10.8.03

Tabus

Fui almoçar com meu avô paterno, 91 anos. Meu pai, como sempre, me chamou com antecedência e listou os assuntos proibidos:
1-que eu estava morando com ele
2-que ele tinha carro
3-a morte do Roberto Marinho.
E me vesti numa roupa muito bonitinha e lisinha cheia de babados e não muito transparente, e fui sentando. O restaurante preferido do meu avô, com excesso de mesas, e naquele momento com um burburinho insuportável.
Pediram um bacalhau a não sei o quê, mas era uma coisa de quatro sílabas, tipo "bo-lo-nhe-sa", o que rendeu um verdadeiro debate sobre se a receita vinha de Portugal (donde seria o nome duma bela cachopa, ou duma imigrante russa) ou de alguma região da Itália (assim como bo-lo-nhe-sa vem de Bolonha).
O bacalhau à não-sei-quê, explicou minha vódrasta com orgulho, não existe no cardápio. É preciso pedir especialmente ao maître. Mesmo assim, só um dos maîtres conhecia o prato - o mais antigo, amigo do meu avô. Na vida real também existem "easter eggs" e "locked features" e "hidden characters" - basta apertar os botões das pessoas numa determinada série, durante um certo tempo. Interessante.
Tive que fingir uma alergia pra minha vódrasta fazer meu avô apagar o cigarro. Tivemos que fingir que estávamos comendo pro meu avô comer mais, "nos acompanhando". Tínhamos que dar umas risadinhas chochas quando ele queria pedir o prato pela quarta vez. Tivemos que mudar de assunto algumas vezes por causa do meu avô. É difícil selecionar frivolidades.
De vez em quanto eu gosto de desafios, mesmo os burgueses. Me comportei direitinho, estou orgulhosa.