31.8.09

empiricismo ofensivo

Então - deu vontade de falar agora do meu método empírico.
Quando eu tinha 23 anos, passei um tempo desempregada. Estava terminando jornalismo e resolvi tentar uma bolsa de mestrado*. Para isso, antes eu precisava passar no mestrado. OK, pensei, vamos lá. Li a bibliografia chatinha deles (financiada por papá e mamã) e me preparei para a prova - primeira fase do proceffo ffeletivo (entonação lulesca aqui, por favor).
Levei um livro a mais no dia da prova - um sobre teoria do caos que eu tinha lido antes de começar a faculdade porque me chamou a atenção numa livraria e estava barato. Já estava todo marcado e iluminado mesmo...
Dentre as opções de questão, tinha uma citando Baudrillard e eu fiz a maluca com meu livrinho extraclasse. Pensei, acho que eles vão gostar.
Gostaram. Tirei, sei lá, 8 e passei pra fase seguinte. Apresentação do projeto e currículo. Chato.
Eu tinha uma ideia de execução bem chatinha, mas legal: falar de operador de telemarketing como "boca alugada" pelas corporações, em contraponto à história do pregoeiro que tinha seus próprios bordões criativos. Me pareceu esquerdista o suficiente e fui em frente. Redigi a coisa, passei na Biblioteca Nacional, pesquisei as referências que tinha encontrado. Deu trabalho. Eles pediam introdução mais alguma coisa, não lembro o quê. Um dia antes do prazo fechar, a impressora deu defeito; imprimi na casa do meu namorado, acho. Entreguei.
Alguns dias depois, saiu a resposta - eu tinha passado para a fase final. Entrevista com a banca de três.
Eu fico muito mais intimidada com processos impessoais do que com pessoais. Na verdade, sinto muito mais respeito por processos impessoais. Cara a cara, eu sinto segurança de que não posso ser acusada de burra - talvez de confusa, distraída e sem postura, porque sou mesmo. Mas burra não.
Aí cheguei lá no dia, fiquei esperando chegar a minha vez. Todos os candidatos se conheciam, eu não conhecia ninguém. Ficar ouvindo a ladainha deles ia me deixar nervosa (overthinking), então me afastei depois de ser socialmente simpática.
Entrei. Na banca tinha dois professores de quem eu só tinha ouvido falar e uma que nem isso. Distribuí o recém-saído A feia noite para eles, fiz uma apresentação, e esperei as perguntas.
A professora L., de quem eu tinha ouvido falar, falou muito bem da prova que eu tinha feito, elogiou minhas colocações, o lance do caos. Depois elogiou o projeto.
A professora X., de quem eu nunca ouvi falar até hoje, foi tão neutra que logo vi que ela nem tinha lido nada, mas também não tinha nada contra mim.
O professor M., de quem eu já tinha ouvido falar mal, começou assim:
- Estou vendo uma inflexão tão preconceituosa aqui, aqui e aqui. O que você tem contra pedintes de ônibus?** Então eu quero saber só isso: de onde você tirou esses dados para essa introdução. Eu queria saber que... que método você usou para essa pesquisa. Que método?
- Empírico.
(Silêncio de cinco segundos, eu olhando no olho dele plácida. Professora L. se mexe na cadeira.)
Então expliquei que a pesquisa ainda não tinha sido feita, porque eu ainda não tinha passado para o curso do mestrado. Ao longo do mestrado é que se faz a pesquisa completa, e aí eu teria a chance de modificar a minha introdução e a minha hipótese. (Sorriso conciliador.)
O homem espumou de raiva. Sério mesmo. Juntou bolhinha no canto do lábio. Ele largou o osso enquanto professora L. tentava pôr panos quentes me elogiando um pouco mais. Mas eu sabia que ele logo voltaria à carga. O que eu não esperava é que fosse tão canhestramente.
- Como é que você pode nos apresentar uma introdução nessas condições?
- Eu concordo com você, mas o edital de vocês pede a introdução primeiro. O que eu entendi (e dei uma olhadinha para as professoras L. e M. enquanto isso) foi que vocês só queriam ter uma ideia da nossa capacidade de desenvolvimento e pensamento, não que já fôssemos ser avaliados agora pela capacidade de pesquisa... Inclusive, quando terminei a graduação por essa mesma escola (outra olhadinha para as duas), a professora R. de jornalismo, em Projeto Experimental I, disse que a introdução era a última coisa depois da pesquisa.
- Eu não quero saber o que os imbecis do jornalismo lhe ensinaram!!! (discreto sshhh! da professora L. tocando-lhe no braço) E blá blá blá...**
Quando saí, a professora L. elogiou meu capacete de bicicleta.
- Oh, isso? Não sabia que contava. Não é nada ativista não, venho de bicicleta por preguiça mesmo.
Fui reprovada. Certamente por descompostura.

Confesso que fui irritante de propósito. Fui bem criancinha prodígio explicadinha e articulada e sonsa. Mas ele pediu. Além do mais, se não sabe brincar, não desce pro play. Se você quer pagar de pimp, não aja como bitch.
Eu entendo a dinâmica tira-bom tira-mau tira-neutro, mas o tira mau tem que impor respeito, não dar soquinho de festim. A tira boa mandou bem em seu papel, a neutra também, mas o tira mau... tsk. Ele pode ter me reprovado, mas eu também o reprovei.

"Mas você não tentou de novo?"
O quê - e ter aquilo como professor? Ou morrer na praia com esse tipo de banca? Perdi a fé, foi mal.


* Sempre quis ser paga pra pensar, ao contrário da Luciana Gimenez e depois meio que consegui isso através da Bolsa Petrobras, mas isso é outra história.
** (desculpa, ele falou umas coisas que realmente não faziam sentido racional, então nem tive esteio pra guardar.)