18.4.03

Sick sad world

Além de contratempos menores com a minha mãe, fui passear com o meu pai. E um amigo dele que pelamordedeus. Eu estou escrevendo mais para desabafar.
Eu tive que agüentar o indivíduo por duas horas. Sendo que a primeira coisa que ele fez quando me viu foi apresentar um brilho de cobiça nos olhos e dizer: "Eu te vi pequenininha... naquela reunião de político... você tinha três, no máximo oito anos". E perguntou quantos anos eu tinha agora. Eu respondi. Eu pensei em perguntar a idade dele também, só de sacanagem, mas ele poderia tomar a pergunta como um genuíno interesse de minha parte. Não perguntei nada. A partir daí, baixou em mim a Mulher de Gelo.
Enquanto ia me secando, teve a brilhante idéia de tentar me impressionar contando sua vida de jovem empreendedor. Contou que fizera engenharia na UERJ, terminara, mas como não gostava do ambiente de propinas, resolveu mudar de vida. "É que nem você largar o que está fazendo para ir garimpar em Serra Pelada" (frase punhetística número um!). Foi vender calças jeans e foi parar numas empresas aí. Contou todas as "interessantíssimas" reviravoltas, inclusive porque saiu da empresa: "Não dava pra sustentar meu estilo de vida. Eu gosto de andar de carro importado, daqueles que bebem muito, e o salário era quase igual ao que eu gastava de gasolina por mês, uns 1400 reais" (frase punhetística número dois!) Então disse que voltou à faculdade pra se formar em Comunicação, onde aprendeu todo tipo de lixo marketeiro (usou a palavra "share"... argh!). Daí meu pai soltou que eu também cursava Comunicação. Praquê.
Vendo que eu fazia cara de bunda para a sua carreira de jovem empreendedor, ele resolveu mudar de tática. Disse que poderia me arranjar estágios em grandes empresas. Começou a agitar os braços, excitado, falando dos "seus contatos". Não agüentei:
- Mas acho que não vou fazer nada em Comunicação, não. Eu quero trabalhar com traduções.
"O quê?" - disse ele, espantado com finalmente-alguma-resposta. "Infelizmente", ele não conhecia ninguém na Herbert Ritchers, na Videolar...
Ele recomeçou a falar sabe-se lá de quê, enquanto eu pegara um pedaço de papel e começava a dobrar, cuidadosamente, um aviãozinho. Arremessei-o em direção à lata de lixo e caiu fora. Ele rapidamente apanhou o aviãozinho e jogou-o no lixo. Ou não entendeu o propósito, que era fazer qualquer merda pra não ter que prestar atenção nele (ou seja, eu voltaria a apanhar e arremessar o avião até ele atingir a lata de lixo), ou entendeu e queria ser o centro das atenções. De qualquer modo, é idiota...
Finalmente, fomos almoçar. Ele sugeriu um restaurante a quilo todo fresco. Só tinha uma coisa boa: tinha crepes. Crepes a quilo.
Mas ele não queria parar de falar. Depois de tentar tudo, até usar a odiosa palavra "benchmarking", adivinha o que ele fez. Começou a contar uma historinha. Uma mulher "queria porque queria" casar com ele, e ele não queria, porque isso "atrapalharia seu estilo de vida". Ele "não conseguiria sustentar as viagens que gostava de fazer, os luxinhos". E, além do mais, (ATENÇÃO! ESSA É A FRASE MAIS PUNHETÍSTICA JÁ OUVIDA PELOS MEUS OUVIDOS, ALÉM DE SER UMA PÉSSIMA METÁFORA!) "COLECIONAVA PAQUERAS COMO QUEM COLECIONAVA LIVROS NUMA ESTANTE"!!!!!
Mas a pobre coitada conseguiu casar com ele (ninguém merece...) e logo depois se separou. Claro.
Depois dessa, eu levantei e fui ao banheiro. Demorei mais que o necessário. Fiquei me olhando no espelho. O mundo é ridículo. Eu não sabia se tinha um ataque de riso ou de choro.
Voltei para a mesa. O indivíduo ainda estava comendo, suspeito que lerdou de propósito pra ver se ganhava tempo. Então ele me perguntou, meio que afirmando:
- A SIMONE É TÍMIDA.
Ah, não. Estava passando para a próxima fase. Claro que eu não poderia deixar de ficar de quatro por aquele exemplo de macho. Logo, o defeito só podia ser... MEU! O idiota ainda usou meu nome, técnica ensinada na porra da praga do marketing.
Eu disse, alto, claro e articuladamente, olhando fixo nos olhos dele:
- NÃO. EU NÃO SOU TÍMIDA.
Depois disso, ele nos arrastou para um "cafezinho", que declinei, mas meu pai não. Novamente ele pareceu lerdar de propósito (ninguém pode ser TÃO lerdo pra tomar café). Começou a falar de vinhos (sente o meu drama). Depois de cachaça. "Você deveria provar a cachaça que tem no..."
- Eu não bebo.
Com isso, estavam liquidadas suas esperanças de me embebedar. Ou não.
- Mas às vezes, para agradar um chefe, você precisa beber - e acrescentou, consciencioso - Ou comer comida japonesa.
Não chamei ele de "sell out", na língua dele mesmo, em respeito à carranca do meu pai, que já havia me perguntado duas vezes se eu estava com algum problema. Ele também, hein?... às vezes a palermice humana parece não conhecer limites.
Voltamos ao escritório do cara e nada do meu pai sair. Eu estava esperando ele sair comigo pra comprar um pente DIMM de 256, que foi o que viera fazer ali em primeiro lugar. Só fiquei até aquele momento porque esperava poder fazê-lo comprar o de 512. Mas aquilo já não estava valendo a pena há muito tempo.
- Pai, preciso ir embora (e não era verdade?). Compra o pente sozinho.
Joguei o anúncio em cima da mesa, dei um beijo nele e saí. Tentei me despedir do cara o mais brevemente possível. Felizmente ele estava falando com dois clientes e não pôde tentar mais nada.
O puto do amigo dele me tratou como uma cliente (love-customer). Mas o idiota não percebeu que a porra do direcionamento da marca dele estava completamente incorreto. Não se pode agradar a gregos e troianos. E eu era... persa.