrar a interagir.
É melhor ver um de cada vez, lido melhor assim. Aliás, é emocionante ver todas aquelas personalidades formando um ser só quando você está sozinha com apenas um alguém querido; é como brincar com um caleidoscópio. Eu tenho um caleidoscópio, é meu brinquedo preferido.