Meus pais sempre me botavam na Colônia de Férias do Exército, embora eu odiasse socializar, para se verem livres de mim durante as férias. Lá estava eu pelo terceiro ano, o último em que seria admitida, quando de repente nos meteram na mão uma carabina de chumbinho e mandaram acertar as bolas de encher num alvo uns metros à frente. Detalhe: éramos uma turma só de meninas. De dez anos de idade. (Exército israelense.)
Eu simpatizei um bocado com aquela atividade que me era familiar - pelo alvo, pois eu brincava muito com os dardos do meu falecido avô -, embora tivesse pena/medo de estourar bolas de ar, mesmo autorizada.
O fato é que ouvi as instruções do soldadinho - apóia arma aqui, coloca a mão acolá - enquanto lembrava do que fazia nos dardos e Monteiro Lobato ecoava em minha cabeça: toda arma dava "coice". O soldadinho não me contou isso, e certamente se espantou quando, imediatamente após a permissão para atirar, eu disparei três rápidos tiros que pegaram em duas das cinco bolas.
Entreolhamo-nos. Por um segundo inteiro. Eu e o soldadinho camuflado. Eu comecei a rir como, bem, uma menininha de 10 anos. E continuei a atirar.
Não acertei mais nenhuma bola, claro. Fiquei nervosa pela minha recém-adquirida importância; fiquei com medo de ser elogiada pelo "professor", me destacar demais como na escola e as outras meninas começarem a ser más comigo por despeito; possivelmente me passou pela cabeça alguma ficção escabrosa e eu não queria ser arrancada a meus pais pra virar sniper secreta do Exército Brasileiro. Seja como eu houver racionalizado o que me acometeu, isso explica muita coisa. Não mostrar-me-ei tão modesta quando os zumbis vierem, though.