2.3.05

mantra: não vou me entregar. não vou me entregar. não vou me entregar.

Prestar atenção demais aos detalhes faz mal. Ou aos detalhes errados. Estou falando, principalmente, de livros.
Aquelas pessoas que fazem pesquisas de campo fazem livros de ficção chatíssimos. Quer dizer, quando fica óbvio que a pessoa fez pesquisa de campo. Quando ela foi ao xingu pra ver como os índios viviam. Quando ela circulou pelo calçadão para ouvir as putas. Quando ela viveu um mês num casarão abandonado para sentir a indigência de seu personagem principal.
Mata-espontaneidade.
A pessoa pode até fazer pesquisa de campo, ok. Mas não precisa se preocupar em deixar isso claro, descrevendo como os índios se vestiam ou não se vestiam, o que significava cada pinta pintada, como eram os rituais de passagem. Não mostrar como é; contar como é.
É pra você saber, certo? Não pro leitor saber que você sabe. Ou que teve o trabalho de descobrir.
Ê, falta de imaginação.
Sabe o que é? Medo de errar. Medo de surgir um arqueólogo e dizer: ahá! esta pinta de urucum no ombro esquerdo dos silvícolas não significa "beleza", mas "fecundidade"! (O quê? E perder a maravilhosa oportunidade de agitar na cara do senhor Livingstone o bilhete dourado escrito "LICENÇA POÉTICA"? Ah, mas nem pensar.)
E também: vontade de poder dizer que esteve lá. Ora, todo mundo acha que escritor leva uma vida chata, completamente desinteressante. Alguns querem a todo custo desmentir este mito (mito!?) e só faltam descer cataratas em botes de borracha.
Honestly. Get a life while you can.
(O que não configura, em qualquer interpretação, qualquer preconceito contra os praticantes de rafting.)