etiquette
Existem três tipos de simpatia no Brasil:
1) a simpatia social
2) a simpatia quero-te-comer
3) a simpatia fui-com-a-sua-cara
A simpatia social são todos os atos, gestos e maneiras utilizados pelo brasileiro para passar a idéia de ser uma pessoa do bem, alto-astral, não-invejosa, de bem com a vida, solidária, que "sabe receber", "se virar" e está "por cima". Esse tipo de simpatia se liga facilmente à hipocrisia e à falsidade, pois não importa se esta impressão tem alguma conexão com a realidade ou não: ela deve ser passada.
De vez em quando os valores a serem demonstrados mudam, mas a simpatia social permanece, bastião da nacionalidade que é.
Aliás, normalmente as pessoas sem nenhuma característica individual distinta, que não conseguem diferenciar a simpatia social brasileira da simpatia fui-com-a-sua-cara, sentem-se traídas ao constatar que uma outra pessoa foi simpática com elas apenas socialmente e não foi-com-a-cara-delas, e chamam-na de "falsa". É aquela infame característica, falsidade, sempre citada como a mais detestada por gente tão falsa quanto.
Enfim, a simpatia pessoal é um grande vício que deve ser exterminado. Estou com os ingleses. Feche a cara para quem você não conhece, ou já conhece mas não gosta, e só abra a cara quando se abrir. Tem que haver alguma seleção, alguns (vão me matar por isso) saudáveis preconceitos.
Tem a simpatia quero-te-comer - você acabou de ser apresentada(o) a alguém e a pessoa fica de olhos brilhantes, estende o contato de pele no cumprimento, é hiperultrasimpática com você e segue um dos caminhos: a) tenta descobrir tudo sobre você ou b) tenta contar toda a vida dele(a). Muita calma nessa hora. Às vezes a pessoa é digna de pena, às vezes de repúdio e muito raramente de ódio. De quando em vez a pessoa é digna de atenção, correspondência e número de telefone. Mas se você já foi simpático(a) quero-te-comer durante muito tempo e não encontrou resposta aos seus avanços, por favor não insista. É constrangedor, além de perda de tempo - para os dois envolvidos.
E a simpatia fui-com-a-sua-cara ocorre de modo inversamente proporcional ao número de intransponibilidades da pessoa: eu, por exemplo, não aturo gente ególatra, abusada ou burra, o que me deixa uma ínfima fatia da humanidade a conferir. Não é que eu tenha resolvido não gostar de gente assim; é o contrário, derivei as características que as pessoas de quem não gostava tinham em comum.
Às vezes até gostaria de ser mais flexível, mas não consigo. Exemplo: acabo vendo menos uma pessoa legal com um namorado ególatra. Você vai encontrar a pessoa e a noite toda o tal namorado tagarela sobre seu interessantíssimo trabalho como assessor de imprensa de banda de rock, impedindo que qualquer outra pessoa na mesa tenha uma conversa produtiva. Pois é: os ególatras burros são os mais intransponíveis de todos... faço qualquer coisa para evitar um. Mas divago.
Uma vantagem de não usar a simpatia tipo 1 é que as outras duas ficarão mais nítidas. Quando você sorrir ou der papo para uma pessoa, ela saberá que aquele sorriso realmente significou alguma coisa. Então, ao encontrar gente legal, demonstre sua satisfação. Mas calma: respire fundo, não exagere, senão sua simpatia pode ser confundida com desespero. Ou falta de sexo. Gente grudenta é intransponível para muitos.
Em suma:
Não é preciso olhar nos olhos dos vizinhos. Ninguém precisa ser amiguinho de ninguém. Basta cumprir a sua parte, ser civilizado em vez de cordial. É mais ético ser simpático com quem realmente gostamos do que ser simpático com todo mundo. Avanços amorosos só devem continuar caso correspondidos. Quando for com a cara de alguém, demonstre.