3.7.04

Hoje senti vontade de falar da moça esquizofrênica que mora aqui em cima. Esqueci o nome dela, mas não faz mal; esqueço o de todo mundo.
Ela sapateia no chão; espero o barulho passar, ela sabe que estou esperando, sossega. Ou o Ritalin, não posso saber.
Encontro-as geralmente na portaria, sentadas na muretinha branca. A mãe dela tem um sorriso gelado e aflito e fixa o olhar em todos que passam. Ambas estão vestidas de acordo com a última moda dos anos 60. A menina está decorada com um casaquinho azul e um colar de pérolas igual ao da Lisa Simpson. Calças compridas marrom-escuras. Mãos postadas no colo, ensina a etiqueta.
A menina está sempre com a boca entreaberta. Junto com os olhos muito grandes, dá aquela expressão de deficiente mental. Ela é branca e grande, deve ter 1,80m, bonita sem favor. Cabelos bem pretos e curtos, mais fácil de controlar. Anda meio curvada, ninguém vai colocar um esquizofrênico na RPG.
Quando estou na área de serviço eu ouço-a falando:
- Nhhh! Mãããi! Nhhhh!
E outro dia ouvi uma voz perfeitamente calma, jovial, segura, falando assim:
- Mãe. (*não ouvi muito bem*) senão não dá tempo de lavar a louça.
Parecia uma interpretação, juro por Deus. Parecia uma atriz falando no teatro, articulada, firme, sabendo o que está falando. Falando do jeito que eu sempre quis falar, alto e claro e com certeza. Sempre ouvi dizer que esquizofrênicos têm "divisões" no cérebro, que podem desenvolver segundas personalidades. Parecia ela mesma, mas não posso saber.