Como já estou a meio caminho de ser uma chata irremediável - todos sabem que denunciei o Orkut (apesar de eu estar nele) e que acho que blogs atraem malucos (apesar de estar escrevendo em um agora mesmo, pareço não demonstrar minha gratidão à mídia fingindo que ela é perfeita; desculpe, mídia) - pensei em aproveitar para falar o que acho da festa literária de Parati.
Eu tenho um trauma danado de Parati. Foi há muitos e muitos anos atrás, quando ainda existia o The Waves e um certo futuro-ex-ministro de Itamar começava a ganhar as eleições. Eu tinha 9 anos e pedi uma viagem a São Paulo nas férias de julho; queria conhecer o Playcenter, a Cidade da Criança e o parque da Mônica.
Fomos pela Soletur, a extinta, de ônibus. A viagem de Rio a São Paulo começou às 6:30 da manhã e terminou às 9:30 da noite. Sim, você leu direito: 300 quilômetros em 13 horas, com paradas a cada 2 minutinhos.
A parada para almoço foi em Parati. Enjoadíssima, tropiquei nos paralelepípedos, observando a paisagem colonialmente sem graça, e uma igreja branca na frente da praia. Ó a praia, que linda. Que nada; a praia também era sem graça, de areia dura.
Depois de uma deliberação sob uma árvore frondosa (a única coisa bonita naquela cidade árida e amarela como um road movie no deserto de Nevada), andamos para a esquerda, passamos (nós 30) por uma ponte de madeira se não me engano, sempre tropeçando nos paralelepípedos. Entramos num restaurante completamente despreparado para turistas. No restaurante só tinha peixe. Eu não comia peixe.
Agarrei um punhado daquela terra amarelo-desmaiado - feito difícil, do jeito que era compacta - e gritei contra o sol poente: "nunca mais volto aqui, nem que tenha que roubar, matar e mentir etc."
Brincadeira.
Mas foi uma merda, convenhamos.
Fora meu trauma, existe a implicância de estrelinha-do-orkut. Os fãs do Chico Buarque, os fãs de fulano, beltrana e sicrano todos vão estar lá, à espreita na saída de hotéis, caçando autógrafos, citando frases, dizendo como-fulana-é-maravilhosa - e aí alguns dizem "ah, mas não é maravilhoso! tanta atenção para a literatura! tanta gente congregando seus interesses literários!". E os buchas tentando caçar alguma perdidinha com cantadas pseudonas. E adolescentes se sentindo, acampados num quarto óctuplo. E muito mais.
Eu sou anti-social. Não é por ser escritora e achar que devo sê-lo; simplesmente calhei de ser os dois. Não vou mudar para me encaixar no novo modelo capitalista neoliberal de escritor gente-como-a-gente. "Rapunzel, jogue suas tranças da torre de marfim." "Mas fico tão bem de chanelzinho...".
Também não acredito que seja obrigada a conviver com escritores-da-minha-geração. Convivo no Orkut, alguns no ICQ, no e-mail muitos também - mas porque esbarrei neles e gostei. Senão vira assim:
"Li no jornal que você, como eu, é um escritor da nova geração. Vamos sentar numa mesa de um boteco do Leblon, que é onde se encontram os intelectuais cariocas, e trocar idéias para fertilizar nossas literaturas in vitro. Bleep."
(No futuro o sexo será assim, alguém viu Barbarella?)
Gueto de Varsóvia, brr.
Não precisa separar a literatura do "resto", senão a coitada sufoca e morre. É como uma flor. Dêem espaço para ela se transformar. Eu mesma estou escrevendo o livro novo e roteirizando para cinema ao mesmo tempo. Entendeu?
Se você acha que isto quer dizer que eu jamais iria a uma FLIP, não entendeu nada. Estou dizendo que Parati é um dos espaços para a literatura brasileira tomar (mais) jeito, mas eu não curto badalação deste tipo nem a cidadezinha (pobrecita), portanto prefiro meus outros espaços.
A saber: tenho uns amigos, uns fazem e curtem cinema, outros jornalismo, outros tradução, outros webpages ou programação, outros desenham e lêem quadrinhos, e a gente se encontra em lugares improváveis como bares, boates alternativas e cinemas - de arte ou não - e conversamos. Também nos encontramos na casa de quem tem o melhor computador e DVD;para assistir filmes roubados da internet; nos emprestamos livros, filmes, cds e gibis;e nos indicamos brechós e sebos. Assim reparte-se a cultura no meu meio social e os resultados são altamente satisfatórios.
Mas minha mãe, por exemplo,só me vê "isolada", porque não giro estrelas com um sorriso no olhar, nem tricoto com "meus pares" vista das milhares de câmeras digitais que espoucam em Parati (e em tantos outros lugares).